Pandemia de COVID-19 põe em risco o combate ao mosquito Aedes aegyti
Máscara no rosto, sim, mas repelente no corpo, também, e vigilância constante, ainda mais. A alta no número de mortes provocada pelo novo coronavírus, que superou os óbitos causados por dengue, tanto em Minas quanto no Brasil, dispara um alerta que mascara outro, este silencioso: a ameaça constante das doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, velho conhecido da população, mas relegado a segundo plano das preocupações diante do avanço da COVID-19.
Com a extensão do período de chuvas em Minas e mais pessoas em casa, devido às recomendações de isolamento social, a preocupação com o mosquito e especialmente com a dengue não pode ser deixada de lado. A doença comprovadamente já matou mais de 180 pessoas no país nos primeiros meses do ano e tem outros 261 óbitos sob investigação. Nesse contexto, deixar água parada pode criar mais um problema ao sistema de saúde, em meio ao cenário já complexo de combate ao novo coronavírus, alertam especialistas.
No último balanço divulgado ontem, o Ministério da Saúde anunciou que a COVID-19 já matou quase 2.741 pessoas no país. O número é quase 15 vezes maior que os óbitos por dengue em 2020. Especialistas destacam que a taxa de fatalidade da COVID-19 é muito mais alta e a virose mais veloz em termo de transmissão se comparadas às transmitidas pelo Aedes aegypti. Porém, o isolamento sem os cuidados já praticados antes contra o mosquito pode favorecer a proliferação do vetor, transmissor também da chikungunya e da zika. Além de sobrecarregar o sistema de saúde, que também enfrenta outras doenças respiratórias nesta época do ano.
Neste ano, a desinfecção em pontos como estações do Move combate a maior preocupação, o coronavírus(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Sem trégua
A coordenadora do Programa Estadual das Doenças Transmitidas pelo Aedes aegypti, Carolina Amaral, lembra que o coronavírus é prioridade do momento, mas que não se pode baixar a guarda com as chamadas arboviroses. “Se a população não se atentar de forma geral, os focos de dengue se mantêm sempre ativos”, explica. Com a chuva que ainda não parou, há uma preocupação com a possível somatória de doentes e seu impacto sobre o sistema de saúde. “É uma preocupação não só em Minas, mas em outros estados. Como a COVID-19 trouxe abruptamente os casos prováveis de coronavírus para o sistema de saúde, todos os outros agravos que já enfrentamos podem sobrecarregar o sistema”, afirma.
Em 2020, Minas registrou quatro mortes associadas à dengue até o último boletim, divulgado pela Secretaria de Estado de Saúde, em 13 de abril, mas outras 25 estão sob investigação. Comparativamente, as mortes por coronavírus no estado dispararam, chegando a 44 ontem, com outros 73 em investigação. Estudo da Organização das Nações Unidas concluiu que a taxa de letalidade entre infectados pela COVID-19 fica entre 0,04% a 11% (com taxa superior no grupo de risco). A literatura médica aponta que o índice de mortalidade por dengue é de 0,05%.
Medidas básicas são ignoradas
Embora sejam doenças causadas por vírus diferentes, o aumento do número de casos tanto da dengue quanto da COVID-19 faz com que o senso de coletividade seja maior, demandando um comportamento de reflexão para a sociedade. A virologista Jordana Coelho dos Reis, da UFMG, acredita que, quando a população mudar hábitos simples de higiene e limpeza, os dois males serão combatidos. “Essa pandemia mostra que a gente não dá conta de coisas básicas. Pense no peso que vamos ter na nossa saúde pública. A gente precisa sair um pouco de frente da TV e observar nosso entorno. Todo mundo sabe como conter a dengue e o coronavírus, é só realmente seguir”, comenta a professora.
Carolina Amaral, que coordena o Programa Estadual das Doenças Transmitidas pelo Aedes aegypti em Minas, defende que a mobilização social voltada para ações de prevenção da dengue deve ser mantida, especialmente durante a quarentena. “A pandemia da COVID-19 é prioridade, mas não podemos deixar as ações de rotina. A população em isolamento deve aproveitar para rever em suas casas os possíveis locais com foco do mosquito e eliminá-los, para o poder do transmissor não aumentar”, alerta.
E a coordenadora sustenta que o estado tem se concentrado em medidas com as quais “se espera não sobrecarregar o sistema de saúde”, como a criação do hospital de campanha em Belo Horizonte e campanhas de conscientização.
(foto: Arte EM)
Mais chuva e relaxamento
De acordo com o último boletim divulgado pelo Ministério da Saúde, até 13 de abril foram confirmados 205 óbitos por dengue no país. Ainda segundo o boletim, permanecem em investigação 202. No ano passado, até a mesma data, havia 302 óbitos por dengue. Embora os índices estejam bem abaixo de 2019, considerado ano epidêmico, ainda preocupam. Na disputa por leitos em hospitais, esses números podem fazer grande diferença no cenário de combate às duas enfermidades, que podem ser letais.
O Ministério da Saúde sustenta que o número elevado de casos de dengue em 2020 pode ser explicado porque no fim de 2018, o tipo 2 do vírus da dengue (são quatro sorotipos) voltou a circular após uma década. De acordo com a pasta, o chamado DENV-2, que circula em algumas regiões do Brasil, tem maior potencial de manifestações graves.
Para a virologista Jordana Coelho dos Reis, há várias hipóteses a serem analisadas para esse quadro, mas é preciso sobretudo manter o alerta para o combate ao mosquito. “Geralmente, casos de dengue aumentam quando se tem a diminuição no controle do vetor. Isso significa que as pessoas estão ficando mais permissivas em suas casas”, disse Jordana. Outro fator de alerta é o longo período chuvoso que o país registra, principalmente na Região Sudeste. “A chuva pode ter contribuído. Sabemos que há locais de difícil manejo. Em lajes por exemplo, várias podem estar com água empoçada e, a cada três dias, o mosquito pode botar uma escala de 40 a 100 ovos”, alerta a professora.
Combinação tem risco desconhecido
“A gente não sabe o impacto do coronavírus para um país que é endêmico para dengue”, alerta Jordana Coelho dos Reis, virologista e professora adjunta do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Com doutorado em virologia e pós-doutorado em imunologia e ciências da saúde, a especialista explica que o Sars-Cov-2 e a dengue são vírus de famílias completamente distintas, mas um preocupa mais que o outro, e por uma razão simples: “Em questões epidemiológicas e de saúde pública, a transmissibilidade é a principal diferença entre eles. Um precisa de vetor (dengue) e o outro não precisa de nada (coronavírus)”.
“O coronavírus depende apenas de contato com secreções, partículas, gotículas do infectado. Está avançando muito mais e ganha de maneira acelerada uma atenção maior”, afirma Jordana, que lembra ainda que os casos contabilizados de COVID-19 são estimados entre 12% a 15% da realidade, pois há subnotificação em todo o mundo, principalmente pelo número de casos assintomáticos que passam despercebidos.
“Tem pessoas cujo sistema imunológico ajuda no combate à do- ença, mas o vírus está saindo dela e sendo transmitido do mesmo jeito”, ressalta. Essa dificuldade de contenção do coronavírus também é perceptível em uma situação hipotética que destaca a especialista. “Como conter hábitos que foram cultivados por anos? Como se fala com uma criança: ‘Não passa mão no olho, no nariz’? Já o repelente (contra o Aedes aegypti, transmissor da dengue), a gente pode passar.”
Calendário
De acordo com a virologista, a tendência é que os casos de dengue continuem ocorrendo até maio, quando o clima deve ficar mais propenso à circulação de coronavírus. “Estamos entrando no frio, que desfavorece a dengue e favorece o coronavírus. A curva é inversa. Assim a gente espera”, disse. E ela reitera o alerta que ecoa entre autoridades sanitárias de todo o mundo: “É só o começo. Estamos ainda para ver o que é a pandemia do coronavírus”.
Fonte: Estado de Minas