Má alimentação na gestação e infância aumenta risco de doenças ao longo da vida
Não é segredo que uma alimentação variada e rica em nutrientes é capaz de melhorar a saúde de qualquer pessoa. O cuidado com o que é ingerido torna-se ainda mais importante quando os alimentos consumidos “por dois”, como acontece com mulheres em período de gestação. Diante desse contexto, não parece absurdo imaginar que a qualidade e a quantidade de comida ingerida terá um impacto na saúde e no desenvolvimento do feto. A realidade, porém, é que as consequências de uma má alimentação durante a gravidez podem se prolongar por muito mais tempo.
É isso o que mostra um estudo publicado neste ano na revista “Nature Reviews Endocrinology”. Segundo o artigo, que tem autoria de José Donato Júnior, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), alterações no tecido adiposo de mulheres durante a gravidez, provocadas tanto por carência quanto por excesso de ingestão de alimentos, podem levar a doenças metabólicas na fase adulta de seus filhos.
Em entrevista à agência Fapesp, o professor explicou que filhos de mulheres que passaram fome durante a gravidez tendem a nascer com baixo peso e a desenvolver hipertensão, alterações na resposta ao estresse, problemas cardíacos, maior propensão a diabetes e aumento da resistência insulínica. As consequências também são observadas em filhos daquelas que apresentaram obesidade gestacional. Neste caso, as crianças tendem a nascer com alto peso e também podem desenvolver doenças metabólicas quando adultos.
O cuidado com a alimentação, porém, deve ter como objetivo melhorar a saúde das crianças em todas as fases de sua vida. Como explica o nutricionista Felipe França, especialista em oxidologia e bioquímica celular, manter uma dieta equilibrada durante a gravidez é fundamental para o bom desenvolvimento do feto. “Os nutrientes ingeridos pela futura mamãe serão responsáveis pela formação e funcionamento de órgãos vitais para o corpo como o cérebro e o sistema nervoso, além de órgãos e tecidos do bebê”, destaca.
Ele acrescenta, ainda, que uma alimentação adequada é um fator essencial para a saúde da gestante, já que a gravidez é um período que exige muito do corpo da mulher. “Uma alimentação equilibrada ajuda a prevenir deficiências nutricionais e complicações associadas à falta de nutrientes essenciais. Manter-se bem nutrida ao longo da gravidez é fundamental para garantir o bem-estar da mãe e possibilitar uma recuperação mais eficiente no pós-parto e durante a amamentação. A dieta da mãe afeta diretamente a qualidade do leite materno e a quantidade de nutrientes que o recém-nascido recebe durante essa fase crucial de crescimento e desenvolvimento”, destaca.
Fases da gestação exigem tipos diferentes de alimentos
Segundo Felipe França, não existe um tipo de dieta única para todo o período gestacional, já que cada trimestre da gravidez apresenta necessidades específicas. Por isso, nos três primeiros meses da gravidez – época em que a formação dos órgãos e sistemas do bebê está em curso – é essencial ingerir alimentos ricos em ácido fólico, ferro e cálcio. “O ácido fólico é crucial para prevenir defeitos no tubo neural do feto, e pode ser encontrado em vegetais de folhas verdes escuras, legumes e grãos integrais. O ferro é fundamental para a formação do sangue materno e do bebê em crescimento, e está presente em carnes magras, lentilhas e cereais fortificados. O cálcio é essencial para o desenvolvimento dos ossos e dentes do bebê, e pode ser encontrado em produtos lácteos, sementes de gergelim e vegetais de folhas verdes”, explica.
Já no segundo semestre, com o bebê em crescimento rápido, a mãe precisa de uma dieta rica em proteínas, cálcio e ômega-3. “As proteínas são fundamentais para o desenvolvimento dos músculos e tecidos da criança, e podem ser encontradas em carnes magras, ovos, legumes e laticínios. O cálcio continua sendo importante para o crescimento ósseo e os laticínios, vegetais verdes e nozes são boas fontes desse mineral. O ômega-3 auxilia o desenvolvimento cerebral da criança e pode ser obtido através de peixes gordurosos, como salmão e sardinha, bem como de sementes de linhaça e chia”, afirma o nutricionista.
Nos últimos meses de gravidez, quando o bebê está ganhando peso rapidamente, a mãe precisa de uma dieta rica em calorias, com proteínas e gorduras saudáveis. “Alimentos como abacate, nozes, azeite de oliva e peixes gordurosos são excelentes fontes de gorduras saudáveis. As proteínas continuam sendo importantes e podem ser obtidas através de carnes magras, ovos, legumes e nozes”, diz.
Alimentos consumidos durante a infância também fazem diferença
O cuidado com a alimentação não deve ser deixado de lado após o nascimento do filho. Pediatra, endocrinologista pediátrica e professora do curso de medicina da Universidade de Ribeirão Preto, a médica Thais Milioni pontua que a alimentação na infância é capaz de impactar não só na saúde da criança, mas também ao longo da vida. “Adquirimos nossos hábitos alimentares, saudáveis ou não, durante a infância. É também quando criamos polimorfismos genéticos, que vão determinar o maior ou menor risco de saúde”, explica.
E, para que as crianças possam desenvolver uma boa alimentação, é importante que sejam ofertados alimentos variados. “É preciso que sejam disponibilizadas frutas, verduras, leguminosas, alimentos mais ricos em carboidrato como a batata, a mandioca, cereais. Se for uma criança que a família ingere produtos de origem animal, também podemos incluir os laticínios e as carnes”, orienta. Ela ainda explica que, caso os familiares sigam uma dieta vegana ou vegetariana, é importante que a dieta seja adequada, para que sejam consumidas as proporções adequadas de proteínas e cálcio.
Mesmo que as crianças já tenham passado por fases de introdução alimentar e não tenham desenvolvido o gosto por uma dieta saudável e variada, a pediatra destaca que vale a pena mudar. “Do mesmo jeito que uma alimentação que não é adequada cria riscos de saúde tanto na infância quanto na vida adulta, uma alimentação que se torna saudável também protege a nossa saúde”, ressalta.
E, mesmo que haja desafios na introdução de novos e variados alimentos, é possível que a mudança seja feita. O primeiro passo, segundo Thais Milioni, é que a criança tenha o exemplo em casa. Ter acesso a uma dieta variada também é importante, principalmente porque os gostos e o paladar podem se transformar com o tempo.
Oferecer o mesmo alimento através de formas de preparo diferentes também é uma boa dica. “Os nutricionistas nos orientam a experimentar um alimento de dez a quinze vezes antes de dizer se gostamos ou não, por isso é importante tentar novas receitas. Às vezes a gente vai comer uma cenoura crua e ela terá um gosto e uma textura diferente da cozida, em uma sopa, ou um purê”, exemplifica.
Evitar ou diminuir o consumo de ultraprocessados também é essencial, principalmente durante a fase de introdução alimentar. Como o paladar ainda é “neutro” durante esse período, o acesso a esse tipo de alimento pode dificultar a introdução de comidas mais saudáveis, já que os ultraprocessados costumam ter sabores acentuados, muito salgados ou muito doces.
Como última dica, Thais Milioni orienta que as crianças sejam incluídas no preparo da comida de forma a tornar a alimentação mais amigável. “Ela vai poder aproveitar aquele momento tanto como algo lúdico quanto como um momento de conhecimento, como uma chance para provar alimentos diferentes”.
Fonte: O Tempo