Governo Zema estuda proposta para retirar o Detran da Polícia Civil
O governo do Estado estuda retirar o Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) da estrutura da Polícia Civil (PC). A proposta foi discutida ao longo do ano passado no primeiro comitê instituído no âmbito do Conselho Estadual de Modernização Administrativa (Cema) e formado por representantes do governo e policiais civis para debater a reestruturação e modernização da corporação.
A retirada do Detran é um dos dez eixos do projeto ao qual O TEMPO teve acesso, que prevê também mudanças na Lei Orgânica da PC, no critério de promoções e na estrutura de cargos e carreiras.
Na proposta, que ainda deve ser apresentada à Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o Detran seria realocado na estrutura do governo, mas ainda há dúvidas se essa reestruturação aconteceria em apenas algumas cidades ou em todo o Estado. Isso porque um dos pontos do texto diz que a “formulação do plano de transição, na construção do cronograma e na escolha das unidades de todo o Estado a serem objeto de transferências/desvinculações para a gestão direta do Detran”.
O projeto garante ainda o acesso irrestrito dos policiais civis aos bancos de dados do Detran e o reinvestimento na Polícia Civil “dos valores antes destinados ao pagamento de honorários de banca examinadora de trânsito, sobretudo com vistas na reformulação do quadro específico de cargos em comissão da PC”.
Além disso, assegura a manutenção no patrimônio da corporação dos imóveis, “em especial no caso de toda Ciretran (Circunscrição Regional de Trânsito) sediada em sede de Delegacia Regional de Polícia Civil ou de Delegacia de Polícia Civil”.
A sede do órgão em Belo Horizonte também permanecerá no patrimônio e deve dar espaço ao Departamento Estadual de Investigação de Crimes de Trânsito. Já o prédio da Coordenação de Infrações e Controle do Condutor (CICC), no bairro Lourdes, deve sediar o Museu da PC.
Ainda no texto, o governo informa que a proposta de realocação do Detran é fruto de sugestões apresentadas pelas entidades de servidores da própria Polícia Civil – que não integram o grupo de trabalho criado no Cema, mas participaram de uma reunião com atual chefe da Polícia Civil do Estado, Joaquim Francisco Neto e Silva, que até o ano passado era chefe adjunto da instituição e foi vice-coordenador do comitê.
“A maior parte das sugestões concentrou-se na proposta de desvinculação do Detran da PC, com 16 manifestações a esse respeito. Algumas dessas sugestões mencionam que os serviços de trânsito devem ser privatizados, e outras, que esses serviços devem ser realizados de forma terceirizada, argumentando-se que, como os serviços de trânsito atualmente são realizados por policiais civis, há uma considerável perda da força de trabalho no campo da investigação criminal”, diz o texto. No entanto, o projeto final não traz propostas de terceirização ou privatização das atividades do Detran.
Procurado, o governo confirmou que o projeto a que a reportagem teve acesso é o texto final redigido pelo 1° Comitê do Cema. Já a Polícia Civil informou por meio de nota que, “neste momento, o conteúdo do Plano Diretor de Modernização da Instituição está sendo transformado em textos propositivos de norma jurídica, consoante deliberação do Conselho Estadual de Modernização Administrativa criado pelo governador Romeu Zema”.
Opiniões divididas
Ex-secretário de Segurança e professor da PUC Minas, Luiz Flávio Sapori avalia como positiva a proposta do governo, já que retira da Polícia Civil uma atribuição que não está relacionada à sua atividade-fim.
“As tarefas que envolvem o Detran não são necessariamente policiais, ou seja, cadastrar veículo, cadastrar motorista, emitir carteira de motorista, controlar infração e multa. Isso não é tarefa da Polícia Civil”, diz.
Minas é um dos poucos Estados onde a Civil ainda coordena o Detran. Na maior parte do país, essa atribuição foi repassada a outros órgãos de governo. “A principal justificativa para isso é melhorar a capacidade de eficiência da investigação criminal. São muitos delegados, investigadores e escrivães que estão por conta do Detran, desfalcando unidades policiais e delegacias no interior”, aponta Sapori.
Mas, entre membros da categoria, a mudança divide opiniões. O investigador e assessor do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado de Minas (Sindipol), Wemerson Oliveira, afirma que não há consenso entre os trabalhadores e rebate ainda a ideia de que a mudança aumentaria o efetivo da investigação criminal.
Segundo ele, no interior do Estado, muitos profissionais que atuam nos Detrans não são policiais. “A maioria são servidores de prefeituras cedidos para trabalhar nas Ciretrans”, diz.
Já entre as entidades de delegados, a medida é vista com receio ainda maior. O presidente da Associação dos Delegados da Polícia Civil de Minas Gerais (Adepol), Edson José Pereira, levanta dúvidas sobre o objetivo da mudança porque, segundo ele, o Detran em Minas é “reconhecido como um dos melhores do Brasil”, além de ser o segundo órgão que mais arrecada no Estado.
Unificação de cargos também é prevista
Outro ponto polêmico do projeto de modernização da Polícia Civil é a junção dos cargos de escrivão e investigador, que juntos respondem por mais de 70% do efetivo da corporação.
O novo cargo seria batizado de “investigador de polícia judiciária” ou de “inspetor de polícia”, e a mudança teria como objetivo “fortalecer a articulação entre os profissionais da investigação criminal (com o simultâneo redesenho de processos) e também a finalidade de reduzir o engessamento decorrente da divisão de atribuições entre essas duas carreiras”.
Mas essa medida também deve enfrentar resistência de parte da categoria. A presidente da Associação dos Escrivães da Polícia Civil de Minas (Aespol), Aline Risi dos Santos, afirma que há resistência tanto de escrivães quanto de investigadores de unificar os cargos. “Muitos investigadores não são a favor por imaginar que vão trabalhar dentro de um cartório como escrivães, e muitos escrivães são contra por acharem que vão sair e atuar na investigação de rua”, explica.
O representante do Sindipol, Wemerson Oliveira, alerta para o risco de acúmulo de funções que a junção de cargos pode trazer. “A resistência é justamente no quesito de aumentar as atribuições porque, se você pegar o investigador e o escrivão e criar um cargo só, automaticamente o policial estará desempenhando as duas funções. Então, você aumenta o grau de trabalho dele, sem uma contrapartida”, avalia.
Fonte: O Tempo