Explosão de casos de Covid afeta doação de órgãos em Minas
A explosão de casos de Covid-19 em todo o país e a consequente demanda por testes não interferem apenas no monitoramento da doença, mas também no sistema que viabiliza o transplante de órgãos. A demora nos resultados para a detecção do Sars-CoV-2 em possíveis doadores pode ser o motivo para a redução na captação de órgãos em Minas Gerais nas últimas semanas.
Desde o início da pandemia, doadores e receptores de órgãos são testados para a Covid via exame molecular RT-PCR. As análises em Minas são feitas pela Fundação Ezequiel Dias (Funed), entidade sediada em Belo Horizonte que está com grande volume de exames neste momento – segundo o boletim epidemiológico da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), hoje existem 3.006 testes em análise para Covid, sendo que há duas semanas eram 1.667 (crescimento de 80,3%).
A fundação nega que exista uma demora no processo, afirmando que “os testes para transplantes têm prioridade na obtenção de resultados e são liberados em até 24 horas”. Mas a reportagem de O TEMPO apurou que nesta semana houve ao menos um caso de espera por quase 48 horas pelo resultado.
Médico da Santa Casa de Juiz de Fora e presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), Gustavo Fernandes vivenciou esse problema. “Percebemos que nessa última onda da Covid, o tempo para o resultado vem se estendendo. Tivemos um possível doador com teste coletado no sábado (15), e o resultado só chegou na segunda-feira (17). Felizmente, isso não inviabilizou a doação”, relatou o presidente da ABTO. O exame desse doador teve de ser feito na capital, a 266 km de distância de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira.
O ideal é que o resultado chegue num tempo inferior a 24 horas porque o processo de doação de órgãos tem que ser o mais ágil possível, iniciando-se assim que há a constatação de morte encefálica. “O tempo para os testes tem que ser curto, primeiro para garantir a condição de doador, para não perder a qualidade dos órgãos; e, segundo, porque as famílias não aceitam aguardar por muito tempo”, afirma Fernandes, acrescentando que em 2021 foram feitos 127 transplantes com doadores falecidos em Juiz de Fora, sendo que 70% dos órgãos vieram de outros Estados.
Presidente da Associação Brasileira de Transplantados (ABTx), o médico Edson Arakaki conta que em diversas partes do país há relatos de casos frustrados de transplantes porque o doador testou positivamente para Covid ou porque os exames estariam demorados. A situação foi exposta por profissionais de saúde e por pessoas que aguardam ansiosamente por um transplante e recebem ligações do sistema quando há possibilidade de doação.
“O atraso na divulgação do resultado provoca um inconveniente para a família, para a equipe que está esperando pela captação dos órgãos e para o hospital, que tem que manter o doador estável, com os aparelhos ligados”, diz o médico e presidente da ABTx, que é transplantado.
Os transplantes de tecidos ficaram mais comprometidos
A pandemia da Covid-19 afetou todos os programas de transplantes, por ter provocado uma redução nas doações em todo o Brasil, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). “Os transplantes de tecidos (córneas, medula etc.) foram os mais afetados porque houve um longo período de suspensão pelo risco de contaminação dos pacientes. Já os transplantes de órgãos sólidos (rim, coração, fígado, pâncreas) não pararam completamente porque os pacientes que aguardam esses transplantes são muito graves, com doenças terminais, que necessitam fazer o transplante para sobreviver”, diz a pasta.
Quanto maior a circulação do coronavírus, mais complica fica encontrar um doador com condições plenas para a captação de órgãos. “A possibilidade de transmissão de Covid-19 existe tanto para o receptor quanto para a equipe que fará a captação dos órgãos. Por isso, a captação não acontece se o paciente está com o vírus”, explica a SES-MG.
Mais de um terço recusa doação
Embora a lista de espera por transplantes seja coordenada nacionalmente, cada Estado deve investir na captação de doadores de maneira rápida e eficiente. Minas vem melhorando seus indicadores de doação nos últimos anos, mas ainda está longe de alcançar a eficiência demonstrada por Santa Catarina, Paraná, Ceará e São Paulo.</CW>
Segundo dados da ABTO, entre janeiro e setembro de 2021, Minas teve 156 doadores efetivos, enquanto Santa Catarina, que tem um terço da população mineira, conseguiu 200. Um dos principais diferenciais do Estado sulista está no baixo índice de recusa das famílias abordadas. Enquanto aqui a taxa de recusa é de 34%, Santa Catarina registra 29% – o segundo melhor índice do país, atrás apenas do Paraná, onde a recusa acontece em 24% das abordagens.
De acordo com o governo de Minas, a recusa familiar aumentou durante a pandemia, e os indicadores do Estado caíram. Hoje, Minas tem dez doadores por milhão, enquanto antes da pandemia eram 14. Na Espanha, país que é referência mundial, existem 40 doadores por milhão.
A recomendação é para que as pessoas que desejam ser doadores de órgãos revelem isso aos seus familiares.
Fonte: O Tempo