• Muzambinho.com
  • muzambinho.com.br
  • Muzambinho.com
  • loja.muzambinho.com

‘Alto número de recuperados não é dado a se comemorar’, diz médica

Redação12 de janeiro de 202110min0
Segundo médica, índice não reflete sucesso na luta contra a COVID-19: 'Se há muitos recuperados é porque houve muitos doentes'

“Dizer que muita gente escapou da morte – especialmente quando ela é evitável – não é uma boa notícia. Boa notícia é quando temos políticas públicas que possibilitam que a gente adoeça o mínimo possível. Se há muitos recuperados é porque houve muitos doentes, muitas sequelas, muita exposição ao vírus e, consequentemente, muitas mortes.”

Dita pela professora da Faculdade de Medicina da UFMG Cristina Alvim, a frase certamente decepciona aqueles que, saturados do duro confronto com a realidade imposta pela pandemia de COVID-19, pedem à imprensa que “mude de assunto”. “Foquem nos recuperados”, cobram diversos brasileiros, bombardeados há 11 meses por “alertas vermelhos”, cálculos mórbidos, entre outras manchetes desagradáveis.

O grupo conta, inclusive, com a adesão de famosos. O apelo mais recente partiu da atriz Rosamaria Murtinho, de 88, que foi ao Instagram em 2 janeiro pedir que os noticiários que “parem de falar dos mortos” e passem a dar mais destaque aos recuperados. “Nós, idosos, iríamos agradecer”, comentou a veterana.  O governo federal reforça o coro já que, frequentemente, alardeia a soma de sobreviventes como prova de sucesso do combate ao vírus.

Membro do Comitê Permanente de Acompanhamento das Ações de Prevenção e Enfrentamento do Novo Coronavírus da UFMG, Cristina Alvim pondera que o cansaço é compreensível, mas avisa: “É um equívoco achar que o número de recuperados da COVID-19 é algum tipo de alento. Não é um parâmetro a se comemorar, muito pelo contrário. Tudo o que ele indica é que a epidemia, no Brasil, não foi conduzida com foco na proteção das pessoas. Negar essa realidade não vai nos transportar para fora dela”.

Adoecimento

‘Entendo que as pessoas estão precisando de boas notícias, mas precisam enxergar que, quando falamos de saúde pública, a função do estado não é nos deixar adoecer e depois comemorar que sobrevivemos. É oferecer recursos para nos manter saudáveis’, diz Cristina Alvim, professora da Faculdade de Medicina da UFMG(foto: Foca Lisboa/Divulgação)

A médica explica que os 7,2 milhões de recuperados estampados com ênfase no painel virtual do Ministério da Saúde estão atrelados a uma espécie de efeito cascata.

“Precisamos entender a dinâmica da doença. Já sabemos que, em média, 81% dos infectados manifestam quadro leve, 14% apresentam sintomas graves e 5% vão para a UTI. A taxa de letalidade mundial está em torno de 2%. O que isso significa? Que, se houver 100 infectados, haverá 81 pacientes superficialmente afetados, 14 com dificuldades respiratórias, 5 casos de internação em UTI e 2 mortos. Esses números aumentam proporcionalmente, à medida que a população adoece. Quando temos milhões de contaminados, sim, a grande maioria evolui bem. Mas, paralelamente, temos centenas de milhares de mortos e uma série de desdobramentos para o sistema de saúde”, esclarece a especialista.

Nesta segunda-feira (11/1), o Brasil alcançou a marca de 8,13 milhões de infectados, o que posiciona o país como terceiro no ranking mundial de contaminações, superado apenas pelos Estados Unidos (22,4 milhões) e pela Índia (10,4 milhões). Os mortos passam de 203 mil. Os dados são do Ministério da Saúde e da universidade americana Johns Hopkins.

“Outra consequência nefesta de termos chegado a esse ponto é que os mais vulneráveis ao vírus – idosos, pobres, negros, pessoas com comorbidades e com acesso restrito ao sistema de saúde – sofreram e morreram mais. Esses públicos são os que menos se recuperam. A mim, soa desrespeitoso comemorar que um índice genérico como o de recuperados alcançou altos patamares, quando sabemos que, entre negros e pobres, por exemplo, a média de mortes é superior à nacional”, afirma Cristina.

O cenário foi constatado por instituições de pesquisa como a PUC-Rio, a Fiocruz e o Grupo DOR. Um estudo publicado em maio de 2020 por pesquisadores das três instituições constatou que negros brasileiros têm 38% mais chances de morrer pelo novo coronavírus na comparação com brancos.

Sequelas

Outra questão levantada pela médica é a de que muitas pessoas continuam doentes mesmo após se curarem da infecção, já que ela pode deixar sequelas se estendem por meses, comprometendo a qualidade de vida. Um estudo publicado na última sexta-feira (8/1) no periódico britânico The Lancet sugere que o evento é mais frequente do que se possa imaginar.

A pesquisa acompanhou 1.655 pacientes internados entre janeiro e maio do ano passado em Wuhan, na China. A conclusão foi de que 76% apresentaram complicações decorrentes da COVID-19 seis meses após a hospitalização, tais como: diabetes, insuficiências renais, problemas circulatórios, ansiedade, depressão, além de doenças cardiovasculares e cerebrovasculares.

“Entendo que as pessoas estão precisando de boas notícias, mas precisam enxergar que, quando falamos de saúde pública, a função do estado não é nos deixar adoecer e depois comemorar que sobrevivemos. É oferecer recursos para promover a saúde, para nos manter saudáveis. E há países que desempenharam bem esse papel”, argumenta a professora.

Um dos exemplos citados pela pela médica é o Japão. Com 126 milhões de habitantes, o país registrava, até a tarde desta terça-feira (12), menos de 4 mil mortes pela COVID. A profissional de saúde atribui os números brandos, entre outros fatores, à condução adequada da pandemia pelas autoridades japonesas, com “discurso claro e consistente direcionado à população” de que a situação é grave e exige comprometimento com as medidas de controle da virose.

Mortalidade

(foto: Manaus (AM), uma das capitais brasileiras mais atingidas pela pandemia. Especialista da UFMG diz que grande parte das mortes pela COVID-19 poderiam ter sido evitadas)

Ainda que o total de recuperados do Sars-Cov-2 fosse, de fato, um indicador de sucesso na luta contra a epidemia, o Brasil, possivelmente, também não teria tanto que comemorar. Cristina Alvim destaca que, para constatar se uma doença mata muito ou pouco em uma localidade, é preciso considerar outras variáveis além da soma isolada de sobreviventes.

Uma delas é a taxa de mortalidade por milhão de habitantes. Trata-se do número de óbitos dividido pela população, multiplicado pelo valor de 1 milhão. Segundo o Ministério da Saúde, a taxa brasileira é de 964 mortes/milhão. O índice é o sexto maior do mundo, conforme o painel da Johns Hopkins, que monitora 173 nações.

“Esse índice dá uma ideia, ainda que bem vaga, de quantas mortes poderíamos ter evitado. Quando há esforços concentrados para evitar que a população adoeça, o sistema de saúde consegue acolher melhor os pacientes, evitando assim que eles morram por falta de leitos, respiradores, entre outros insumos. Muitas brasileiros portanto, certamente poderiam ter se juntado ao grupo dos recuperados, mas morreram em filas de leitos para coronavírus”, reflete Cristina.

E para quem está ansioso por uma boa notícia, a pesquisadora elenca a que considera mais esperançosa. “Sem dúvida, a vacina!”.

Fonte: EM

  • Muzambinho.com
  • Muzambinho.com

Deixe um Comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios estão marcados com *