Metade das cidades mineiras registrou perdas no campo durante o período chuvoso
Em uma das estradas de terra na zona rural de Bonfim, na região Central de Minas Gerais, um caminhão tombado já ilustrava o problema que, não é de hoje, aflige produtores rurais. Naquela tarde de fevereiro, quando a equipe de reportagem tentava mapear a situação das estradas em uma região bastante afetada pelas chuvas no Estado, alguém ficou sem ração para alimentar o gado. O insumo ficou agarrado naquela via sem estrutura para comportar o ir e vir de insumos e produtos. A situação ilustra um caso que não é pontual no Estado, onde 445 municípios tiveram perdas no campo no início do ano, o equivalente a 52,16% do total de cidades mineiras, segundo levantamento da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG).
O caminhão levaria ração até algumas propriedades rurais da cidade. Na fase mais crítica do período chuvoso, quando as fazendas ficaram ilhadas, os produtores tiveram que se virar. “A ração deu por pouco. Se tivéssemos mais alguns dias sem estrada, acho que teria acabado”, conta o produtor de leite Fernando Las Casas.
Da mesma forma que as más condições das estradas impediam a chegada de insumos na roça, elas também inviabilizavam a saída de produtos de lá. Só metade do carvão normalmente produzido na fazenda São Mateus, na cidade de Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha, por exemplo, seguiu para atender as siderúrgicas no período chuvoso deste ano. “Tivemos que diminuir tanto a produção porque não tinha como escoar e não dá para produzir o carvão e deixar ao ar livre porque, se molha, reduz a qualidade. Todos os anos temos chuvas, mas, nos 30 anos que administro a fazenda da família, nunca tinha chovido por tanto tempo. Neste ano foi de outubro a fevereiro sem trégua”, conta o fazendeiro Manuel Ramos Fachada Martins da Silva. A produção teria que passar pela MG–211, uma via de terra, que fica intransitável na época de chuva.
As estradas foram a segunda questão mais citada como um problema no período chuvoso deste ano pelos 1.412 produtores rurais ouvidos pela Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), perdendo apenas para destruição do cercamento.
Segundo o gerente de planejamento do Sistema Faemg, Celso Furtado Júnior, ainda é preciso entrar nessa conta de prejuízos o impacto direto da chuva nas lavouras. “Em São Romão, por exemplo, tivemos uma propriedade de grãos que foi totalmente danificada. A agricultura convive com os problemas climáticos, como chuva, geada, seca, e tudo isso impacta de alguma forma”, diz.
De acordo com a Emater 120 mil hectares de lavouras foram perdidos no período chuvoso deste ano. “As culturas mais afetadas foram milho em grão, com 37 mil hectares perdidos. Isso corresponde a 4% da área total cultivada no Estado. O feijão de primeira safra teve uma perda de 20,49 mil hectares, o que equivale a 15% da área plantada em Minas. O estrago também foi grande nas plantações de hortaliças, principalmente na região metropolitana de Belo Horizonte. Em janeiro, detectamos 127 mil produtores afetados pelas chuvas”, explica o diretor técnico da Emater, Gelson Soares Lemes.
Produtor rural em Mário Campos, na Grande BH, Dirceu Aparecido Rodrigues, 55, teve um prejuízo de mais de R$ 200 mil. A enchente invadiu a propriedade onde ele plantava, entre outras coisas, alface, almeirão, abobrinha, brócolis, cenoura e alho-poró. Não sobrou nada. “Minha horta virou um grande lago de água contaminada. Eu perdi coisa demais: tinha 50 mil pés de alho-poró, 500 caixas de alface e um tanto de outras coisas. Agora, a terra está toda contaminada e não dá para plantar mais nada”, lamenta. Ele, a mulher e os quatro filhos, de 12, 10, 8 e 5 anos, agora vivem de doações.
Fonte: O Tempo