Cozinhar gera bem-estar e pode ser uma atividade terapêutica, aponta estudo
Enquanto a recomendação dos especialistas e das autoridades é evitar contato e aglomerações, principalmente neste fim de ano, quando o assunto é gastronomia, a ordem é cozinhar para se manter vivo. Não é à toa que durante todo este ano a cozinha virou a sala de estar de muita gente, e chefes renomados, como o estrelado Massimo Bottura e a masterchef Paola Carosella, viraram guru dos “quarenteners”. O consumo desse tipo de conteúdo nas redes sociais aumentou 50% em 2020 comparado a anos anteriores, segundo a plataforma YouPix. Para se ter uma ideia, o canal de Eric Jacquin no YouTube teve 10,8 milhões de visualizações e 743 mil horas de vídeo assistidas na quarentena.
A estimativa é que pelo menos um terço dos brasileiros tenham passado a cozinhar desde o início da pandemia, e o melhor: “comida de verdade”, conforme aponta um levantamento realizado pela GlobalWebIndex. De acordo com a pesquisa, nada de alimentos congelados, a preferência mesmo é por pratos preparados artesanalmente. Então, se você se aventurou nos últimos meses a fazer pão, bolo ou testar a panela de pressão, saiba que não é só o seu organismo que agradece.
Um estudo feito pelas universidades de Otago, Carolina do Norte e Minnesota, nos Estados Unidos, revelou que cozinhar incentiva os pensamentos positivos. A chamada “cozinhaterapia” ajuda ainda na memória e alivia o estresse, além de melhorar a capacidade de organização e planejamento, e dá um up até na autoestima.
O psicólogo Leonardo Morelli concorda. Para ele, o ritual, que envolve desde a escolha dos ingredientes até a preparação do prato, é terapêutico. “Tem o mesmo poder da arte, você inventa, se reinventa, cria e recria. Você precisa de foco, disciplina e organização. Além de tudo, a comida tem representado o poder de um abraço nestes tempos sombrios, é o seu tempo dedicado para você, é um momento de autocuidado, não só na questão da saúde, mas é quase uma meditação, estar presente consigo mesmo e com aqueles que se ama”, observa o especialista. “Cozinhar é comunhão. As pessoas descobriram que reuniões não precisam ser só em bares e restaurantes, o carinho está em volta da mesa”, completa.
E o chef Felipe Caputo acrescenta: “A forma como você cozinha muda tudo, eu acredito muito que a comida transmita boas energias. O que eu mais acredito na cozinha é que comida é cuidado. Tenho visto, inclusive, muita gente falar que gostou tanto de cozinhar, que vai preparar a ceia de Natal, que não quer comprar pronto”, conta.
Natal repaginado
E para provar que, mesmo a distância, é cozinhando que se criam memórias, o relações-públicas André Barreto, 31, já organizou a ceia de Natal neste ano. A tradição manda que as famílias se reúnam, mas a pandemia do novo coronavírus mudou os planos da família de Mercês, no interior de Minas Gerais.
A ideia era reunir os primos e os tios. A preparação da ceia começava dois dias antes, com todo mundo ajudando e com as tarefas já distribuídas. Neste ano, para evitar aglomerações, André vai se encontrar só com a mãe, o pai e a namorada. Mas o restante da família, quase 30 pessoas, não vai ficar de fora. O responsável oficial pela ceia de todos os anos deu um jeitinho de compartilhar o momento. Ele, a irmã, que mora no México, e a tia vão fazer uma videochamada para que o momento não se perca: todos vão cozinhar ao mesmo tempo.
“A cozinha tem uma história afetiva para mim, sempre via meu pai cozinhando para a família toda. E eu aprendi isso. No Natal todo mundo sempre ficava na função, brinco que essa parte era melhor do que comer, tenho ótimas lembranças. Este ano vai ser diferente, mas abraçar tem várias formas, e a presencial a gente pode e quer ter a certeza de que vai poder fazer depois. Por isso, vamos pensar o cardápio juntos, cozinhar juntos”, conta.
Dicas para a ceia
Para te ajudar neste momento, seja você um expert ou iniciante, reunimos algumas dicas para não fazer feio. Em tempos de coronavírus em alta e sem aglomerações, a dica de ouro do chef Flavio Trombino, do Restaurante Xapuri, é pensar nas quantidades e no planejamento. Trombino aconselha ainda a testar o forno antes. “As pessoas ficam tanto tempo sem usar o forno que só na hora descobrem que não está funcionando ou está queimando só de um lado. Teste todos os equipamentos, faça uma lista de compras, pense nos pratos e evite o desperdício, porque o que esperamos é que as reuniões sejam menores”, lembra o chef, dizendo que neste ano não precisa comprar um pernil inteiro que vá servir de 12 a 15 pessoas.
“Existem vários cortes de carnes, menores. Se não quiser abrir mão do pernil, o corte capitão é uma boa pedida, o corte transversal também serve bem quatro pessoas. Não precisa também de um leitão inteiro, isso é para até oito pessoas. Eu aconselho a cozinhar o bom e velho frango, vale caprichar nos acompanhamentos, na farofa com frutas secas e caramelizada. O frango simples do dia a dia ganha outro status e sofisticação”, pondera.
À frente do Cozinha Santo Antônio, a chef Juliana Duarte aconselha a retomar uma receita dos avós ou daquele parente querido para relembrar os velhos tempos, mesmo que a distância. “O que não pode faltar na ceia de Natal é tradição. Às vezes, a gente fica com medo dessa palavra, mas a tradição é bonita. É o que escolhemos levar de geração a geração. Aproveite o Natal e converse com a sua família, principalmente com os mais velhos, escarafunche os cadernos de receita e escolha pelo menos um prato que sempre tinha na mesa. Misture com alguma novidade, e vai ter tradição, carinho e alegria”, aconselha a chef, que recomenda o preparo de uma salada de vários tipos de tomate com romã. “É a cara do Natal e megafácil de fazer”.
“Este é um ano de possibilidades, use a internet, o importante é não faltar o amor e o carinho, a fartura somos nós quem fazemos”, avalia Trombino.
Opções para a ceia
A aposta do chef Felipe Caputo é investir nas entradas em comidas frias, justamente por causa do calor e por ser uma refeição noturna. “Tartar com avocado, ceviches variados, como os veganos, vinagrete de frutos do mar, saladas com figo, com parma, farofa de castanhas”.
Para Juliana Duarte, do Cozinha Santo Antônio, não pode faltar o bom e velho peru. “Sempre esteve nas nossas mesas, é uma ave que a gente come no Natal. Cada família prepara de um jeito, escolhe um acompanhamento, e, assim, quem for se aventurar a preparar a ceia pela primeira vez pode acrescentar o seu preparo particular inventando uma salada, ou um molhinho especial”, dá a dica.
Cozinhe com antecedência para não chegar 0h e todo mundo estar com fome. “Não deixe as coisas se acumularem, prepare a mesa antes, pense que um peru leva em média até três horas para assar, então você precisa preaquecer o forno, descongelar”, explica Flavio Trombino, do Xapuri.
Receitas
Tornedor de pernil*, por Flavio Trombino, do Restaurante Xapuri
Ingredientes:
500 g de cebola
100 g de manteiga ghee com cúrcuma
Sal a gosto
Pimenta-do-reino a gosto
50 g de castanha de baru
50 g de uvas-passas vermelhas
50 g de uvas-passas brancas
50 g de jabuticabas-passas
50 g castanha de caju
250 g de farinha de milho
50 g de gengibre
50 g de alho
Suco de 2 limões
Pernil de Porco desossado (uma peça de aproximadamente 1,200 kg)
1 pote de pasta de jabuticaba com ervas de Provence
Suco de 12 laranjas
250 g de bacon fatiado
50 g de banana-passa
1 pacote de Batata baby
1 pacote de cebola baby
1 bandeja de tomate-cereja
1 litro de caldo de carne
Salsinha, cebolinha e coentro a gosto
200 g de manteiga
Ervas tomilho e alecrim a gosto
Modo de preparo:
Farofa: Em uma panela, frite a cebola picadinha na manteiga ghee com cúrcuma. Tempere com sal e pimenta-do-reino. Acrescente a castanha de baru e as frutas secas (jabuticabas-passas, uvas-passas vermelhas e brancas, banana-passa) e logo depois a farinha de milho. Deixe dourar. Na hora de servir, acrescente as castanhas de caju e o cheiro verde.
Manteiga de ervas: Desfile as ervas, repique na faca, misture em manteiga derretida, coloque em forma de gelo e coloque na geladeira.
Carne: Abra em manta, tempere bem os dois lados com sal, alho, gengibre, suco de limão e deixe marinando na geladeira por 6 horas. Após temperado e marinado, recheie com a pasta de jabuticaba e enrole em plástico-filme com uma camada de bacon. Deixe na geladeira por 30 minutos, retire o plástico-filme e coloque o pernil em uma assadeira com as batatas e cebolas baby e os tomates-cereja. Pincele a manteiga de ervas sobre as carnes, envolva a assadeira com um papel-alumínio e asse em forno baixo 180°C por 120 minutos. Regue o conteúdo da assadeira com suco de laranja. Com 60 minutos, retire o papel-alumínio e asse por mais 60 minutos.
Molho: Ao terminar de assar a carne, retire-a da assadeira, junte o caldo de carne e a pasta de jabuticaba. Deglace o fundo da assadeira, acrescente o roux (mistura de farinha de trigo, com manteiga na mesma proporção), coe e sirva sobre a carne.
* Rendimento: 6 porções
Peru de Natal, por Juliana Duarte, do Cozinha Santo Antônio
Ingredientes
1 peru de aproximadamente 4 kg
500 mL de suco de mexerica ou laranja
500 mL de vinho branco seco
500 g de cebola em cubos
250 g de cenoura
125 g de salsão
125 gr de alho-poró
1 colher (sobremesa) de semente de coentro e 1 de cominho
1 colher (sobremesa) de pimenta-do-reino
Alecrim, tomilho, sálvia
250 g de manteiga
Para o recheio
1 bandeja de cogumelo
200 g de castanhas à sua escolha
200 g de linguiça desmanchada
Modo de preparo
Lave bem o peru (hoje em dia é difícil encontrar peru sem tempero, então é preciso retirar o que veio com ele). Deixe a ave em uma salmoura por duas horas. Escorra e reserve. Torre as sementes de coentro, cominho e pimenta e soque no pilão. Prepare uma marinada com o suco, o vinho, os legumes e as ervas. Esfregue as especiarias por todo o peru. Transfira a marinada para um saco plástico grosso e coloque o peru dentro. Deixe marinando na geladeira por 24 horas. Durante esse período vire o peru pelo menos uma vez.
Recheio: Refogue a linguiça desmanchada em um pouco de azeite. Corte os cogumelos em quatro e junte as linguiças quando elas já estiverem douradas. Acrescente as castanhas e desligue o fogo.
Cozimento: Retire o peru da marinada. Separe os legumes do líquido. Seque a cavidade interna do peru e introduza o recheio. Coloque cuidadosamente pequenos pedaços de manteiga entre a pele e a carne da ave. Amarre as pontas da coxa com barbante para fechar a cavidade e manter a forma do peru bem bonitinha. Forre o tabuleiro com os legumes e coloque o peru. Regue com o líquido da marinada. Cubra com alumínio e asse por quatro horas em forno baixo. De tempos em tempos regue com o caldo do tabuleiro ou da marinada. Quando a carne estiver macia, retire o alumínio e deixe dourar. Com o líquido que sobrar do tabuleiro, prepare um molho para regar os pedaços de peru na hora da ceia. Acrescente um pouco de vinho ou suco de mexerica. Acomode o peru em uma travessa, enfeite com frutas e flores.
Fonte: O Tempo