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Histórias de pessoas que lutam contra transtornos alimentares são tema de livro em MG

Julia Toledo24 de dezembro de 201811min0
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'Eu não moro mais em mim' foi lançado neste sábado (22), em Poços de Caldas (MG).

“Eu ainda me olho no espelho e vejo coisas que eu não gosto”, conta a estudante de engenharia elétrica Dalva Gouvêa Carvalho. Aos 23 anos, ela ainda luta contra a anorexia e a bulimia e é uma das personagens do livro ‘Eu não moro mais em mim’, que foi lançado este sábado (22), em Poços de Caldas (MG).

Assim como ela, outras nove pessoas compartilharam suas histórias de luta contra os transtornos alimentares com a jornalista poços-caldense Gabrielle Soares Barbosa. Para ela, a preocupação principal foi mostrar como essas pessoas se sentem e ressaltar que elas podem ser felizes, mesmo com corpos considerados fora do padrão.

“Algumas coisas que eles me contaram, talvez ninguém que conviva com eles saiba. Talvez ninguém tenha ouvido essas histórias como eu ouvi. E o livro poderia mudar completamente a visão dessas pessoas sobre elas mesmas”, diz.

Escrito em primeira pessoa, o livro traz a visão da autora sobre as histórias e aborda as diversas formas como os transtornos alimentares podem se manifestar e ser prejudiciais, levando a traumas e até à morte, em casos mais extremos.

“Entendi que se eu escrevesse em primeira pessoa, falando sobre minha visão, ia me aproximar das pessoas que lessem essas histórias também. Elas iam sentir o que eu senti nos momentos em que encontrei [com os personagens] ou que tivemos uma conversa mais difícil e, assim, passar pelas mesmas experiências que eu passei quando escrevi”.

Melhor amiga serviu de inspiração
Inicialmente ‘Eu não moro mais em mim’ era o trabalho de conclusão de curso de Gabrielle na faculdade de Comunicação Social. Decidida a escrever sobre o tema, ela se lembrou da melhor amiga, Dalva, que por anos enfrentou uma verdadeira batalha contra os transtornos alimentares.

“Foi muito estranho, porque na época ninguém conseguia entender muito bem o que ela tinha. Emagrecer, na teoria, é normal. Mas ela estava emagrecendo demais. A gente ia procurar sobre isso e não tinha de onde tirar as informações”, explica.

Ainda com recaídas momentâneas e em tratamento psicológico e psiquiátrico, Dalva já consegue falar abertamente sobre o tema. Ela lembra que a primeira vez que induziu o vômito foi ao ver uma personagem de novela.

“Eu, começando a adolescência, ouvindo de todo mundo que estava gorda, todos me comparando à minha irmã que era mais magra, só conseguia ver que a menina tinha emagrecido porque comia e vomitava. E foi o que eu fiz. Cheguei a comer um bolo inteiro e vomitar depois”, conta.

Pouco tempo depois disso, ela começou a emagrecer desenfreadamente e, em consequência disso, ficar fraca e doente. Ainda assim, ver o resultado rápido a fazia continuar com o processo.

“A primeira vez que eu entrei em um shorts menor, achei o máximo! Cheguei a usar roupa infantil de tão pequena que eu estava. Essa sensação ainda existe, ela não vai embora, mas esse trabalho de autoaceitação que tenho feito com o psicólogo e psiquiatra é importante, e a representatividade na mídia também”.

Segundo ela, o convite para participar do livro foi recebido com alegria e aceito rapidamente. Ter a chance de se reconhecer através do olhar da amiga faz parte do processo de cura e superação dos traumas causados pela doença.

“A Gaby acompanhou cada etapa desses distúrbios. Quando ela me falou sobre o projeto do livro e que queria colocar minha história nele, fiquei muito feliz e aceitei participar sem pensar duas vezes. Me ver pelo olhar dela, pelo que ela presenciou ao longo de todos esses anos, é algo maravilhoso. Além do olhar jornalístico, há aquele olhar de quem viu uma pessoa querida passando por esses momentos”, ressalta.

Transtornos alimentares
A maioria associa transtorno alimentar somente à anorexia (deixar de comer ou reduzir as refeições) e bulimia (comer compulsivamente e induzir o vômito em seguida). No entanto, várias outras práticas podem ser classificadas nesse quadro, conforme Gabrielle descobriu em suas pesquisas.

“É muito do comer transtornado, de ter dificuldade de comer ou um sentimento ruim quando come. Até mesmo a forma como a pessoa se vê. Aí entra a distorção de imagem, que é quando ela não se enxerga como realmente é. Tem também a compulsão alimentar, que é recorrente. É quando a pessoa, em um curto período de tempo, ingere muitas calorias”, explica.

Até mesmo a busca excessiva pela saúde e a dificuldade de sair de uma dieta regrada podem estar dentro dos transtornos alimentares, que podem ser especificados ou não especificados. Ainda pouco conhecidos, a vigorexia (busca doentia por definição muscular) e a ortorexia (obsessão pela dieta perfeita) também são distúrbios causados pela obsessão de se ter um corpo perfeito.

Distúrbios em homens
Ao contrário do que muitos pensam, homens também sofrem com esses distúrbios alimentares. Lucas é um deles. O jovem conta que começou a ter problemas com a própria imagem ainda na infância.

“Quando tinha uns 11 anos, eu já me via diferente de todos na escola, tanto pela orientação sexual quanto por não me encaixar no padrão de beleza, exceto pela magreza. Eu já era chamado por vários apelidos e não suportaria alguém me chamando também de gordo, então eu comecei a me esforçar para ficar cada vez mais magro”, lembra.

Na época, ele morava em Poços de Caldas e era criado pela avó, que exigia com rigor que se alimentasse bem. Com 15 anos, se mudou para São Paulo e, longe dela, começou a comer mal ou até mesmo deixar de ingerir alimentos.

“Sem minha vó para controlar o que eu comia, parei de me alimentar e cada vez me orgulhava mais. Eu emagrecia, mas não fazia mal. Tinha energia e sempre pensava que se conseguisse um dia, conseguiria dois e assim por diante”, relata.

Caso de repercussão
Assim que começou a pesquisar, Gabrielle se deparou com um vídeo que chamou sua atenção. A também jornalista Daiana Garbin contava sua relação conturbada com o corpo e a descoberta dos transtornos alimentares.

“Desde os cinco anos eu odeio o meu corpo. Eu me olho no espelho todos os dias, eu me sinto gorda, eu queria ser magra. Já fiz as maiores loucuras que vocês podem imaginar para emagrecer. Porque eu queria ser magra, magra seca, igual aquelas modelos palitinho, porque acho aquilo lindo e porque alguém enfiou na nossa cabeça que o magro é bonito e você só é feliz se for magra”, relata no vídeo.

Procurada pela estudante, Daiana topou dar uma entrevista sobre o tema e contou sobre seus disturbios desde à infância até hoje. Casada com o apresentador Tiago Leifert, ela pediu demissão do emprego para trabalhar exclusivamente sobre o assunto. Seu canal no YouTube hoje já tem mais de 114 mil inscritos.

“A história dela está muito mais ampla e explicada do que todas as outras, porque ela entende o que está acontecendo, pesquisa muito sobre. Hoje ela trabalha com isso. Então sabe muito sobre o assunto. A entrevista foi para saber a experiência dela, mas também como fonte oficial, uma pessoa que conhece o assunto, sabe falar a fundo e traz coisas que talvez nem os médicos falariam”, afirma Gabrielle.

Debate é importante
Para Gabrielle, a dificuldade de conseguir um diagnóstico de transtorno alimentar também é influência da pouca discussão sobre o tema na mídia. Embora algumas tramas e programas já tenham abordado o assunto, é preciso cuidado para não ‘ensinar’ pessoas com pré-disposição como emagrecer assim.

“Entendo que é muito difícil falar sobre isso na mídia sem gerar gatilhos. Só que quando a gente não fala sobre esse problema, as pessoas que têm não descobrem”, pondera.

Gabrielle diz que toda a escrita do livro foi fortemente marcada pela emoção, porque foi o que tentou transmitir aos personagens e aos leitores.

“Minha mãe leu e, quando terminou, teve um pesadelo que os dentes dela estavam caindo. Essa é a história da Débora”, diz referindo a outra personagem do livro. “Ela fala que perdeu boa parte dos dentes por falta de vitamina, potássio e tudo mais. Então, acaba que é um livro que gera sentimentos, porque faz a gente olhar um pouco para o outro. Meu foco era dar voz para essas pessoas, mostrar como elas se sentiam”, conclui.

 

Fonte: G1.com.br

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