Solidão pode impactar homens e mulheres de maneiras diferentes
A pandemia do coronavírus obrigou o mundo a adotar novas formas de se relacionar com as pessoas, objetos e a própria rotina. Diante desse fenômeno, que fez com que o isolamento social se tornasse uma prática recomendada, muitas pessoas sentiram o aumento da sensação de solidão. No Brasil, inclusive, esse sentimento tornou-se recorrente para metade da população, segundo dados da pesquisa “Perceptions of the Impact of Covid-19”. Realizada pelo Instituto Ipsos com pessoas de 28 países e divulgada em 2021, o levantamento mostrou que, dentre todas as pessoas ouvidas, os brasileiros foram os que mais se sentiram sós.
Embora a progressão do coronavírus tenha gerado todo esse impacto – o levantamento mostrou, também, que em 52% dos casos no Brasil, a sensação de solidão havia aumentado durante o período mais agressivo da pandemia – esse sentimento é recorrente no mundo há mais tempo. Tanto que em países como Estados Unidos e Inglaterra, a solidão já foi considerada um problema de saúde pública.
Mas quando pensamos no caso da pandemia, sentir-se só tem uma relação muito forte com o próprio afastamento das pessoas e a diminuição do convívio social. É quase como se afirmássemos que estar sozinho significa sentir-se solitário. A realidade, porém, nem sempre é essa. Aliás, especialistas destacam a importância de se diferenciar essas duas situações.
“É muito importante a gente distinguir a solidão como um sentimento. Às vezes a pessoa pode estar rodeada de amigos, de outras pessoas e, mesmo assim, se sentir sozinha. O mesmo pode acontecer com alguém que está sozinha em uma casa, mas se sentindo bem consigo mesma. A solidão é muito mais um sentimento de vazio, um sentimento de não ter alguém, do que necessariamente ter ou não pessoas ao seu lado”, explica o psiquiatra Bruno Brandão Carreira.
Psicóloga clínica especializada em relacionamento e sexualidade, Leni Oliveira observa que a solidão pode abarcar temáticas muito amplas, mas que quando encarada como um sentimento, ela pode ser entendida e pensada em uma perspectiva de desamparo. “Nesse caso, a solidão ocorre por essa crença de que a nossa felicidade está no outro. Por isso a gente super valoriza os relacionamentos”, afirma. “Para não ficarem sozinhas, pessoas se sujeitam a situações desagradáveis, adoecedoras, relacionamentos abusivos”, exemplifica.
A crença de que a solidão é um sentimento puramente negativo pode fazer com que as pessoas busquem suprir ou mascarar esse sentimento de outras formas. “Aprendemos que solidão é um sentimento errado, que não pode ser vivido, que deve ser evitado, então sempre ficamos buscando algo para suprir essa necessidade, essa falta.”, explica a psicóloga.
Solidão pode estar associada a várias doenças
O psiquiatra Bruno Brandão Carreira explica que a solidão pode estar associada a doenças físicas e psicológicas. Mas, essa associação segue uma lógica de via de mão dupla, já que pode ser tanto uma consequência das enfermidades, como a causa para elas. “A solidão pode levar à depressão, da mesma forma que a depressão, muitas vezes, pode fazer com que a pessoa comece a se isolar e fique mais só. No caso de alcoólatras, por exemplo, a dependência química pode surgir porque a pessoa se sente só e começa a beber. Mas o próprio curso do alcoolismo também representa um estreitamento dos laços sociais, o que pode também levar à solidão”, exemplifica.
De acordo com um estudo conduzido por pesquisadores da Western Norway University of Applied Sciences, na Noruega, há uma forte relação entre o sentimento de solidão e o desenvolvimento de diabetes do tipo 2 (diabetes mellitus). Esse fato ficou demonstrado após o grupo analisar informações de saúde de 24 mil pessoas entre 1995 e 2019. Conforme a pesquisa, os indivíduos que se sentiam mais solitários tinham um risco duas vezes maior de desenvolver a diabetestipo 2 em relação aos que não se sentiam da mesma forma.
Diante dos resultados, os pesquisadores explicaram que a solidão cria um estado crônico de angústia que pode ativar a resposta de estresse do corpo, fator que aumenta a produção de cortisol – um hormônio que eleva a resistência à insulina. Além disso, o comportamento alimentar de pessoas solitárias também é diferente, já que se sentir só causa aumento do apetite por carboidratos e a consequente elevação dos níveis de açúcar no sangue.
Homens e mulheres podem experienciar a solidão de maneiras distintas
Embora o sentimento de solidão possa afetar a saúde das pessoas independentemente do gênero com o qual elas se identificam, o sofrimento causado por essa situação pode ser experienciado de maneiras diferentes por homens e mulheres. Essa distinção, inclusive, pode tornar o impacto mais grave ou não em determinados grupos de pessoas.
Em 2017, ano em que o Ministério da Saúde começou a divulgar o Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil, o levantamento mostrou que mais de metade das mortes registradas neste cenário foram cometidas por homens que estavam solteiros, viúvos ou divorciados (60,4%).
De acordo com o médico Bruno Brandão Carreira, esse fator pode estar relacionado com o fato de que os homens têm uma tendência a buscar menos ajuda que as mulheres. “Quando estamos falando de relacionamentos conjugais, por exemplo, homens de um modo geral, quando estão na meia e na terceira idade, tendem a ter uma rede de apoio menor. As mulheres, por outro lado, recorrem a mais pessoas. Elas procuram a mãe, filhos ou uma amiga”, explica.
Outro fator que corrobora para que a experiência da solidão tenha um impacto mais forte nos homens é a busca mais tardia por ajuda. “O que eu observo normalmente é que quando os homens buscam um profissional, eles já chegam com a saúde mais complicada. Ele chega com um problema hepático, está bebendo muito, às vezes usando drogas”, conta.
Com as mulheres, a situação é a oposta. “Quando a mulher tem uma ruptura conjugal ou quando ela já está em uma certa idade, os filhos casam e vão embora, elas reclamam e expõem o que estão sentindo a sua rede de apoio, que como eu disse, costuma ser maior que a do homem. Quando elas realmente estão se sentindo sozinhas elas também procuram por ajuda profissional. Desde o início, elas já manifestam o desconforto por estarem sós”, diz.
Como lidar com a solidão?
Segundo a psicóloga Leni Oliveira, antes de tudo, é importante entender que a solidão não é necessariamente algo ruim. “É importante estarmos sós e termos um momento com a gente mesmo para olhar para as nossas questões, os nossos fantasmas”, afirma. Ela destaca ainda que é importante também entender – e aceitar – que a tristeza ou a própria solidão são sentimentos que fazem parte do curso da vida. “Temos que aprender a lidar com aquilo que nos falta, com os nossos sentimentos, com essas sensações ruins porque elas fazem parte da própria experiência humana”.
Bruno Brandão Carreira reforça o coro. “A principal dica que eu dou é que a pessoa se volte para ela mesma e pense como está gerenciando seus relacionamentos. Muitas vezes a pessoa cobra atenção e carinho dos outros, mas pode ser o próprio comportamento dela que está afastando as outras pessoas. É importante fazer essa reflexão interna, por mais que seja um momento sofrido”, orienta.
Vale também procurar a ajuda profissional para lidar com essas questões e o próprio sentimento de solidão, principalmente se ele passa a gerar prejuízos significativos na vida, no trabalho ou nos relacionamentos.
Fonte: O Tempo