Dizer ‘sim’ quando queremos dizer ‘não’: como lidar com esse dilema?
Foram 18 anos de um casamento que Antonio*, 50, na verdade, nunca quis. Mas, pela incapacidade de dizer “não” e de contrariar expectativas que eram nele depositadas, aquela relação se arrastou por quase duas décadas.
A história é só mais uma entre as tantas que o engenheiro eletricista se viu enredado diante dos tantos “sins” insinceros por ele ditos. Um hábito que o levou, inclusive, a situações de sobrecarga – com o acúmulo de tarefas quando colegas de trabalho lhe faziam demandas – e de risco – aceitando, por insistência dos amigos, participar de um happy hour que não queria ter ido e beber, mesmo estando ao voltante.
Ainda que soe extrema, histórias como a de Antonio – que só foi fazer as pazes com o “não” nos anos mais recentes, com a ajuda da psicoterapia – são bastante comuns.
É o que garante a psicóloga e psicanalista Camila Fardin. Segundo ela, na rotina clínica, aprender a dar uma resposta negativa é uma demanda recorrente, uma vez que muitas pessoas se sentem pressionadas a aceitar convites, pedidos ou favores que não têm vontade de fazer, mas que temem recusar por medo de magoar, decepcionar ou perder o contato com os outros. Esse comportamento, assevera, pode gerar estresse, insatisfação, baixa autoestima e conflitos interpessoais.
Mas, afinal, por que é tão difícil dizer “não”? E como podemos superar esse obstáculo e ser mais assertivos nas nossas relações?
Para Camila, uma das razões que nos levam a aceitar coisas que não queremos é a maneira como nos balizamos através das nossas relações interpessoais. “Muitas vezes existe um convite ou um pedido de ajuda que eu acabo dizendo ‘sim’, mas, no fundo, eu sei que queria dizer ‘não’. Fazemos isso pelo medo que sentimos de decepcionar, frustrar e magoar o outro”, avalia.
A estudiosa, que atualmente trabalha em sua tese de doutorado em psicologia, explica que esse temor está relacionado à nossa autoestima e à nossa autoconfiança. “É preciso ter cada vez mais segurança em si, confiança de que o outro permanecerá na sua relação interpessoal mesmo quando você não puder estar com ele quando ele pedir por um favor ou algo mais”, sinaliza, destacando que, para isso, é importante ter a compreensão do que nos une nessas relações interpessoais.
“Muitas vezes são relações de trabalho, quando dizer ‘sim’ é necessário mesmo querendo dizer ‘não’. Outras vezes são relações afetivas, e há alguns afetos por trás disso, sendo justamente o medo de magoar o outro, com a fantasia de que, se o outro for decepcionado ou ficar magoado, ele não vai mais me amar, não vai mais querer estar comigo”, expõe.
Para a psicóloga Telma Cunha, a origem do problema pode estar ligada a uma autoestima baixa e à história de vida: “Em algumas situações, é preciso fazer um trabalho para que a pessoa se entenda como protagonista da própria história e perceba que tem direito de falar não. Atendo muitos casos em que noto que os pacientes se sentem inadequadas, pensam que serão rejeitados. Algumas pessoas ficam presas ao rótulo de ‘boazinhas’, de maneira que ao falar ‘não’ acabam se vendo em situação de constrangimento, pois aquela resposta não era esperada”, afirma.
Mudança
Para mudar essa situação, Camila Fardin sugere que as pessoas se conheçam melhor e saibam quais são os seus valores, interesses, preferências e limites. Assim, elas podem avaliar se os convites que recebem estão alinhados com o seu propósito e bem-estar.
Outra atitude importante para contornar essa questão é o planejamento, uma vez que, se ater a uma agenda, tendo em vista seus objetivos, sonhos e projetos pessoais, teremos mais condições de saber o que devemos priorizar, sendo mais assertivos na busca por nos aproximarmos de nossas metas, evitando escolhas que as afastam ou atrapalham.
Por fim, a especialista lembra que, não necessariamente, o ato de dizer “não” deve ser sisudo e mal-humorado. Neste momento, lembra ela, podemos agir de maneira educada, gentil e firme. Camila finaliza dizendo que as pessoas precisam valorizar o seu tempo, o seu espaço e o seu direito de escolha.
Por sua vez, Telma Cunha propõe que o dizer “não” seja entendido como uma habilidade, que pode ser exercitada. “Podemos fazer um exercício semanal: escrevendo em uma folha quais experiências tivemos ao falar ‘não’ e como que foi esse não, se com justificativas ou mais direto”, aconselha.
A psicóloga lembra que algumas pessoas se sentem mal depois de recusar uma ajuda, por exemplo. “Há certo prazer em ser disponível, em doar a si. Então, é importante descobrir também quais sentimentos positivos o não pode nos trazer”, conclui.
Ponto a ponto
Por que dizemos ‘sim’ mesmo se não temos tanta certeza assim?
- Medo de perder oportunidades. Às vezes, dizemos “sim” por achar que podem ser uma chance única de fazer algo diferente, divertido ou proveitoso.
- Medo de magoar ou decepcionar os outros. Em outras ocasiões, fazemos isso por consideração aos nossos amigos, familiares ou colegas de trabalho.
- Medo de ficar de fora. Podemos dizer “sim” por receio de perder o contato com as pessoas, de ficar isolado ou de perder o prestígio social.
- Medo de dizer não. Por vezes, agimos assim por dificuldade de dizer “não”, soando grosseiro, indelicado ou antipático.
Quais são as consequências?
- Estresse. Os insinceros “sins” podem gerar um excesso de atividades, responsabilidades e compromissos que sobrecarregam a nossa rotina e nos deixam ansiosos, irritados e cansados.
- Insatisfação. Essa atitude nos afasta dos nossos objetivos e projetos pessoais, nos deixando frustrados, desmotivados e infelizes com as nossas escolhas.
- Baixa autoestima. Outra consequência é a dilapidação de nossa confiança, segurança e autorrespeito a medida que nos sentimos reféns da opinião dos outros.
- Conflitos interpessoais. Além disso, essa atitude pode prejudicar os nossos relacionamentos, provocando ressentimentos, mágoas e desconfianças.
Como evitar cair nessas armadilhas?
- Autoconhecimento. É importante saber quais são os nossos valores, interesses, preferências e limites, assim seremos mais assertivos em nossos “sins” e “nãos”.
- Planejamento. Ter uma visão clara dos nossos objetivos, sonhos e projetos pessoais também ajuda.
- Aprendizado. Também é importante aprender a dizer “não” de forma educada, gentil e firme.
- Tempo. Por fim, é importante reconhecer que o nosso tempo é precioso e limitado, portanto, não precisamos nos sentir culpados por escolher o que queremos fazer.
Fonte: O Tempo