Minas é o estado com maior número de candidatos com deficiência
No primeiro ano em que este tipo de informação passou a ser declarada pelos candidatos, dados apurados pela reportagem com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que somente 1,2% dos postulantes a algum cargo nas eleições municipais tem algum tipo de deficiência, somando 6.592 pessoas.
Para vereador, foram registradas 6.104 candidaturas, correspondendo a 93% do total de candidatos com deficiência; em seguida, estão prefeito (247) e vice-prefeito (241), representando 3,7%. Candidatos com deficiência física são a maioria, com 47,3%, seguido por 31% que declararam ter outras deficiências, 15,4% de candidatos com deficiência visual, 6% de candidatos com deficiência auditiva e 0,3% com transtorno do espectro autista.
As regiões com mais candidatos com deficiência são, na ordem, Sudeste (2.317), Nordeste (1.543), Sul (1.143), Norte (902) e Centro-oeste (687). Os Estados com mais candidaturas de pessoas com deficiência são Minas Gerais e São Paulo (com 971 e 942, respectivamente).
De acordo com o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são 45,6 milhões de pessoas com algum grau de deficiência no país. Em 2018 houve uma atualização do próprio instituto para dizer que existem mais de 12,5 milhões de pessoas com grande ou total dificuldade nos quesitos investigados. Isso representa cerca de 6,7% da população com deficiência severa.
Em Ribeirão Preto (SP), Mayra Ribeiro tem o desafio de ser uma mulher jovem e com deficiência a disputar o um cargo no executivo. Natural de Jaboticabal (SP), Mayra tem 28 anos, é assistente social e tem deficiência visual. É candidata a vice-prefeita na chapa “Ribeirão Para a Maioria”, do PSOL, encabeçada pelo Professor Mauro Inácio.
Essa é a sua primeira empreitada por um cargo eletivo. Apesar disso, ela é militante experiente e já participou de grêmios e movimentos estudantis, além do MST e do próprio movimento de juventude do PSOL.
“Foi aqui em Ribeirão [Preto], depois de conhecer mulheres em sofrimento psíquico do Hospital das Clínicas, que eu comecei a perceber o quanto é necessário militar e falar sobre os direitos das pessoas com deficiência para além de corrimão e rampa”, conta.
Durante a campanha, Mayra sofreu ataque por ser jovem, mulher e por ter deficiência.
“Você é tão menininha, jovenzinha e bonitinha e está concorrendo a um cargo tão sério” e “quando você estava começando a construir o movimento estudantil eu já estava militando”, foram alguns dos comentários recebidos por ela.
“Como dar um rumo para Ribeirão se essa moça não sabe nem para onde está olhando” foi outro ataque recebido pela candidata à vice-prefeitura nas redes sociais.
“Felizmente, nós, mulheres, agora estamos ocupando esses espaços”, comemora a assistente social.
Sobre a baixa representatividade política de pessoas com deficiência, Mayra acredita que muito se deve ao capacitismo, conceito análogo ao racismo e que tem a ver com o preconceito e discriminação contra pessoas com deficiência.
“Se você pensa que as pessoas com deficiência não são capazes, não são aptas para estarem presentes em determinados espaços, você se esquece que essa pessoa pode estar na política ou decidir os rumos da política”, enfatiza.
Lucas Aribé, por sua vez, tem 34 anos, é vereador em Aracaju (Sergipe) e também tem deficiência visual. Mas, diferentemente de Mayra, Lucas já está no seu segundo mandato e busca a reeleição para uma terceira legislatura. De 2007 a 2020, Lucas foi filiado ao PSB. Em abril deste ano, no entanto, o candidato migrou para o partido Cidadania.
Ao ser perguntado sobre as diferenças de se eleger agora e em 2012 enquanto uma pessoa com deficiência, ele destaca a incredulidade de parte da população com o fato de uma pessoa cega exercer o mandato.
Para reverter este cenário, a campanha desenvolveu algumas estratégias.
“Nós fizemos uma campanha, inicialmente, me apresentando como cidadão, com destaque para o trabalho social que realizo desde criança. Em seguida, divulgamos nossas propostas como representante dos aracajuanos. Além disso, fizemos diversos eventos públicos, principalmente panfletagens”, conta.
Neste ano, o grande desafio é a pandemia de coronavírus.
“Temos realizado a campanha de forma a apresentar as principais ações que realizamos nos oito anos de mandato, a exemplo da Lei que instituiu normas de acessibilidade no município e a inserção da Libras no currículo escolar da rede municipal”.
A falta de apoio político é apontada pelo sergipano como um empecilho para uma maior representatividade.
“Tem partido que não permite a candidatura de pessoa com deficiência e tem partido que permite, mas não viabiliza. Ou seja: não fornece estrutura de campanha e o tratamento é desigual”.
Baixo interesse por política
Adriana Dias é pesquisadora com deficiência, doutora em antropologia Pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e foi fundadora do comitê de deficiência da ABA (Associação Brasileira de Antropologia). Ela calcula que, no Brasil, pelo menos uma em cada duas famílias é afetada pela deficiência de alguma forma.
Sobre a baixa representatividade de candidatos com deficiência, a antropóloga identifica alguns motivos: falta de lei, de cota e de representatividade, além da carência do ensino formal.
“A grande maioria das pessoas com deficiência não consegue galgar Ensino Médio e Superior, principalmente as mulheres. Muitas famílias tiram as meninas da escola por medo de que elas sejam abusadas”, conta.
Com uma maioria fora do mercado formal de trabalho e da educação básica e superior, há pouca chance de que essa parcela da população realmente se interesse por política. “Eu vejo que falta uma discussão ampla sobre política e deficiência. Os próprios partidos, inclusive de esquerda, não promovem a discussão e não valorizam a temática”, opina a antropóloga.
Segundo a especialista, a tímida discussão da pauta da deficiência em outros movimentos como feminismo e movimento negro também influencia a representatividade.
“Essa é a grande questão geral que impede um engajamento da população com deficiência na pauta política.”
Adriana diz que existem países mais e menos avançados na temática. Alguns bons exemplos são Canadá e África do Sul. O último tem uma história particular marcada pelo apartheid, regime de segregação racial e que fez com que muitos líderes políticos adquirissem alguma deficiência.
“Lá você tem, segundo o pesquisador Pedro Lopes, muitas pessoas com deficiência ligadas a política de uma forma interessante e produtiva”.
Países com uma democracia mais estável, sólida e respeitada, como Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Noruega, Alemanha e Itália, têm pessoas com deficiência em cargos públicos importantes, segundo a pesquisadora.
Parlamentares com deficiência no Congresso Nacional
No Brasil há apenas dois políticos com deficiência no Congresso Nacional: o deputado Federal Felipe Rigoni (PSB-ES) e a Senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), com deficiência visual e física, respectivamente. A última já foi vereadora no município de São Paulo e deputada federal por dois mandatos consecutivos. Os dois falaram com exclusividade à BBC sobre o assunto.
A senadora Mara Gabrilli reconhece a baixa representatividade, mas considera avanços.
“Durante muito tempo, as pessoas com deficiência ficaram esquecidas pelo poder público e pela sociedade. De um tempo para cá, essas pessoas começaram a sair da invisibilidade e a ganhar destaque na imprensa, na agenda pública e, ainda muito timidamente, na política”, diz.
Em contrapartida, o número de eleitores com deficiência subiu 25% em apenas dois anos. São 1.281.427 eleitores nestas eleições. O número anterior, registrado em 2018, foi de 1.023.480 eleitores com deficiência, o que ela considera ser uma novidade positiva.
O futuro bem-sucedido dos nossos municípios, segundo a senadora, depende de gestões que saibam conciliar os interesses das minorias, além de ter representantes de vertentes diferentes, bandeiras distintas.
“Isso é democrático, positivo para a construção de políticas públicas. Trabalhar respeitando e ouvindo as diferenças enriquece nosso repertório como ser público e também como ser humano”, diz.
Sobre a possibilidade de cota nas eleições, Mara diz que não pode-se ter preconceito com a temática.
“Cotas são ações compensatórias. No caso das pessoas com deficiência, a dívida do Estado e da sociedade é enorme. Então, se a cota propicia a inclusão, ela não pode ser vista de forma negativa. O que almejamos, em um futuro próximo, é que elas não sejam mais necessárias”.
Para o deputado Felipe Rigoni, existem dois pontos importantes para aumentar essa representatividade de candidaturas: o movimento das pessoas com deficiência se organizar politicamente para este fim e se entender como um movimento relevante e a realização de iniciativas que possam preparar de forma adequada as pessoas com deficiência para pleitear um cargo eletivo.
“Instituições como o Renova [movimento de renovação política do qual o deputado fez parte] são importantes para preparar os candidatos e quebrar as barreiras da candidatura com conhecimento”, diz.
Em relação às cotas nas eleições para pessoas com deficiência, ele diz que tem dúvidas.
“A gente tem até uma série de dados mostrando que infelizmente existem muitas candidaturas laranjas de mulheres”, afirma.
Fonte: Estado de Minas