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Quando a busca pela felicidade e pelo sucesso pode ser um fardo

Redação22 de novembro de 20218min0
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Para especialistas, a vida, em sua inteireza, não pode ser resumida a um constante estado de contentamento e de transbordante alegria

“É melhor ser alegre que ser triste/ Alegria é a melhor coisa que existe”. É assim que Vinicius de Moraes e Baden Powell abrem o “Samba da Benção”, música gravada em 1968 e que é uma das mais célebres parcerias da dupla. Porém, logo na estrofe seguinte, a canção se transforma, e o que parecia uma ode à alegria revela-se, na verdade, uma homenagem a um sentimento que é o seu oposto.

“Mas, para fazer um samba com beleza/ é preciso um bocado de tristeza”, cravam os artistas em versos que parecem dizer como, mais do que o samba, a própria vida, em sua inteireza, não pode ser resumida a um constante estado de contentamento e de transbordante felicidade.

Ao defender que a nossa tristeza seja acolhida e admitida, Moraes e Powell podem soar estranhos em uma sociedade que encara a alegria e a felicidade como um imperativo. Uma lógica que nos pressiona a sempre ser – ou pelo menos parecer – contentes. Afinal, ostentar uma vida bem-sucedida, com casamento e carreira promissores, sempre com os mais atualizados gadgets e acessórios, parece ser a chave para adentrar o hall daqueles que merecem ser notados e admirados. Por outro lado, qualquer coisa diferente disso poderia ser compreendido como um retumbante fracasso.

Contudo, ao tratar a felicidade como uma obrigação. podemos, ironicamente, nos tornar mais infelizes. É o que defende a especialista em comportamento humano Carolina Jannotti. Para ela, a busca desenfreada por ser ou parecer feliz costuma promover uma desconsideração de sentimentos entendidos como negativos, como a tristeza, a raiva, o desânimo e o medo. “Mas esses sentimentos, embora desconfortáveis, têm funções essenciais à sobrevivência humana”, pontua.

“Se você nega e evita o contato com esses sentimentos, você apenas deixa de identificá-los, mas eles não deixam de existir. E, em algum momento, podem surgir com força total através de algum desequilíbrio emocional, gerando inúmeras consequências para a saúde mental”, argumenta, acrescentando que, somado a esse fenômeno, a busca por um ideal irreal gera frustrações trazendo o efeito oposto e “deixando as pessoas com a sensação de impotência e ainda mais tristes”.

A especialista adverte que os prejuízos gerados pelo impulso de perseguir um estado irreal e permanente de alegria e de contentamento não são só os individuais. “No âmbito da coletividade, esta felicidade incondicional gera perda da empatia. A capacidade de entender o lado do outro reduz quando se nega a possibilidade de sofrimento”, avalia.

Uma vida ‘instagramável’.

Carolina Jannotti acredita que as redes sociais contribuem para a sustentação dessa lógica. “Hoje passamos a maior parte do tempo conectados e o virtual se confunde com o real. No virtual, tem-se o melhor carro, o corpo maravilhoso, festas e eventos importantes, família sorridente, validação dos amigos, rotina e produtividade invejáveis… Tudo é perfeito, é completo, e, se você não tem, você está errado. Há uma obrigação de que as pessoas se mostrem alegres, felizes e realizadas, representada pela positividade tóxica que insiste em dizer que ‘no final tudo vai dar certo’ ou que ‘poderia ser pior’. É preciso que as pessoas entendam que o que elas veem no mundo virtual é apenas um recorte da vida real”, diz.

Ao desconstruir a ideia de um imperativo de se ser feliz, Carolina expõe como esse pensamento pode se revelar um fardo. Mas ela admite que cultivar uma visão positiva é, sim, um instrumento de motivação, capaz de deixar a vida mais leve. “Entretanto, ressalto que a visão positiva não tem nenhum poder de impedir ou evitar problemas, mas é importante, pois pode te ajudar a encontrar soluções e a melhor forma de lidar com eles. A positividade saudável relaciona-se com a resiliência, ou seja, com a capacidade de reagir a situações tornando-se mais forte e tirando aprendizados”, pontua.

A estudiosa também busca diferenciar conceitos que, à primeira vista, parecem sinônimos. “Podemos definir a felicidade como um estado, um sentimento. Já a alegria é uma emoção. A principal diferença entre elas é o tempo de duração. A alegria vem de um momento e pode surgir mesmo que eu esteja triste. Pode-se conseguir ser alegre por pequenas coisas, enquanto a felicidade será encontrada no todo”, pondera.

Acolhimento.

Ainda que não exista uma receita para uma vida mais plena e feliz, Carolina reforça que compreender que sentimentos positivos e negativos precisam ser igualmente acolhidos já é um bom começo. Neste sentido, a escritora Clarice Lispector, ao descrever uma reflexão da personagem Macabéa, do romance “A Hora da Estrela”, de 1985, vai ao cerne da questão: “Minha alegria também vem de minha mais profunda tristeza e que tristeza era uma alegria falhada”.

“A melhor forma de encontrar a verdadeira felicidade começa por assumir e acolher suas emoções. Por mais triste que seja a sua realidade, a maneira mais eficaz de mudá-la é reconhecer. Aceitar não significa deixar de realizar atitudes para melhorá-la, é preciso também uma decisão no sentido de fazer diferente”, complementa Carolina. Ela ainda pontua que a felicidade está relacionada com o hoje, de forma que viver o presente ajuda a trazer o foco para a própria vida e a canalizar a sua energia para a expectativa ideal. “A satisfação está diretamente relacionada com a expectativa. Quanto mais você foca o irreal, maior será a sua expectativa, e assim reduzirá a satisfação”, diz, antes de concluir ser fundamental o exercício do autoconhecimento para que se possam atenuar os efeitos de comparações, que podem, inevitavelmente, ocorrer em algum momento.

Fonte: O Tempo

Redação


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