Como o calor afeta nosso corpo e mente e como se proteger nos dias quentes
Entre a exaltação e a reclamação, o calor é um tema que aparece recorrentemente na música brasileira, inspirando desde tradicionais marchinhas de Carnaval até hits da nova cena da MPB. Em “Menino do Rio”, composição de Caetano Veloso famosa na voz de Baby Consuelo, por exemplo, as altas temperaturas aparecem com um quê de erotismo na forma de um “calor que provoca arrepio”. É também com uma pegada sexy que Marina Sena forjou um dos seus primeiros sucessos, “Ombrim”, que celebra a chegada da estação mais quente do ano: “Ai, que delícia o verão/A gente mostra o ombrim/A gente brinca no chão”, canta a mineira.
Já em um tom, digamos, mais preguiçoso, de quem parece sentir certo cansaço na época mais calorenta do ano, a banda Los Hermanos propõe um “anticlima veranil”: “E assim a gente não sai/Que esse sofá tá bom demais/Deixa o verão pra mais tarde”, sugere a letra assinada por Rodrigo Amarante. Além disso, é claro, o tema virou brincadeira carnavalesca no clássico de Haroldo Lobo e Antônio Nássara: “Allah-la-ô, ô-ô-ô, ô-ô-ô/Mas que calor, ô-ô-ô, ô-ô-ô”, eternizou a dupla em um desses bem-humorados cânticos entoados por multidões na folia.
Essa diversidade de representações musicais de uma mesma sensação tem sua razão de ser e expõe como o calor pode ser experimentado de diferentes maneiras por diferentes pessoas. Prova cabal disso é o fato de as altas temperaturas dividirem opiniões: há quem ame, há quem odeie. Mas, para além dessa simplificação inerente a mais um caso de polarização nacional, é possível perceber nuances de como cada um reage a essa experiência térmica.
De fato, conforme explica a neurologista Paulyane Gomes, a experiência do calor se difere de pessoa para pessoa, podendo desencadear uma série de emoções e sensações, da irritação à excitação e, às vezes, promovendo um profundo cansaço. “Quando a gente vai falar de percepção de calor, é muito importante considerar que isso é a maneira de ver, a maneira de sentir, as particularidades de cada indivíduo”, avalia, detalhando que algumas questões podem influenciar essa percepção, como a exposição prévia ao calor, o condicionamento físico, a presença de doenças e fatores ambientais, como a velocidade do vento e a umidade do ar.
Altas extremas geram preocupação
Em um país tropical, conhecido por suas altas temperaturas e clima variado, o calor pode até inspirar composições das mais diversas vertentes musicais. Mas, nos últimos anos, quando passamos a enfrentar ondas cada vez mais intensas e frequentes, a verdade é que as altas temperaturas passaram a despertar, sobretudo, preocupação.
Vale lembrar que, no dia 26 de setembro deste ano, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a cidade mineira de São Romão registrou a temperatura mais alta do Brasil em 2023, 43,5° C. Na mesma data, chegando à marca de 38,6°C, Belo Horizonte também viveu o dia mais quente de sua história desde 1961, quando o órgão passou a realizar essa medição. E esse calor extremo pode trazer diversos impactos para nossa saúde e bem-estar, afetando, inclusive, a nossa produtividade, alerta Paulyane Gomes.
A neurologista explica que o nosso corpo tem um mecanismo de termorregulação, que tenta manter a temperatura interna em torno de 36°C. Por isso, quando estamos expostos ao calor, o corpo reage de várias formas para tentar se resfriar, como suar, dilatar os vasos sanguíneos da pele e aumentar a frequência cardíaca e respiratória. Tais reações exigem um esforço maior do organismo, que consome mais energia e líquidos. Dessa maneira, se não houver uma reposição adequada desses recursos, podemos sofrer com desidratação, fadiga, cãibras, tonturas, náuseas e até mesmo insolação.
Além disso, ela cita que o calor também pode afetar a nossa saúde mental. Mencionando análises publicadas pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, Paulyane informa que o calor parece estar associado ao aumento do estresse, à redução da função cognitiva e a um maior risco de transtornos de humor e ansiedade. Em tese, isso acontece porque as altas temperaturas interferem na produção e na liberação de hormônios e neurotransmissores que regulam as nossas emoções, como cortisol, serotonina e dopamina, além de perturbar os nossos ciclos de sono, fazendo com que nos sintamos mais cansados e irritados durante o dia.
O calor excessivo pode, ainda, trazer outros desafios para a nossa vida pessoal e profissional. Por exemplo, quem trabalha em ambientes fechados pode sofrer com a falta de ventilação e ar-condicionado adequados, enquanto quem trabalha ao ar livre pode ficar exposto à radiação solar e ao risco de queimaduras. Em ambos os casos, pode haver prejuízo à concentração, criatividade, produtividade e segurança dos trabalhadores – por isso, cientes da potencial perda de produtividade, muitas empresas investem recursos para garantir o conforto térmico dos seus funcionários.
Dicas
Saber lidar com o calor excessivo é fundamental tanto para garantir a nossa segurança quanto para garantir uma sensação de bem-estar. Pensando nisso, para esses dias de clima quente, Paulyane Gomes lista dicas práticas para o dia a dia:
- Para começar, o principal conselho é manter-se hidratado. Beba bastante água ao longo do dia para compensar essa perda de líquido que estamos tendo devido à transpiração e evite bebidas diuréticas, como cafeína e álcool, que podem estimular a desidratação;
- Vista-se com roupas mais leves, mais frescas, com cores claras, que ajudem a dissipar o calor. E outra dica importante é associar a essas roupas o uso de chapéus, óculos e bonés para se proteger de queimaduras;
- Sempre utilize protetor solar nas áreas da pele que vão ficar expostas ao sol para se proteger dos raios ultravioletas, evitar queimaduras e prevenir o câncer de pele;
- Opte por ficar em locais que tenham sombra ou em locais frescos, com ventiladores ou ares-condicionados;
- Evite fazer atividades físicas mais extenuantes. Se for fazê-las, opte por horários do dia mais frescos, que são o início da manhã ou o finalzinho da tarde;
- Cuide daquelas pessoas que são mais vulneráveis à desidratação, principalmente os idosos. Mas também se preocupe com o nível de hidratação das crianças. Crianças, idosos e pessoas mais vulneráveis, que estão acamadas ou não têm tanta autonomia, precisam de cuidados especiais;
- Mantenha-se informado sobre a temperatura do dia para se prevenir antes de sair e se expor ao sol.
Fonte: O Tempo