Emoções difíceis e mais sombrias também precisam ser acolhidas. Entenda
Um burburinho tomou conta das redes sociais quando a cantora Luísa Sonza revelou que havia sido traída pelo então namorado, Chico Moedas. A notícia foi dada enquanto a cantora lia um texto durante uma entrevista no Programa Mais Você, da Globo. Nele, Luísa desabafava. Dizia sobre a dor da traição e sobre todas as sensações negativas que vinham acompanhadas da quebra de compromisso. Ela também chorou. A cena foi replicada infinitamente nas redes sociais. E comentada. Embora tenha dividido opiniões, gerou críticas duras para a jovem artista. Há quem tenha questionado a exposição excessiva do relacionamento e, também, de seu término. A cantora foi julgada por falar sobre o tema durante um programa de televisão e, também, julgada por expressar suas emoções mais difíceis diante do olhar de todos.
O cenário foi completamente diferente quando a infidelidade do ex-jogador de futebol Gerard Piqué ganhou a mídia ao redor do mundo. Shakira, sua esposa na época, respondeu com uma música e provocações. Cantou, em tradução livre, que “as mulheres não choram, as mulheres faturam” e foi aplaudida, aclamada. O público ficou do lado da colombiana e, até hoje, Piqué sofre consequências pela traição. Já foi vaiado em diversos lugares e é constantemente criticado nas redes sociais.
Embora as pessoas tenham reações individuais e distintas diante de situações difíceis, é impossível não comparar como uma postura foi atacada e outra defendida. Em tempos em que as redes sociais mascaram os problemas, exigem que as pessoas sejam “fortes” e que reforçam a crença de que tudo tem um lado bom, as emoções negativas acabam sendo deixadas de lado. É como se o sofrimento fosse algo sombrio demais para ser compartilhado com o mundo ou até mesmo experienciado pelas pessoas.
Mas ignorar as emoções não é o melhor caminho. Julgá-las é mais perigoso ainda. É isso o que aponta um estudo desenvolvido por pesquisadores das universidades de Washington e da Califórnia, nos Estados Unidos, e de Jerusalém, em Israel. Conforme a pesquisa, publicada na revista “Emotion”, em março deste ano, pessoas que habitualmente julgam sentimentos negativos – como tristeza, medo e raiva – como ruins ou inadequados apresentam mais sintomas de ansiedade e depressão. Elas também se sentem menos menos satisfeitas com suas vidas que as pessoas que não fazem o mesmo.
Outro estudo de 2017, feito pelo departamento de psicologia da Universidade da Califórnia, mostrou que pessoas que aceitam os sentimentos tidos como ruins são mais felizes a longo prazo do que aquelas que não fazem isso. A pesquisa ainda apontou que aqueles que aceitam suas emoções tendem a ter mais saúde psicológica.
Há luz na escuridão
As emoções negativas possuem um papel fundamental no desenvolvimento e na evolução humana. Como explica o psiquiatra Bruno Brandão, elas são necessárias para a nossa sobrevivência desde os primórdios. Foram sentimentos como o medo, por exemplo, que permitiram que o homem ficasse atento aos perigos e sobrevivesse aos desafios desde a idade da pedra. “A emoção é o que nos leva a uma tomada de ação”, afirma Bruno.
O especialista ressalta ainda que, positivas ou negativas, essas sensações são úteis. Em situações de perigo, o medo pode nos fazer evitar riscos. Mas vale ficar atento, porque as emoções também podem pregar peças. “Se eu tenho uma apresentação para fazer em uma reunião, fico com medo e não faço, a sensação está sendo ruim. Ela não pode perder sua utilidade”.
Segundo Bruno Brandão, é importante compreender também que, independentemente da vontade, as pessoas irão sentir emoções negativas. “Tentar lutar contra elas ou não aceitá-las só gera mais sofrimento”, afirma. Ele destaca ainda que, na grande maioria das vezes, as emoções são passageiras. “Ninguém fica triste, feliz ou com medo para sempre, exceto quando há algum transtorno psiquiátrico. Nesse caso, ele precisa ser tratado. Mas de modo geral, há essa transitoriedade”, diz.
A psicóloga Elayne Novais pontua ainda que as emoções, quaisquer que sejam, são importantes não só para a vida, mas também para saúde mental das pessoas. “Nossa interação e nosso lugar no mundo vão passar pelo que sentimos, por isso costumo dizer que nossas emoções estão para nossa vida psíquica, mental e social, assim como nossos órgãos estão para o nosso corpo”, pontua.
No caso das emoções tidas como obscuras, a psicóloga pondera que elas só são lidas dessa forma porque são acompanhadas de sensações desconfortáveis. “Mas aquilo que a gente sente não é negativo. Todas as nossas emoções merecem o nosso olhar porque elas nos ajudam a decodificar o que está acontecendo. E essas são informações preciosas para a gente se atentar para nossa vida, para a nossa história e para aquilo que estamos vivenciando em qualquer área da nossa vida”, afirma. Nesse sentido, ela explica que quanto mais mal-estar e quanto mais emoções difíceis de lidar, maior é a necessidade de observarmos o que está acontecendo para buscar entender o significado daqueles sentimentos e de onde eles vêm.
Especialista em terapia cognitivo-comportamental, a psicóloga também destaca que emoções negativas também trazem uma possibilidade de criação de vínculo. “Se fosse para a gente escolher, se tivéssemos um controle remoto, escolheríamos viver só emoções confortáveis. Queremos sentir só alegria, leveza e felicidade. A realidade é algo semelhante ao que traz o filme ‘Divertida Mente’, a alegria não quer deixar que outros sentimentos, principalmente a tristeza, assumam o controle. Mas é muito importante que ela e outras emoções desconfortáveis sejam acolhidas porque são elas que nos ajudam a nos conectar com os outros, nos auxilia a pedir ajuda”.
Elayne ressalta ainda que existem riscos quando as emoções mais difíceis são ignoradas. “O perigo de desprezar nossas emoções mais difíceis, de não lidar com a raiva, com o ciúme ou a tristeza, por exemplo, é ficarmos reféns delas, porque elas estão num campo do inconsciente, de memórias implícitas. Não estão no nível de uma consciência. Então, se ficamos aprisionados nesses sentimentos, eles podem aumentar cada vez mais”, elucida.
Para exemplificar a situação, a psicóloga cita a ansiedade. “O pensamento de medo ou o pensamento ansioso vai escalando. Você começa pensando algo como sua demissão, e isso vai aumentando, você passa a pensar que se for demitido não terá mais condições de pagar as contas, e que se começar a passar necessidades não vai poder fazer coisas que gosta com o filho, vai pensar em como ele vai ficar. As coisas vão aumentando de uma maneira que a gente perde o controle”, diz. “Mas quando a gente acolhe essa emoção, se situa e entende que o corpo está mostrando que não estamos nos sentindo bem, entendemos que talvez seja a hora de parar e observar porque aquilo está acontecendo e como os pensamentos serão reorganizados”, completa.
A psicóloga ressalta, porém, que existem momentos em que pode ser difícil lidar com todos esses sentimentos sozinho. “Essas emoções podem se tornar um problema quando começamos a ver prejuízos e dificuldades muito intensas a ponto de nos paralisar ou de nos deixar agitadas, por exemplo. Nesses casos é importante que a gente busque ajuda”, orienta.
Por Jéssica Malta
Fonte: O Tempo