Estresse passivo: quando o mau humor do outro afeta o nosso bem-estar
Você até estava de bom humor ao sair de casa, mas, no trajeto até o próximo compromisso, no ônibus, metrô, táxi ou carro de aplicativo, o estresse do motorista ou de outro passageiro faz desaparecer seu sorriso – que cede o lugar preferencial à irritação. Pode acontecer também em um restaurante, quem sabe em uma data especial, que acaba perdendo a graça quando o pessoal da mesa ao lado dá sinais de mau humor – que chegam a você mais rápido do que seu prato predileto. Há também o caso clássico do sujeito enervado que aparece na pelada dos colegas de trabalho e acaba fazendo da brincadeira futebolística o epicentro de brigas gratuitas.
Geralmente associado ao trabalho ou ao contexto de relacionamentos que estejam atravessando alguma tensão, a verdade é que o mosaico de situações em que o destempero alheio repercute em nós é bastante amplo. O fenômeno, que não escolhe hora nem lugar, vem sendo chamado de “estresse passivo” pela similaridade com a dinâmica que pode nos fazer “fumantes passivos”. Afinal, por mais que o cigarro ou o desequilíbrio emocional não sejam seus, você também é envolvido em sua névoa densa.
“Há fartas evidências de que o estresse é contagiante”, resume o doutor em psicologia social Cláudio Paixão Anastácio de Paula, assinalando que esse fato já havia sido reconhecido por meio de experimentos sociais e, mais recentemente, foi confirmado com o avanço de estudos que combinam conhecimentos da psicologia, neurologia e endocrinologia. É a partir daí, diz, que conseguimos identificar a atuação dos hormônios e entender a relação deles com o nosso estado de espírito.
É o caso de uma pesquisa realizada pela Universidade da Califórnia, em São Francisco, nos Estados Unidos, que revelou que o simples fato de estar em contato com pessoas estressadas pode aumentar os níveis de cortisol, o hormônio do estresse, em nossos próprios corpos. No mesmo sentido, outro estudo, publicado na revista “Psychoneuroendocrinology”, mostrou que os observadores de uma situação estressante podem experimentar um aumento da produção da mesma substância apenas por testemunharem o estresse alheio.
Por trás do fenômeno
As explicações para o fenômeno, explica Cláudio Paixão Anastácio de Paula, incluem a capacidade humana de espelhar os comportamentos que presenciamos – como quando, ao ver alguém bocejar, nos pegamos bocejando também – e a maneira como tendemos a ficar mais atentos a ameaças a partir de sinais que percebemos no ambiente em que estamos – e a presença de alguém irritada, claro, potencialmente vai ligar esse comando cerebral.
Analisando as causas da replicação do estresse mais detidamente, um artigo do Instituto Bem do Estar expõe que, a partir da última década, a ciência passou a compreender melhor a forma como as emoções se espalham por uma rede sem fio de neurônios-espelho – “que são pequenas partes do cérebro que nos permitem ter empatia pelos outros e entender o que eles estão sentindo”. No texto, a organização, que se apresenta como um negócio social sem fins lucrativos voltado à promoção da saúde da mente, destaca que não são apenas sorrisos e bocejos que se espalham por essa rede.
“Podemos captar negatividade, estresse e incerteza”, descreve o artigo, originalmente publicado no site Harvard Business Review, que, imediatamente, cita um estudo dos pesquisadores Howard Friedman e Ronald Riggio, da Universidade da Califórnia Riverside, que constatou que, quando alguém em nosso campo visual é ansioso e altamente expressivo – verbalmente ou não –, há uma alta probabilidade de suas emoções serem replicadas por nós.
Na mesma publicação, são mencionados achados da pesquisadora Heidi Hanna, do Instituto Americano de Estresse, autora do livro “Stressaholic: 5 Steps to Transform Your Relationship with Stress” (“Stressaholic: 5 Etapas para Transformar Sua Relação com o Estresse”, em tradução livre). Na avaliação dela, em consonância com os apontamentos de Anastácio de Paula, esse efeito contágio é resultado de nossa capacidade de perceber ameaças em potencial em nosso ambiente. E, na verdade, nem sequer precisamos ver ou ouvir alguém para perceber o estresse. “Você também pode sentir o cheiro dele”, descreve o artigo, mencionando que o nosso cérebro consegue até detectar se “feromônios de alarme” foram liberados no ambiente em que estamos.
O que fazer?
De maneira geral, Cláudio Paixão Anastácio de Paula indica que o que podemos fazer para reduzir o impacto do estresse do outro em nosso próprio bem-estar é, resumidamente, o mesmo que podemos fazer para reduzir os impactos do nosso próprio estresse.
“Mas, do ponto de vista relacional, há coisas que podem ser feitas”, estabelece. Entre as dicas, se a pessoa estressada em questão está em nossa convivência, o diálogo franco pode ser um bom caminho. “Se for possível e houver abertura para isso, você pode dizer que não é responsável pelo que o outro está vivendo. Esse é um exercício interessante porque, ao falar, estamos elaborando o nosso próprio estresse e sinalizando para o outro que ele está transmitindo a nós algo que ele também deveria elaborar”, explica.
Essa conversa, prossegue, pode até abrir caminho para uma tentativa de ajudar aquele sujeito estressado. “Estender a mão para o outro pode nos ajudar a lidar com nossas próprias questões. Mas, antes de fazer isso, devemos estar cientes de que não é nosso papel resolver o problema daquela pessoa e precisamos estar preparados para receber um ‘não, não quero sua ajuda’ sem que isso nos cause frustração”, aponta.
Em situações extremas, se a convivência vem fazendo mal e não há perspectiva de mudança, é o caso de se afastar, quando essa opção for viável. “Além disso, posso pensar em oportunidades para relaxar, em coisas que gostamos de fazer por prazer, que têm a ver com ações de autocuidado – que não são só cuidar do cabelo e ir à academia se isso não te faz se sentir bem”, conclui o especialista.
Fonte: O Tempo