Fake news do passado: como notícias falsas se espalhavam antes da internet?
Espalhar informações falsas é uma prática antiga de desinformação que faz parte de grandes momentos da humanidade, causadoras de mal-entendidos, manipulações políticas e interpretações distorcidas de eventos reais.
No passado, as notícias falsas circulavam como ‘mentiras’ ou ‘boatos’, propagando-se de boca em boca, por cartas e jornais impressos. Com a tecnologia digital, o termo em inglês “fake news” ganhou uma nova dimensão, aproveitando-se da rapidez e alcance global proporcionados pela internet e redes sociais.
A falta de verificação de fatos e a busca pelo sensacionalismo são características marcantes da mídia contemporânea, a qual abre mão da precisão jornalística em troca de mais entretenimento e audiência.
Mas será que podemos responsabilizar os meios de comunicação em massa pela existência das fake news? Seria simplificar demais uma questão complexa que existe desde a antiguidade. Entenda melhor a seguir!
O poder político das imagens
A história nos mostra que a manipulação da informação não é algo novo. Vamos voltar ao ano 44 a.C., durante a guerra civil após o assassinato de Júlio César, no Império Romano. Naquela época, o poder que as notícias falsas tinham já era conhecido e usado para influenciar diretamente a opinião das pessoas.
Em sua tese de doutorado, a pesquisadora Tatiana Dourado descreve essa época como uma “guerra de desinformação sem precedentes” em meio ao conflito. Nesse contexto, as imagens desempenharam um papel crucial na transmissão de mensagens e na construção de narrativas políticas.
Imagens cunhadas em moedas, murais e artefatos contavam narrativas nem sempre reais.Fonte: GettyImages
Como ressalta o pesquisador Néstor F. Marqués em um artigo de Guillermo Altares para o EL PAÍS: uma imagem valia mais do que mil palavras na antiga Roma, cuja a maioria da população não era alfabetizada.
Quando um novo imperador assumia o poder, a notícia era espalhada rapidamente através da cunhagem de moedas com o rosto dele, tornando as ferramentas visuais peças-chave na comunicação política da época.
Os panfletos da Inquisição: a desinformação que levou ao massacre
Durante a Idade Média, a disseminação de informações era realizada por diversas vias, incluindo peregrinos que percorriam longas distâncias. Apesar das cidades possuírem sistemas de correio com selos de autenticação, nem todas as notícias eram precisas ou contadas com boa intenção.
Um exemplo notório é a atuação da Inquisição, que conduzia caças às bruxas e se valia da desinformação para conduzir uma sociedade baseada na fé cega e no preconceito.
O antissemitismo (discriminação contra judeus) também foi alimentado pela instituição, que distribuía panfletos anticristãos falsificados, atribuídos aos judeus, para incitar o ódio e influenciar a opinião pública.
A hostilidade contra os judeus tem raízes em falsas narrativas.Fonte: GettyImages
Um caso emblemático é o do Santo Niño de La Guardia, ocorrido em 1490. Onde um grupo de judeus e convertidos foram acusados de assassinar um menino em um ritual pavoroso.
No entanto, não havia provas do crime, as atas do processo apresentavam várias contradições e a Inquisição nunca buscou encontrar o nome e o corpo da criança supostamente assassinada.
Para o historiador Yitzhak Bear, a notícia sobre o falso crime contribuiu fortemente para o que aconteceria dois anos depois: a expulsão dos judeus da Espanha pelo édito de 1492.
Do código Morse aos meios de comunicação em massa
Não seria exagero dizer que os avanços tecnológicos na comunicação provocaram uma grande revolução na forma como as notícias, inclusive as falsas, alcançam as pessoas.
A invenção do telégrafo permitiu o envio rápido de mensagens usando código Morse por longas distâncias, enquanto o linotipo possibilitava a produção em massa de textos impressos.
Essas inovações tecnológicas facilitaram a propagação de informações em sociedades predispostas a aceitá-las sem questionamento. Tanto a Alemanha nazista quanto a União Soviética utilizaram ativamente a desinformação como uma ferramenta de amplo controle político.
Além de fabricar desinformação, regimes autoritários foram capazes de construir narrativas que moldaram a percepção da realidade entre seus cidadãos, obscurecendo a linha entre verdade e mentira.
Países democráticos também servem de exemplos, cujos governos se aproveitaram das fake news para interferir em eleições internas e políticas externas. Por exemplo, as eleições presidenciais de 1922 no Brasil foram marcadas pela publicação de cartas falsas em um jornal que mancharam a reputação do candidato Artur Bernardes.
Se olharmos para a história bélica norte-americana, é fácil elencar eventos do século 19 e 20 em que os Estados Unidos usaram pretextos para invadir territórios, como a guerra de Cuba em 1898, a guerra do Vietnã em 1955 e a guerra do Iraque em 2003.
Tropas dos EUA não encontraram as supostas armas de destruição em massa de Saddam Hussein.Fonte: GettyImages
O papel das agências de fact-checking para evitar as notícias falsas
As agências de fact-checking (verificação de fatos) desempenham um papel importante na luta contra a proliferação de notícias falsas, aproveitando a tecnologia para oferecer uma resposta eficaz aos perigos da desinformação.
Desde maio de 2019, o Conselho Nacional da Justiça (CNJ) tem liderado esforços em colaboração com associações, tribunais superiores e a imprensa, para manter o Painel de Checagem de Fake News.
Cada parceiro utiliza suas ferramentas para verificar dados e alertar a sociedade de fake news de ampla circulação, como as agências Aos Fatos, Boatos.Org e Lupa.
É importante reconhecer que as notícias falsas, assim como as pós-verdades e os fatos alternativos, têm o poder de manipular as emoções das pessoas e polarizar debates.
Ao simplificar questões profundas e explorar temas tabus, esses fenômenos incentivam a divisão e a confrontação de ideias, criando uma dinâmica de “nós versus eles”. Contudo, a defesa da liberdade de expressão não deve ser comprometida, mas sim exercida com responsabilidade social, política e econômica.
Fonte: TecMundo