Efeito chuveiro: porque somos mais criativos no banho?
Reza a lenda que a expressão “Eureka!”, normalmente pronunciada quando temos uma ideia brilhante, como ao encontrar a solução para um problema difícil, foi cravada pelo matemático grego Arquimedes quando, durante o banho, criou o conceito de empuxo – que diz respeito à força vertical que atua sobre todo objeto mergulhado em um fluido e explica, por exemplo, a razão de um navio, mesmo sendo tão pesado, consegue flutuar.
A história, que talvez não passe de uma fábula, é tão crível por uma razão simples: não são poucas as pessoas que já viveram a experiência de ter uma boa ideia justamente durante o banho – ou em outras ocasiões de relaxamento e distração. Tanto que existe um termo para descrever esse fenômeno, o “efeito chuveiro”. E, agora, a ciência vem se esforçando para compreender o motivo de boa parte das nossas melhores soluções surgirem fora do ambiente e dos horários de trabalho ou estudo.
É o caso de uma investigação de 2019, que acompanhou 98 escritores profissionais e 87 físicos. Diariamente, eles tomaram nota de suas ideias mais criativas e registraram o que estavam fazendo quando tiveram tal “iluminação”. O estudo concluiu que 20% dessas soluções surgiram enquanto eles faziam atividades não relacionadas ao trabalho, como tomar banho, fazer exercícios ou lavar louça – curiosamente, esta última atividade já foi referendada como “terapêutica” por ao menos dois célebres artistas brasileiros, a se saber, Caetano Veloso e Adriana Calcanhotto.
Ao diário “The Washington Post”, Jonathan Schooler, professor de psicologia e ciências do cérebro na Universidade da Califórnia em Santa Barbara, nos Estados Unidos, e autor do estudo, detalhou que, com frequência, os pensamentos espontâneos em momentos de relaxamento e distração tinham um quê de epifania. Como o “eureka” de Arquimedes na banheira, essas ideias vinham aparentemente sem esforço, contribuindo para a superação de um impasse criativo.
Na avaliação do pesquisador, o “efeito chuveiro” é um efeito positivo da divagação mental – que tantas vezes é apontada como maléfica e prejudicial. “Mesmo que a divagação possa ser problemática, o que chamo de ‘maravilhamento mental’, que é uma espécie de divagação curiosa e divertida, pode ser realmente útil”, disse Schooler ao jornal norte-americano, que relaciona outras pesquisas coerentes com tais conclusões. Uma delas ouviu 1.100 voluntários, que foram convidados a relatar em quais momentos tiveram seus melhores insights. O chuveiro lidera a lista, sendo citado como lugar de inspiração por 30% dos entrevistados, que também citaram o trânsito, relevante para 13% das pessoas consultadas, e durante exercícios físicos, mencionado por 11%.
Outros estudos também indicam que a criatividade prospera especialmente quando executamos tarefas que nos permitem divagar. Foi o que observou, por exemplo, o pesquisador Zachary Irving, professor assistente de filosofia da ciência cognitiva na Universidade da Virgínia, nos EUA, e autor de uma investigação sobre o tema divulgada em setembro do ano passado.
Para chegar a essa conclusão, Irving convidou mais de 300 estudantes universitários a encarar o desafio de criar, em 90 segundos, o maior número possível de novos usos para objetos comuns. Posteriormente, parte dos voluntários assistiu a um vídeo entediante enquanto a outra parte foi exposta a um clipe mais envolvente. Curiosamente, quando voltaram a ser testados, o segundo grupo se saiu melhor. “O que realmente queríamos saber não era qual vídeo está ajudando você a ser mais criativo. A questão era: como a divagação da mente está relacionada à criatividade durante tarefas chatas e envolventes?”, pontuou o autor, em comunicado à imprensa.
Estudo semelhante foi feito em 2012, quando pesquisadores ligados à Universidade do Texas em Austin pediram a participantes que apontassem usos criativos para itens do dia a dia após um “período de incubação” que envolvia tarefas de vários níveis de demanda mental. Ao final, perceberam que, quando são muito demandadas, as pessoas têm menor pontuação no teste de criatividade. Para Irving, aliás, ambos resultados apontam para um saber comum. Ele lembra que, instintivamente, quando estamos diante de um problema, buscamos, como uma espécie de refúgio, atividades que ele chama de “moderadamente envolvente”, como tomar banho, fazer um café ou mesmo cuidar de plantas. E é exatamente nesses momentos que as melhores ideias pululam em nossa mente.
Mini-entrevista
Fabiano de Abreu, PhD em neurociências e mestre em psicologia
1. A neurociência já consegue explicar o porquê de termos ideias criativas em momentos de relaxamento, como no banho? Se sim, que hipótese melhor explica esse fenômeno? Níveis mais altos de dopamina impulsionam nossa motivação para explorar e aumentar a criatividade. O nível de impulso criativo é de acordo com a atividade das vias dopaminérgicas no sistema límbico. O banho é um gatilho para o aumento do fluxo de dopamina. Assim como dirigir de volta para casa e fazer exercícios. Mas não é apenas a dopamina a responsável, até porque ela também está associada a um risco aumentado de doença mental a depender do ciclo, rotina, em como é liberada. Essas ocasiões como o banho, por exemplo, distrai, e essa distração é a pausa necessária para que se destoa dos focos, objetivando assim o foco nos pensamentos. O chuveiro torna-se o período de incubação para as ideias. A mente subconsciente tem trabalhado arduamente para resolver os problemas que você enfrenta e agora que você deixa sua mente vagar, ela pode vir à tona e plantar essas ideias em sua mente consciente. Para melhor aproveitar esses insights:
– seja claro sobre o valor de seus insights;
– crie hipóteses;
– planeje metas alcançáveis;
– seja parceiro de um especialista que possa te trazer mais ideias;
– visualize a sua análise;
– trabalhe com estatísticas sobre o caso;
– diga o que possa provar;
– comece a considerar maneiras de observar seu assunto;
– aprenda sobre algumas das armadilhas e equívocos que podem bloquear a obtenção do insight;
– tome banho quente, mas não no calor.
(Com Agências)







