Dr. Google, eu estou doente? Veja quais são os riscos de buscar diagnósticos e tratamentos pela internet
Uma dorzinha que parece durar tempo demais, um incômodo que surge, aparentemente, sem explicação ou um conjunto de sintomas que, até então, nunca tinham sido apresentados. Não faltam situações que sirvam de justificativa para que as pessoas recorram à internet para tentar entender ou até mesmo buscar um diagnóstico para aquilo que estão sentindo. Embora essa prática não seja recomendada pelos médicos, ela é cada vez mais comum no cotidiano de muita gente. É isso o que mostra uma pesquisa feita pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ), em parceria com o Datafolha, em 2024. Conforme o levantamento, mais da metade dos brasileiros (51%) faz consultas em sites para tentar entender os sintomas que estão tendo.
Os riscos envolvidos nesse tipo de comportamento são inúmeros. O primeiro deles tem relação direta com o próprio resultado das pesquisas. Segundo um estudo publicado no The Medical Journal of Australia, que analisou 36 indicadores internacionais, ao pesquisar por sintomas na internet, o diagnóstico correto é o primeiro resultado das buscas em apenas 36% dos casos.
O psiquiatra Bruno Brandão observa ainda que em muitos casos as pessoas costumam utilizar a internet para confirmar um diagnóstico que elas já acreditam ter. “Se a pessoa tem uma febre e acha que está com pneumonia, ela começa a selecionar as informações que confirmam aquilo. Raramente alguém vai fazer uma busca achando que tem alguma coisa e não vai confirmar após a pesquisa, porque ela vai fazer uma seleção daquilo que convém para ela”, explica.
Esse comportamento também é refletido em atendimentos no consultório. “Alguns pacientes chegam na tentativa de convencer os médicos que eles estão certos. Especialmente na minha área, que é a psiquiatria, a gente vê muito isso com o TDAH. Às vezes recebemos uma pessoa que está entrando na universidade, que dorme mal, que está consumindo álcool diariamente, que está muito nervosa, ansiosa e fumando maconha com certa frequência, mas chega lá e já fala que tem TDAH. Alguns até imprimem os testes feitos na internet e a lista de sintomas que eles têm. Mas aquilo está fora de contexto, são só sintomas isolados, ela não tem aquilo presente durante toda vida ou são sintomas que podem ser confundidos com dependência da cannabis, com um histórico de vida irregular, a própria ansiedade também pode influenciar no que acontece”, pontua.
Automedicação também é arriscada
A situação também é preocupante quando as pesquisas são direcionadas aos fármacos – comportamento que, conforme a pesquisa do ICTQ/Datafolha, acontece em 47% dos casos. “São vários problemas relacionados à automedicação, mas o principal deles é a pessoa não levar em conta o potencial nocivo de um medicamento. Alguns são contraindicados para quem tem uma doença cardíaca, outros são contraindicados para quem tem glaucoma, doença renal, epilepsia, entre outros”, afirma Bruno Brandão.
Segundo o psiquiatra, o perfil de interação medicamentosa também não costuma ser levado em conta, o que pode gerar outros riscos. A possibilidade de que as medicações escolhidas mascarem problemas de saúde mais sérios também é apontada por Bruno Brandão. “Vemos muito isso, por exemplo, com a insônia. A pessoa tem uma queixa por não estar dormindo bem e isso pode ser desencadeado por vários fatores, como uma depressão ou apneia do sono, mas vão lá e tomam um remédio para dormir por conta própria. Nesse caso, elas vão aliviar o sintoma e não tratar o problema”, aponta.
Em entrevista a O TEMPO, a farmacêutica Paula Molari Abdo também destacou que o uso indevido de medicamentos é um risco quando os fármacos são tomados por conta própria – decisão que, inclusive, é tomada por 1 em cada 10 brasileiros, segundo dados de um levantamento feito Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (ICTQ) feito em 2022. “A pessoa pode ter uma intoxicação com aquela substância, em alguns casos pode acabar tendo sequelas permanentes”, adverte a profissional, que também é especialista em atenção Farmacêutica pela Universidade de São Paulo e também em Manipulação Magistral pela ANFARMAG (Associação Nacional de Farmacêuticos Magistrais).
No Brasil, inclusive, as intoxicações medicamentosas somam centenas de milhares de casos. Segundo o estudo publicado em 2020 na revista Pesquisa, Sociedade e Desenvolvimento foram registrados 565.271 casos de intoxicação no país entre os anos de 2010 e 2017. Desse total, 298.976 – ou seja, mais da metade dos registros – tiveram o medicamento como agente tóxico mais frequente.
A intoxicação também pode desencadear outras doenças. Segundo Paula Molari, pessoas que são sensíveis às substâncias podem desenvolver problemas hepáticos, problemas no fígado e também nos rins. “Há uma sobrecarga desses órgãos quando esses remédios são utilizados”.
Além disso, o uso indiscriminado de remédios – algo que pode ser desencadeado quando os fármacos são utilizados sem acompanhamento – também pode afetar a efetividade das medicações. Paula Molari exemplifica a situação com o uso de analgésicos – o número 1 entre os remédios mais utilizados sem prescrição pelos brasileiros, segundo uma pesquisa feita pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ). “Se uma pessoa toma esse medicamento durante muito tempo, ela pode desenvolver uma tolerância.. Então, depois de um período, ela vai precisar de doses ainda maiores. Há casos que ele também deixa de fazer efeito para ela”, explica.
Fonte: O Tempo