Minas Gerais em chamas: Estado registra explosão de queimadas
Minas Gerais está pegando fogo. O Estado já é o sétimo do País com mais incidência de queimadas em agosto, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Do dia 1º deste mês até esta sexta-feira (23) já foram identificados, via satélite, 1.520 focos de incêndio.
Antes deste posto vêm os estados cobertos pela floresta Amazônica e pelo Pantanal, também em chamas. Agora, Minas Gerais chega para completar o ranking de áreas verdes queimadas, colocando na lista seus biomas de Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga.
Somente em agosto, o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais já foi chamado para atender 3.470 ocorrências de incêndios em vegetação. O total deste ano que ainda está em curso já supera as queimadas registradas em todo o ano passado. Se entre janeiro e os 22 primeiros dias de agosto de 2024 foram 17.595 ocorrências, nos 12 meses de 2023 foram 17.135 chamados.
Em Minas, o fogo percorre todas as instâncias de poder. Há ocorrências de incêndio em vegetações sob jurisdição dos municípios, como o Parque Ursulina de Andrade Mello, no bairro Castelo, em Belo Horizonte, em áreas verdes sob proteção do Estado, como o Monumento Natural Estadual Serra da Moeda, na região Central de Minas, e em parques nacionais, como o da Serra do Cipó. Neste último, o fogo consumiu, em quatro dias, cerca de 8.500 hectares de vegetação. O local chegou a ser fechado.
No Parque Ursulina de Mello, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) informou que foi registrado um incêndio entre os dias 10 e 11 de julho. Moradores da região, no entanto, afirmam que focos de fogo também têm acontecido em agosto. Ali, as chamas destruíram 20% de uma área verde total de 312 mil metros quadrados (ou 31,2 hectares). Isso equivale a seis hectares de mata queimada.
Para se ter uma ideia, somente nesta sexta-feira (23), os bombeiros mineiros atuam para apagar incêndios em todos estes locais:
- Parque Estadual Serra do Brigadeiro;
- Parque Estadual Serra do Papagaio;
- Reserva da Vida Silvestre Macaúbas;
- Monumento Natural Estadual Gruta Rei do Mato;
- Monumento Natural Estadual Serra da Piedade;
- APA SUL RMBH (Serra do Gandarela);
- Parque Estadual do Itacolomi;
- Parque Estadual Serra do Cabral.
Até essa quinta-feira (22), eram acrescidos a esta lista, ainda, a Serra da Moeda, o Monumento Natural do Itatiaia e o Parque Estadual do Rola Moça.
Por onde passa, o fogo destrói animais e plantas, afeta a qualidade do ar, contribui com mais calor para o tempo já seco, e também afeta as atividades turísticas, setor importante para a economia do Estado. Na Serra do Cipó, que abarca municípios como Santana do Riacho, Jaboticatubas e Conceição do Mato Dentro, a taxa de ocupação de hotéis e pousadas, que deveria estar entre 50% e 60% na temporada, caiu para 20 a 30% neste mês. A estimativa é da vice-presidente da Associação Comercial da Serra do Cipó, Hizzaura Hariná.
Comerciantes se unem para ‘não normalizar o fogo’
O período de estiagem é propício para a propagação das chamas em áreas verdes, segundo o Corpo de Bombeiros. Mas não por isso a recorrência de queimadas em Minas nesta época deve ser normalizada. É o que acredita Hizzaura Hariná, que, além de atuar na associação de comerciantes da Serra do Cipó, também é proprietária de dois negócios por ali: a Pousada Adega Cipó e o Cafe Hariná.
“Tivemos muitas pessoas cancelando as reservas neste período. Mesmo que a Serra do Cipó tenha inúmeros outros atrativos, cachoeiras e experiências que não foram afetados pelos incêndios. A gente tem pedido apoio ao ICMBio e ao Governo de Minas para termos mais estrutura aqui para trabalhar na prevenção e no combate a estes incêndios. Sabemos que nessa época de seca eles acontecem de forma mais recorrente, mas não podemos normalizar o fogo. Precisamos estruturar mais as equipes de socorro e investir nisso. São muitas nascentes e vegetação que se perdem. É preciso que haja mais fiscalização, principalmente, no acesso ao parque”, diz Hariná.
O Parque Nacional da Serra Cipó está sob jurisdição do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que é de alçada federal.
“A gente tenta atuar de forma preventiva também dentro dos nossos negócios, buscando conscientizar os turistas e as pessoas que chegam. É um trabalho educativo mesmo. E também sempre apoiamos a brigada da Serra do Cipó. Há uma união aqui nestes períodos de queimada, entre comerciantes, moradores e prefeitura. É feita uma força-tarefa para tentar controlar o fogo”, conta Hariná.
Belo Horizonte enfrenta maior período sem chuvas desde 1963
Embora recorrente, a situação não é “normal” mesmo. A capital mineira, por exemplo, passa por seu período de maior estiagem em 61 anos. Segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Belo Horizonte já está há 126 dias consecutivos sem chuva. A última vez que a cidade passou por um período tão longo sem ver cair água do céu foi em 1963, quando foram registrados 198 dias consecutivos sem chuva.
Tampouco há previsão de precipitação nos próximos dias. Segundo o Inmet, não deve chover na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e em grande parte do Estado até pelo menos o fim de agosto. Neste fim de semana, no entanto, devem ocorrer chuvas isoladas e passageiras apenas no Sul de Minas e na Zona da Mata.
A estação seca só deve começar a deixar BH ao sinal das primeiras pancadas de chuva que, historicamente, ocorrem entre meados e fim de setembro, conforme o Inmet. É quando chega a primavera.
Depois disto, normalmente, há onda de calor entre o fim do inverno e início da primavera (fim de setembro e início de outubro, portanto).
“No decorrer do mês de outubro, as chuvas vão se tornando gradativamente mais frequentes, até que a partir de meados de outubro se estabelece o período chuvoso. Este é ciclo normal das chuvas, entretanto, não temos como afirmar se este padrão irá se ocorrer, pode haver atraso ou antecipação das chuvas, mas não temos como saber com tanta antecedência. É preciso acompanhar a evolução das condições atmosféricas”, diz a nota elaborada pela meteorologista Anete Fernandes, do Inmet.
Fogo afugenta turistas
O Sítio Entoá, que oferece vivências e visitas com foco em agroecologia na Lapinha da Serra, embora localizado um pouco mais afastado dos focos de incêndio na Serra do Cipó (a cerca de uma hora de distância), também sofre com os efeitos das queimadas.
“É um impacto muito grande para todos, pois a qualidade do ar, o calor, a seca das nascentes, a morte de diversos seres, a queda do comércio, tudo isso gera muitos transtornos. Há sempre uma redução do movimento após eventos como esses. As pessoas não querem ir para um local com paisagem desoladora. Elas buscam locais naturais para recarregar energias e quando veem o impacto dessas queimadas criminosas, isso gera muita revolta e tristeza”, diz a proprietária do local, Christiane Netto.
O presidente da Associação Mineira de Hoteis de Lazer (Amihla), Alexandre Santos, reitera que, mesmo que ocorram em pontos distantes, as queimadas são motivo de baixa nas atividades turísticas das regiões afetadas.
“As grandes queimadas e incêndios florestais que têm acontecido em Minas e em todo o Brasil, mas especialmente em nossas regiões turísticas, como a Serra do Cipó, Diamantina e na região das cidades históricas, como nas matas perto de Ouro Preto, prejudicam muito a cadeia produtiva do turismo. Há cancelamentos de hospedagens em função da impossibilidade de visitação de áreas naturais, de parques florestais e cachoeiras, que ficam fechadas”, diz.
Ele conta que vários hóteis possuem brigadas próprias de incêndio e outras ações para proteger suas áreas verdes. Mesmo assim, as pessoas evitam ir a locais com incidência de queimadas.
“À medida em que as pessoas têm conhecimento de queimadas na região, elas preferem alterar as datas de hospedagem, o que diminui a taxa de ocupação. Cada vez mais, o prejuízo com isso é maior, pois nos últimos anos os focos de incêndio têm aumentado muito. Precisamos melhorar as ações de prevenção e combate a incêndios para que, além da cadeia produtiva do turismo e dos negócios de hotelaria, a gente possa preservar o nosso maior patrimônio em Minas Gerais que são nossas riquezas naturais e culturais”, analisa.
Falta fiscalização e punição
Já Christiane Netto acredita que o problema poderia ser mitigado com mais políticas públicas de apoio a brigadas de incêndio e também mais investigação sobre a origem dos focos de fogo. Afinal, segundo estimativa do Corpo de Bombeiros, cerca de 90% dos incêndios em Minas começam por ação humana.
“Aqui na Lapinha não fomos afetados desta vez, mas já vivemos muitas queimadas. Infelizmente, todo ano, nessa época, ficamos com muita tensão, pois pode surgir uma queimada a qualquer momento. Como fazemos parte da brigada, ficamos em alerta todo o período. É muito desgastante. O mais triste é saber que a maioria são queimadas criminosas. Estamos sempre empenhados com educação ambiental, mas é uma realidade difícil de reverter, pois uns poucos sem consciência geram grande impacto para muitos seres e muitas pessoas. Precisamos de medidas preventivas mais eficientes, investigações mais aprofundadas para identificar os criminosos e punição exemplar, pois se os crimes seguem impunes, esse ciclo nunca vai acabar”, denuncia.
Fonte: Diário do Comércio