PEC do Plasma barateará medicamentos no SUS, diz associação; veja o que muda
A PEC do Plasma tramita no Senado envolta em polêmicas sobre a possibilidade de remuneração pela doação de sangue. Mas essa não é a questão central da Proposta de Emenda à Constituição, na perspectiva da Associação Brasileira de Bancos de Sangue (ABBS), uma das principais interessadas na aprovação da mudança. Ela própria é contrária a pagar pelo sangue, mas defende a PEC como uma forma de reduzir o custo e ampliar a oferta de medicamentos à base de plasma no Sistema Único da Saúde, hoje caros e escassos no país.
“Nós, classe médica do Brasil inteiro, somos contrários à remuneração. E, veja, tem que ficar bem claro: na PEC agora, a palavra remuneração foi retirada, então não existe remuneração para doador de sangue nem para doador de plasma”, sublinha o presidente da ABBS, o médico Paulo Tadeu de Almeida. Assim, ele ressalta que o cenário não se aproximaria do que se via no país nos anos 80, quando os brasileiros eram pagos pelo sangue, e o descontrole das amostras causava infecções por HIV e outros vírus durante as transfusões.
O parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, assinado pela deputada Daniella Ribeiro (PSD-PB), retira a menção expressa ao pagamento (leia na íntegra). Opositores da proposta, contudo, afirmam que o texto abre uma brecha para a remuneração no futuro, pois prevê que a comercialização de plasma ainda será regulada por uma lei posterior.
Para Almeida, o ponto central da PEC é permitir que a iniciativa privada adentre um setor que, hoje, é monopolizado pela Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), que é estatal. Já é possível doar sangue a laboratórios privados, porém não plasma separadamente. A utilização do plasma para produzir medicamentos também é centralizada pelo poder público.
“Esse monopólio tem que cair. Um tem que complementar o outro: o governo ajuda a iniciativa privada e ela produz rápido, bem e ajuda o governo, porque produzirá inclusive remédio para o SUS com um custo mais barato do que o próprio governo paga hoje”, acrescenta Tadeu de Almeida.
Mas, antes de avançar nessa discussão, é necessário entender melhor o que é plasma: ele é a parte líquida do sangue e equivale a cerca de 55% do volume total coletado. É possível tanto separá-lo do sangue após a doação quanto coletar somente ele. Devido às restrições da legislação atual, o setor privado não pode separar o plasma do sangue para enviá-lo à indústria a fim de produzir medicamentos.
O plasma é matéria-prima de medicações para doenças do sistema imunológico. O Brasil não tem autossuficiência na produção desses medicamentos e precisa exportar cerca de 70% dos hemoderivados ofertados pelo SUS — o país envia o plasma coletado nacionalmente à indústria estrangeira e compra a produçãotrâmite é centralizado pela Hemobrás.
Um desses hemoderivados é a imunoglobulina, que pode ser associada a tratamentos de hepatite e HIV, por exemplo. A ABBS calcula que o Brasil precisa de um volume dez vezes maior de doações de sangue do que o que realiza para atender a atual demanda de imunoglobulina. E, devido às limitações do setor privado, o plasma que poderia ser utilizado para aumentar essa produção é desperdiçado, segundo o setor.
CEO da Vitapart, banco de sangue privado associado à ABBS, Natan Lessa Goyata detalha a dimensão desse desperdício: “hoje, infelizmente temos que jogar fora em torno de 85% do plasma que coletamos depois de fracionar o sangue total. Com a PEC, poderíamos passar a enviar à indústria ou, quem sabe, processar o plasma e criar os hemoderivados para atendimento dos pacientes no Brasil”.
O texto original da PEC do Plasma, apresentado pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS) cita dados do Tribunal de Contas da União (TCU), que apontam que foram perdidos quase 600 mil litros de plasma entre 2017 e 2020, o equivalente a 2,7 milhões de doações de sangue. O Ministério da Saúde reitera, entretanto, que não há desperdício de plasma industrial na Hemobrás.
A empresa detalha que tem uma capacidade de triagem mensal de 100 mil bolsas de plasma por mês, o equivalente a 275 mil litros de plasma por ano. Ela prevê ampliar a capacidade para 330 mil litros anuais em 2024 e para até 800 mil quando sua fábrica estiver operando no limite máximo. Até 2025, o Ministério da Saúde projeta que a fábrica da empresa em Pernambuco esteja finalizada e possa produzir 80% da demanda do sistema público.
PEC do Plasma pode transformar Brasil em potência exportadora, diz associação
Os bancos privados argumentam que, além do potencial de baratear os medicamentos para os brasileiros, a comercialização de plasma pelo setor privado para a indústria poderia converter o Brasil de importador em exportador de hemoderivados. O país gasta cerca de R$ 1,5 bilhão anualmente para importar os produtos, de acordo com o Ministério da Saúde.
“Esse é um mercado de R$ 10 bilhões por ano na América Latina. O Brasil pode ser o fornecedor desse mercado, a partir da iniciativa pública e da iniciativa privada, e atender todos os países da América Latina. Então, esse é um mercado que pode trazer divisas, além de desenvolvimento de tecnologia e criação de empregos”, defende o presidente da ABBS, Paulo Tadeu de Almeida. Ele cita a potência industrial dos EUA — mas, no país, há remuneração pelo sangue e pelo plasma, na contramão da recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O Ministério da Saúde é contrário à exportação de hemoderivados. “A exportação do plasma brasileiro prejudicaria a assistência à população, principalmente às pessoas com hemofilia e outros problemas de coagulação sanguínea, e deixaria o país mais vulnerável diante de catástrofes ou emergências. São produtos de alto custo, utilizados em tratamentos que requerem estabilidade no seu fornecimento. Hoje, o SUS presta o atendimento a 100% de seus pacientes que precisam de hemoderivados”, diz, em nota.
Além da possibilidade de vender plasma para a indústria estrangeira, a comercialização do material abre o caminho para a construção de fábricas brasileiras privadas, na visão de Almeida. Ele pondera, contudo, que a construção de uma planta nacional demoraria pelo menos dois anos após a aprovação da PEC.
Fonte: O Tempo