Usar sua raiva pode ser um ato de maturidade emocional
Você considera que sentir raiva é ruim, ou mesmo que expressar sua agressividade seja errado? Nesse texto, a terapeuta Márcia Inês Coelho propõe-se a mudar o seu jeito de olhar (e de usar!) essa energia em potencial.
“Usar sua raiva pode ser um ato de maturidade emocional!” Espere. O quê?! Mas, como assim?
Antes que pense que estou incentivando o ódio deliberado ou justificando comportamentos perigosos, deixe-me esclarecer…
A raiva é, por definição, uma emoção naturalmente agressiva. Funciona como uma campainha de alarme, indicando que algum limite nosso foi violado. Contudo, importa compreender que existe uma diferença entre agressividade e violência. Por muito tempo, a energia mobilizada pela raiva foi criticada e suprimida.
Ao longo de gerações, fomos aprendendo que seríamos mais facilmente amados por nossas características doces, boazinhas e cumpridoras. Que expressar raiva é mau e que ser agressivo é errado. Ao mesmo tempo, desde a infância, aprendemos a definir-nos pelo que sentimos ou por nossos comportamentos.
Assim, fomos legendando nosso valor de forma cada vez mais redutora e polarizada: ou somos bons ou maus. Ou somos gentis ou hostis. Ou somos humildes ou arrogantes. Ou somos uma coisa ou outra. E como todo o ser humano tem uma demanda inerente de ser amado e pertencer, rapidamente internalizamos uma das maiores regras que o mundo social nos colocou: “é preciso reprimir a raiva para sermos amados.”
Provavelmente, ao longo de nosso crescimento não tivemos espaço para aprender a sentir e expressar nossa raiva. E é por essa razão que dificilmente sabemos usar de um modo construtivo a nossa agressividade.
Ache ou não correto sentir raiva, a verdade é que irá senti-la ao longo da vida. Quer queira, quer não. Sentir raiva não é uma questão de opção. Ela é um elemento fundamental no teatro das nossas emoções. Enquanto não abrirmos espaço para deixar essa emoção negligenciada existir em nós, ela não encontrará canais saudáveis para se manifestar. Só que, não é porque você não expressa sua raiva, que significa que ela irá desaparecer…
Pelo contrário. Raiva reprimida, acaba por sair de forma distorcida. Seja sob a forma de violência, seja mesmo sob a forma de sintomas de doença física, fato corroborado por diversos estudos das Neurociências.
E por que, afinal, sentimos raiva?
Talvez já tenha ouvido falar na Teoria Evolucionista que aponta para o fato de certas emoções terem contribuído para a sobrevivência da espécie humana. Há quem acredite que nossos antepassados primitivos foram um bando reacionário que, à custa de brigas, acabou sendo mais forte que os demais.
Acontece que os indivíduos que sentiam um tipo particular de raiva não sobreviveram por se meterem em mais confusões. Aqueles que se sentiam incomodados e conseguiram reivindicar melhores condições, fizeram prevalecer a sua posição em conflitos de interesse. Protegeram-se melhor e progrediram.
Na vida primitiva, os indivíduos que não sentiam raiva, eram basicamente ”atropelados” pelas dinâmicas dentro do bando. Tinham maiores dificuldades de proteger os próprios interesses e, como resultado, acabaram extintos na linha evolutiva.
Os sobreviventes foram aqueles que expressavam a sua raiva, reclamando o direito de serem ouvidos. Assim, conseguiam recalibrar o comportamento do grupo para atingir seus objetivos.
A agressividade faz parte da condição humana e não é necessariamente problemática. Aliás, ela começa a manifestar-se naturalmente na infância como um modo da criança chamar a atenção para si. Ela pode ser um meio para expressar seu descontentamento ou para reagir a uma situação que a deixe frágil ou insegura. Claro que diante de episódios de agressividade infantil, os adultos devem agir para conter reações impulsivas que possam causar danos à própria criança e ao outro. No entanto, é fundamental que usem a conexão para entender as razões da sua manifestação, apoiando-a a utilizar sua raiva de modo adequado.
A energia por detrás de um comportamento agressivo é extremamente positiva e não deve ser reprimida. Vamos entender porquê.
O poder da agressividade saudável
Pense em uma situação recente em que teve que estabelecer limites. Provavelmente, você teve que canalizar alguma forma de agressividade para realizar esse movimento. Agora, recorde um momento em que precisou alcançar um objetivo importante na sua vida. Novamente, sua agressividade foi uma aliada.
Na etimologia da palavra agressividade, encontramos a expressão ad-gradi que tem por significado “dar um passo em frente”, “caminhar em direção” ou “ir ao encontro”. Trata-se então de uma atitude contraria à passividade, letargia ou submissão a uma determinada condição.
Portanto, a agressividade saudável está diretamente ligada à nossa energia vital. Claro que podemos usá-la de maneira destrutiva, mas até mesmo essa faceta pode ser útil em situações extremas. Afinal, precisamos ser capazes de proteger a nossa integridade, necessidades e limites. Reprimir a raiva por medo de acessos de violência, pode nos privar também da energia necessária para perseguir nossos sonhos. É preciso uma dose segura de agressividade para nos mobilizarmos a dizer um ‘não’ na hora certa. Para reivindicarmos um aumento quando o consideramos justo. Para expressarmos um limite psicológico, físico ou emocional quando alguém não respeita a nossa fronteira individual.
A agressividade saudável é uma energia que nos impulsiona a fazer algo. Quando bem gerenciada, torna-se aquela dose de determinação que precisamos para perseguir metas ou para nos posicionarmos numa conversa difícil.
Nesse sentido, aprender a utilizar a agressividade pode ser, sim, um ato de maturidade emocional. Isso significa ser capaz de expressar os próprios sentimentos e necessidades de forma direta e respeitosa, mesmo que seja desconfortável. Significa ter a coragem de estabelecer limites e defender o que é importante para nós.
Se emoções são energia em movimento, a nossa agressividade pode ser a transformação dessa poderosa força, numa ação mobilizadora.
Esse grito interno que nos defende quando algo nos derruba, é uma ferramenta poderosa que nos ajuda a reafirmar nosso lugar no mundo. Especialmente quando algo ameaça nos desestabilizar.
Daqui em diante olhe para essa energia com curiosidade e desejo, permitindo que ela o leve a ser assertivo, resoluto e eficaz em suas interações e decisões. É essa compreensão da agressividade que pode permitir-lhe encarar a vida e seus desafios com mais confiança e determinação.
Não tenha medo de colocar uma pitada de agressividade na sua vida. Examine-a, entenda-a e aprenda a canalizá-la de maneira produtiva. E lembre-se: a agressividade saudável, não ameaça ou intimida: ela afirma nosso lugar e respeito. Ela alimenta nossa coragem para expressar nossa verdade, mesmo que ela não seja popular. Esta é a energia que nutre a nossa determinação face à adversidade. Diria que aprendermos a respeitar o sentimento de raiva, nos ajuda a usar a força da agressividade de forma cada vez mais saudável.
Não se trata de se tornar indiferente ou insensível, mas sobre não temer expressar sua voz, seu valor e seu espaço. Entenda, finalmente, que a raiva e a agressividade são partes naturais e saudáveis da experiência humana. E quando usadas adequadamente, podem nos ajudar a viver vidas verdadeiramente mais autênticas e satisfatórias.