Hemocentros e hospitais alertam sobre a redução do estoque por conta da pandemia
“Hoje, a doação de sangue é algo que está entranhado na cultura da minha família e que contaminou alguns amigos mais próximos. O ato se tornou um hábito, um evento que já contamos no calendário”, garante o administrador Victor Ribeiro, 26, reconhecendo que nem sempre foi assim. Tudo mudou depois que ele recebeu, em meados de junho de 2017, o diagnóstico de leucemia, um tipo raro de câncer que ocorre na formação das células sanguíneas. “Iniciei o tratamento, que era agressivo, e precisei passar a me submeter a transfusão de forma recorrente. Algumas vezes, cheguei a precisar de mais de uma sessão por dia”, lembra.
Durante todo o período em que precisou de doações, Ribeiro contou com a ajuda da família, de amigos e de colegas da faculdade e do trabalho. E não foi só. Ainda morando em Ipatinga, na região do Vale do Aço, ele recorda que sua história causou comoção e despertou a solidariedade dos moradores. “Foi realizada uma campanha, que contou com forte adesão. Tanto que o hospital do município precisou mudar o protocolo para receber doadores. Até então, era por ordem de chegada, mas, como a oferta cresceu muito, passaram a fazer por agendamento”, informa.
Curado, o administrador, que recebeu transplante de medula óssea em junho de 2018, agora torce para que mais pessoas se mobilizem em torno da doação. “É um gesto pequeno, em que a pessoa vai gastar pouco tempo da vida dela, mas que tem o poder de salvar a vida de alguém”, reforça. “Eu sei que a gente acaba ficando muito ocupado em nosso dia a dia, que acaba nem mesmo pensando na força desse ato. Até a doença, não era algo em que eu pensava. Mas, por experiência própria, também sei que isso precisa mudar, que precisamos de mais campanhas de conscientização, que precisamos trazer isso para a nossa cultura”, defende.
Ribeiro está certo. E, embora a doação de sangue nunca tenha se tornado um elemento presente na cultura brasileira, a realidade atual é ainda mais dura. “Sabemos que, em diversos hospitais, os estoques estão críticos em razão de um histórico de mais de um ano de baixo nível de produção”, sinaliza Maria Luiza Cortez, hematologista do Grupo Oncoclínicas. Ela explica que, a partir da chegada da pandemia da Covid-19 ao país, em março do ano passado, sentiu-se uma acentuada redução da procura de doadores. A falta de bolsas de sangue, no entanto, não foi sentida de imediato. “Naquele primeiro momento, cirurgias eletivas ficaram suspensas, e, com isso, houve também menor demanda por transfusões”, informa.
“No momento presente, a balança se tornou mais desequilibrada, pois a oferta de sangue segue baixa, mas a demanda vem aumentando. Afinal, os procedimentos eletivos voltaram a ser realizados, e os acidentes de trânsito voltaram a encher hospitais (atendimentos motivados por trauma chegaram a cair 30% no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII nos primeiros meses de pandemia). Além disso, pessoas que estavam doentes, mas que, até então, estavam postergando a visita médica por receio de ir ao ambiente hospitalar por causa da Covid, agora chegam em estado mais grave, necessitando de intervenções cirúrgicas rapidamente”, expõe Maria Luiza.
Viviane Guerra, assessora de captação e cadastro de doadores da Fundação Hemominas, acrescenta que, em algumas épocas do ano, os índices de doação costumam se reduzir. “Há uma sazonalidade. Nos períodos de férias escolares, nos feriados e no Carnaval, por exemplo, menos pessoas comparecem a hemocentros”, situa, lamentando que a conta não fecha, pois é justamente nessas épocas que a demanda por transfusões costuma aumentar. “Nesta época do ano em que estamos, com a chegada do frio, a oferta também tende a se retrair, porque pessoas com sintomas gripais não devem doar, e este é um período em que vírus respiratórios circulam mais. Só que, antes, se você tivesse tido um resfriado, poderia doar sete dias após estar recuperado. Agora, por causa do coronavírus, é preciso esperar 30 dias. Além disso, mesmo aqueles que tiveram contato com alguém com sintomas são orientados a esperar 15 dias para realizar a doação”, assinala.
E se a sazonalidade das doações já era um problema, agora, em um contexto em que a oferta de sangue já está crítica, o problema se agrava. Diante desse quadro, os hospitais têm feito um trabalho de formiguinha para conseguir atender pacientes. “A gente faz um esforço muito individual de conversar com familiares de pacientes internados. Pedimos a eles que consigam doadores para repor o banco de sangue. Já a doação espontânea, não temos desde o ano passado”, lamenta Maria Luiza.
Cabe ressaltar que os centros de doação de sangue seguem rigorosos protocolos sanitários. “As doações são feitas por agendamento. No local, é obrigatório o uso de máscara cobrindo nariz e boca. Além de garantir o distanciamento entre as pessoas, nós distribuímos álcool em gel a todos”, informa Viviane.
Para doar, você precisa:
- Estar em boas condições de saúde
- Ter entre 16 e 69 anos, sendo que pessoas com menos de 18 anos precisam de autorização
- Estar alimentado, sendo recomendável evitar alimentos gordurosos
- Estar descansado e ter dormido pelo menos seis horas
- Pesar no mínimo 50 kg
- Levar documento de identidade com foto
- Pessoas imunizadas contra a Covid-19 que receberam a Coronavac devem esperar 48 horas para realizar a doação; as que receberam vacina da AstraZeneca ou da Pfizer devem esperar sete dias.
- Algumas doenças, condições metabólicas podem inviabilizar a doação. Mais informações podem ser consultadas em um hemocentro como o Hemominas (www.hemominas.mg.gov.br)
Fonte: O Tempo