Minas Gerais confirma celebrações presenciais durante a Semana Santa
Com o abrandamento das restrições contra a Covid-19 em várias cidades, inclusive com flexibilização do uso de máscara, destinos historicamente turísticos nesta época do ano, como Ouro Preto, Mariana, Congonhas, São João del-Rei, Tiradentes, Santa Luzia e Sabará, se dizem preparados para receber fiéis e turistas para a festividade religiosa.
“As atividades voltam ao que eram antes de pandemia, mas com todos os cuidados necessários”, afirma o padre Adilson Luiz Umbelino Couto, pároco da Basílica de Nossa Senhora do Pilar, em Ouro Preto.
Em Ouro Preto, logo após o feriado de Carnaval, começou a mobilização para a Semana Santa, com a celebração da via-sacra às quartas e quintas-feiras e a adoração do Santíssimo às sextas, seguida do Setenário das Dores (ritual litúrgico em latim, com cânticos compostos nos séculos XVIII e XIX, acompanhando as sete dores vividas por Maria ao longo da vida de Jesus), finalizando no dia 8 de abril.
Desde que a cidade ainda se denominava Vila Rica, há ainda alternância das paróquias – o Santuário de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias e a Basílica de Nossa Senhora do Pilar – na organização da festa religiosa. Nos anos pares, como 2022, a responsabilidade é da paróquia do Pilar.
Ritos
Nas cidades históricas, os pontos altos da Semana Santa se concentram de quinta-feira a domingo. “Temos os dois gritos na Liturgia, ‘Hosana’ e Crucifica’, na cena da paixão”, explica o padre Adilson.
Se o primeiro domingo, o de Ramos, celebrado no dia 10, é a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, o último, no dia 17, que fecha a Semana Santa, é a ressureição, quando o filho de Deus ressurge e sobe aos céus.
Entre uma data e outra, as cidades celebram o Tríduo Pascal: da tarde de quinta-feira à manhã de domingo, acontecem a instituição da Eucaristia e a cerimônia do Lava-Pés, a crucificação e o Descendimento da Cruz e a Vigília Pascal.
Na quinta-feira, o padre faz o Sermão da Eucaristia na Basílica de Nossa Senhora do Pilar. Este é o momento em que Jesus delega poder aos apóstolos, ou seja, o dia em que os padres assumem a celebração. É ainda o dia de adorar o Santíssimo Sacramento na Capela do Senhor do Bonfim e Agonia.
Sexta da Paixão
À noite, a cerimônia do Lava-Pés, segundo o padre Adilson, é o gesto do mandamento do amor ao próximo. Os padres repetem o gesto de Cristo, que lavou e beijou os pés dos apóstolos. Na sexta-feira, no largo do Rosário, há o Descendimento de Jesus da Cruz e a Procissão do Enterro até a igreja de Nossa Senhora das Mercês e Perdões.
No sábado, é a vez da Vigília Pascal nas paróquias da cidade histórica. “São três dias, mas os poetas falam em seis. É o testamento de Jesus, a instituição da Eucaristia”, enfatiza o pároco.
As ações litúrgicas, ou missas, ocorrem todos os dias, exceto na sexta-feira. “A Sexta-Feira da Paixão lembra a morte de Jesus e é o único dia em que as igrejas não rezam missa”, enfatiza o padre Adilson.
Neste ano, ainda por causa da pandemia, a Arquidiocese de Mariana aumentou o número de missas nas paróquias para distanciar os fiéis. A celebração também continua a ser transmitida pela internet. “Ela foi nossa aliada na pandemia”, destaca o sacerdote, enfatizando o alcance das mídias digitais para quem não pode participar dos ritos, como idosos e enfermos.
Tapetes de serragem
No domingo, os tapetes de serragem, tradição secular e patrimônio imaterial da cidade, produzidos com materiais diversos, como cal, cipreste, serragem crua e colorida, raspa de curtume, farinha de trigo, palha de arroz, flores, urucum, casca de ovo e borra de café, também voltam a colorir as ruas da cidade e encantar os turistas durante a Procissão da Ressurreição, em um trabalho coletivo e colaborativo.
Cada morador é responsável de confeccionar seu tapete no trecho em frente à sua casa. A prefeitura fornece todo o material para interessados na sexta-feira. Neste ano, a procissão sai da Basílica de Nossa Senhora do Pilar para o Santuário de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, num trajeto de cerca de 4 km.
Mas não foi assim, de forma afetiva e voluntária, sempre. Por volta de 1754, há registro de um acórdão (edital) da Câmara Municipal para que a população preparasse as casas e testadas para a passagem das procissões da Semana Santa e Corpus Christi.
Quem não enfeitasse as ruas com tapetes de serragem e as janelas com flores poderia ser multado em quatro oitavas de ouro e pegar dez dias de prisão. “Por esse motivo é que a maioria das cidades mineiras mantém a tradição de ornamentar as ruas e fachadas na Semana Santa”, afirma a professora e historiadora ouro-pretana Deolinda Alice dos Santos.
Para o secretário de Estado de Cultura e Turismo, Leônidas Oliveira, um dos incentivadores e apoiadores da perpetuação das tradições em Minas, poucos momentos da mineiridade são tão ímpares quanto a Semana Santa. “Ela acontece nos 853 municípios do Estado, no entanto é no barroco, nas cidades coloniais do Ciclo do Ouro, que o espetáculo da arquitetura histórica se dá em junção com tapetes, esculturas, luzes e fé”, destaca.
Oficina
Desde 2016, o designer Rodrigo Câmara mantém uma tradição familiar e repassa os conhecimentos adquiridos na arte dos tapetes para crianças e adultos em uma oficina no largo do Rosário, um dos trajetos da procissão. “Este é um momento de encontro, em que as pessoas se socializam, aprendem um ofício e perpetuam uma tradição cultural”, conta Câmara.
Geralmente, a confecção dos tapetes começa no sábado à noite e atravessa a madrugada, envolto de prosa, quitutes, bebidinhas leves e música. A proposta é que os trabalhos estejam concluídos na manhã de domingo, antes da Procissão da Ressureição.
“Para entender as dores e as delícias de fazer um tapete devocional, é preciso colocar a mão na massa”, afirma Câmara. É necessário, segundo ele, passar muito tempo agachado no chão e suportar as dores na coluna, às vezes até debaixo de sol escaldante.
O processo é simples: risca-se o chão com giz ou cal para elaborar os desenhos, que podem ser livres, temáticos ou inspirados na Campanha da Fraternidade. Para o trabalho, utilizam-se máscaras e luvas de proteção. Após a passagem da procissão, uma equipe do programa Ouro Preto Recicla vem atrás para fazer a varrição. Todo o material é reutilizado como adubo em hortas e jardins.
“É importante pensar nos tapetes não apenas como uma devoção, mas como indutor turístico” (Rodrigo Câmara)
Rodrigo Câmara já tinha fechado uma rua no bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, para ensinar às crianças a arte dos tapetes devocionais. Também, a pedido do estilista Ronaldo Fraga, elaborou em 2007 a cenografia para o desfile de sua coleção intitulada “A Cobra Ri: Uma Estória de Guimarães Rosa”, na São Paulo Fashion Week, inspirada em um dos maiores clássicos da literatura brasileira, “Grande Sertão Veredas”.
Depois de 16 horas de trabalho, Câmara montou na passarela um tapete de serragem colorida para formar o desenho de uma cobra enrolada num chão com carrancas, ossadas, buritizais, pássaros, fogo e lendas do universo rosiano.
Matracas e sinos
Em Ouro Preto, além dos tapetes devocionais, há outras tradições, como a dos altares cobertos de roxo, dos cânticos em latim, do som intermitente das matracas (instrumento musical de madeira), dos sineiros, ofício que tem resistido ao tempo, e da decoração das fachadas das casas.
Segundo reza a tradição, os moradores enfeitam as janelas com toalhas vermelhas no Domingo de Ramos e no Sábado de Aleluia; roxas, na Sexta-Feira da Paixão; e brancas, no Domingo da Ressurreição. Neste ano, uma novidade é que 14 mulheres da comunidade usarão vestimentas na cor prata e asas de anjos em todas as procissões.
Em Ouro Preto, as igrejas com imagens e talhas esculpidas por mestres como Aleijadinho atraem e emocionam os turistas. Para o padre Adilson, essa retomada da fé é muito importante, porque é uma oportunidade de abastecer o coração. E essa retomada se repetirá neste ano em cidades como Mariana, Congonhas, Sabará, Santa Luzia, São João del-Rei e Tiradentes, cada com suas particularidades. mas revivendo uma tradição secular, quiçá milenar.
Fonte: O Tempo