Obras irregulares crescem 35% em Minas e acendem alerta para chuvas
Os primeiros nove meses de 2023 acendem um alerta para as obras irregulares em Minas Gerais. No período, segundo dados do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG), foram denunciadas no Estado 3.994 infrações em obras, o equivalente a 14 reclamações por dia. Os números são 35,7% maiores do que o mesmo período do ano passado, quando foram 2.942 denúncias. Já preocupantes em outros períodos do ano, os dados, conforme o Crea-MG, exigem ainda mais atenção no período chuvoso. As precipitações podem causar deslizamentos de morros e encostas, locais onde estão muitas dessas construções irregulares. O quadro – alerta o órgão – tem potencial para aumentar o número de tragédias em obras no Estado.
Para o gerente de Fiscalização do Crea-MG, Nicolau Neder, a alta nas denúncias de obras irregulares pode estar associada ao fato de a sociedade estar mais consciente em relação aos perigos que a prática oferece. O especialista também alega que os números de obras irregulares podem ser subnotificados. Por isso, ele ressalta a importância das denúncias por parte da população.
“Nosso Estado é enorme. Temos 853 municípios para fiscalizar. Nós levamos a fiscalização em todos eles. É muito importante que a sociedade participe cada vez mais, para podermos direcionar adequadamente as ações, levando a segurança”, convoca.
Um dos grandes problemas apontados por Neder são as obras realizadas sem acompanhamento de um engenheiro ou profissional de agronomia capacitado. O especialista esclarece que a presença de um responsável devidamente habilitado para conduzir e acompanhar uma construção é obrigatória. “É ele quem vai fazer a análise correta da atividade que vai ser realizada para que o serviço seja feito de forma segura, tanto para as pessoas que estão trabalhando quanto para as pessoas que vão fazer uso daquela instalação”, explica. Uma obra sem o acompanhamento, prossegue Nicolau, pode apresentar falhas no projeto e na execução.
Em Belo Horizonte, foram feitas 831 denúncias de obras irregulares de janeiro a setembro de 2023, uma média de três por dia, junto ao Crea-MG. No mesmo período do ano passado, foram 826, o equivalente a uma alta de 0,6%. Já a Prefeitura de Belo Horizonte realizou 3.314 vistorias de janeiro a outubro deste ano, com emissão de 2.909 autuações, 326 autos de embargos, 132 autos de fiscalização, 733 autos de infração e 1.718 autos de notificação.
Os moradores da rua Antônio de Araújo Penido, no bairro Diamante, região do Barreiro, em Belo Horizonte, relatam terem realizado uma série de denúncias junto à PBH em função de uma obra supostamente irregular. Uma moradora do local, que que preferiu não se identificar, relata a insegurança que vive desde que a construção foi iniciada ao lado do prédio onde vive.
“Primeiro, a pessoa responsável construiu uma casa, depois subiu um prédio de quatro andares. Vimos que era uma obra irregular, fizemos inúmeras denúncias, mas a obra foi concluída. Ano passado, ele iniciou outra obra, bem ao lado, e uma vizinha viu que também era uma obra irregular e, após algumas denúncias, a obra foi embargada”, relatou.
Segundo a moradora, apesar do embargo, nada mudou e a obra continua. Ela conta ainda que, no começo, havia uma entrada para carros e pedestres, mas, com as inúmeras denúncias que ela alega ter feito, as entradas foram tapadas com tijolos. “Ele fechou tudo e começou a construir pela lateral. Eu já fiz tanta denúncia, que a prefeitura já falou que eu não preciso mais escrever. Meu marido já foi na prefeitura, um vizinho também foi, mas os fiscais falam que vão lá, mas ninguém os recebe. O que acontece é que, quando os funcionários da obra os veem param de fazer barulho e ficam escondidos. Quando (os fiscais) vão embora, voltam a trabalhar”, disse.
Agora, com a proximidade do período chuvoso, a preocupação é que o imóvel irregular traga problemas aos imóveis vizinhos. “Tinha lá um aviso de obra embargada, mas retiraram. Não há placa de quem é o responsável pela construção. Se fosse aprovado pela prefeitura e se houvesse um consultor responsável, ok, mas e se atrapalhar o meu prédio? Se prejudicar de alguma forma? A questão que eu acho inadmissível é nos colocar em risco e não termos a quem recorrer”, alega. Procurada, a Prefeitura de Belo Horizonte disse que agendou uma vistoria fiscal para o local. Conforme a PBH, se for constatado o descumprimento da medida de embargo, o proprietário da obra será multado em R$17.892,98.
A preocupação dos moradores de ocorrer algum acidente faz sentido, conforme explica o gerente do Crea-MG. “A obra pode ser subdimensionada, o que pode ocasionar trincas, pode desabar”, alerta. O especialista também explica que uma obra irregular pode ter, além da estrutura, instalações hidráulicas e elétricas também em condições inadequadas. “A instalação elétrica, feita de qualquer jeito, pode ocasionar riscos de mau funcionamento e pode ser que seja a razão de um incêndio. A instalação hidráulica, feita sem atenção, pode apresentar vazamentos precoces, não ter rede de esgoto e de captação de água com a rede municipal adequada. Pode causar danos ao acabamento, causar depreciação do bem, e, em casos mais severos, pode causar danos a estrutura, corrosão precoce das ferragens”, detalha.
Obras em áreas de risco
As construções em encostas e morros, as chamadas áreas de risco, também são motivo de preocupação, de acordo com Nicolau Neder. Nesses locais, avalia o especialista, o solo torna uma obra complexa e, em vários casos, inviável. “Para uma construção ser segura, é preciso que a estrutura esteja bem amparada. É necessário o estudo prévio do solo, a sondagem geotécnica. É o trabalho que vai identificar todo solo e subsolo que estão ali presentes”, esclarece.
O representante do Crea-MG aponta que, além das condições geológicas dessas localidades, há ainda um agravante econômico e social, que impede a execução segura dos trabalhos. “As pessoas com dificuldades, em vulnerabilidade social, não têm condições de contratar um profissional habilitado e estão sujeitas a riscos enormes”, lamenta. Em tempos de chuva, conforme Nicolau, a atenção com as obras deve ser redobrada. “Normalmente, se fazem primeiro os serviços de escavação, terraplanagem, contenção de encostas. Com o período chuvoso, esses serviços ficam mais complexos”, pontua Nicolau, que defende que o problema deve ser enfrentado em conjunto com o poder público.
Fiscalização e denúncias
Conforme Nicolau Neder, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG) é o responsável por fiscalizar a regularidade das obras, avaliando, por exemplo, se há um profissional habilitado acompanhando os trabalhos e se as empresas que estão atuando nos trabalhos são registradas no Crea-MG. Ao verificar alguma situação de irregularidade, o órgão faz a autuação junto ao responsável pelo empreendimento.
“É o Crea-MG que lavra o laudo de infração, para que aquela situação irregular. Caso a obra que estaria em execução, embora autuada pelo conselho, apresente risco, o Crea-MG encaminha para quem é de direito. O Crea-MG pode encaminhar para a Defesa Civil, ou para o Corpo de Bombeiros”, explica Nicolau, que esclarece também que só a prefeitura de cada cidade tem poder para embargar uma obra.
Quanto ao responsável por acompanhar uma obra, explica o gerente de Fiscalização do Crea-MG, as medidas do conselho já podem ser mais duras. “Ele está sujeito a punições éticas. Será instaurado um processo na Câmara do conselho. As infrações podem culminar em advertência reservada (registrada só internamente), advertência pública (registrada no site do Crea-MG) e até na cassação do registro desse profissional”, adverte. Na PBH, a denúncia pode ser feita pelo número 156, pelo aplicativo PBH APP, ou pelo portal de serviços da PBH. O Crea-MG também recebe denúncias, de forma anônima, por meio do aplicativo Conecta Crea. O app pode ser baixado gratuitamente em aparelhos Android e iOS.
Fonte: O Tempo