Filhos de pais superprotetores tendem a viver menos, segundo estudo
Uma pesquisa feita em parceria pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pela University College London (Reino Unido) traz novos dados surpreendentes sobre a relação entre pais superprotetores e os filhos.
Homens que tiveram pais que demonstraram excesso de cuidado durante a infância e a adolescência apresentaram um risco 12% maior de morrer antes dos 80 anos do que aqueles que não tinham um pai controlador.
Entre as mulheres, o risco foi ainda maior. Quem relatou ter um pai autoritário e superprotetor apresentou chance 22% maior de morrer antes dos 80 anos.
Mas no caso da relação entre mães superprotetoras e as filhas, a situação muda. As mulheres que durante a infância e adolescência receberam um alto nível de cuidado da mãe apresentaram risco 14% menor de morrer prematuramente do que as que foram negligenciadas.
Outro dado interessante nesta relação entre pais e filhos é que homens que passaram a infância ou a adolescência morando somente com o pai ou com a mãe tiveram um risco 179% maior de morrer antes dos 80 anos quando comparados àqueles que viveram com os dois.
Para o professor do Departamento de Gerontologia da UFSCar e coordenador da pesquisa, Tiago Silva Alexandre, a psicologia diferente de homens e mulheres ajuda a explicar estes resultados.
“Primeiro ponto é que esta relação mais fria, principalmente do pai com os filhos, faz com que haja um tolhimento no processo de autonomia dessas crianças, principalmente nos homens, apesar de que a gente encontrou isso também nas mulheres. E por conta desta questão, os homens desenvolvem mais problemas psicológicos, piores hábitos de vida, e isso aumenta o risco de doenças crônicas e pode fazer com que a morte precoce aconteça”, explica.
E a ciência explica ainda porque os homens também sofrem mais quando vivem só com a mãe ou só com o pai. “Os homens têm mais dificuldade em lidar com os problemas que estão passando e falar isso com outras pessoas, eles são mais fechados do que as mulheres, e isso aumenta o estresse psicológico, a atividade inflamatória, aumenta o risco de adquirir hábitos não saudáveis como o fumo, o abuso de drogas e de álcool, e ao longo da vida tudo isso diminui a longevidade”, acrescenta.
Vale ressaltar que os participantes incluídos nessa análise nasceram na década de 1950 e 1960. “Os resultados são um retrato de indivíduos que atualmente teriam uma idade mais avançada. Portanto, não significa que teríamos resultados iguais com a geração de hoje”, afirma o coordenador da pesquisa.
Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), os cientistas analisaram 941 casos de óbito (445 mulheres e 496 homens) entre os participantes do Elsa.
Antes de morrer, os voluntários haviam respondido a um questionário com informações sobre estrutura familiar, condições de moradia, ocupação do chefe da família, presença de doenças infecciosas e relacionamento com os pais (cuidado e proteção) na infância e adolescência. Ao correlacionar as informações obtidas nos questionários com os dados de óbito, os pesquisadores brasileiros conseguiram quantificar o impacto da relação parental na longevidade.
Estudos na área de psicologia e parentalidade vêm apontando que tanto as relações autoritárias (ou extremamente rígidas) quanto as negligentes (ou permissivas) podem ser prejudiciais para a formação do indivíduo.
“Trata-se de achar o meio do caminho. Nem ser intrusivo a ponto de fazer com que a criança ou adolescente perca a autonomia, nem ser negligente e distante emocionalmente dos filhos. Essa questão do cuidado que tratamos neste estudo é justamente não negligenciar, cuidar com zelo, ser presente, mas não superproteger”, explica Aline Fernanda de Souza Canelada, que participou da pesquisa durante o mestrado.
Geração pós-guerra
Embora a pesquisa retrate o que ocorreu com a geração nascida logo após a Segunda Guerra Mundial, não é possível ter certeza de que a realidade de gerações mais recentes seria muito diferente, na avaliação dos cientistas. “Sabemos que nos dias de hoje os pais superprotegem os filhos de uma maneira distinta e é possível que isso também tenha um impacto. É um outro tipo de relação, mas que também tem as suas fragilidades”, diz Alexandre.
É o caso do resultado sobre o impacto de morar apenas com o pai ou com a mãe. No estudo, homens que passaram a infância ou a adolescência morando somente com um dos genitores tiveram um risco 179% maior de morrer antes dos 80 anos.
“Nesse caso, existem questões culturais, sociais que talvez impactassem mais do que hoje. A questão de pais separados era algo tratado de modo diferente no passado e, para o filho homem, poderia ser algo mais difícil. Não temos como saber de que modo isso se daria hoje, com a sociedade que temos atualmente, mas falando de pessoas que nasceram nas décadas de 1950 e 1960 isso era muito mais pesado para o sexo masculino, como mostra o estudo”, afirma o coordenador da pesquisa pela UFSCar.
Outro aspecto interessante está na diferença entre os gêneros no que se refere ao impacto da ausência e do mau relacionamento parental na longevidade. Pais superprotetores tiveram um impacto maior na longevidade de filhas mulheres. Do mesmo modo, mães presentes repercutiram de modo positivo apenas na longevidade das filhas.
Canelada explica que as mulheres parecem ser mais propensas a internalizar emoções negativas e, portanto, apresentam com maior frequência transtornos mentais. Já os homens parecem ter maior propensão ao alcoolismo e uso de drogas. “De qualquer modo, os dois fatores estão altamente relacionados com a longevidade”, pontua a pesquisadora.
* (com Maria Fernanda Ziegler / Agência Fapesp)