‘O Agro sem água’: o que muda com a aprovação da Lei 24.931?
Sem água, sem lavoura. Apesar dos sistemas de irrigação serem cruciais para a agricultura, um estudo da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) constatou que, hoje, apenas 16% das terras agricultáveis em Minas são irrigadas. A Seapa (Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) pretende elevar este número para 40%, mirando áreas de potencial expansão no Triângulo Mineiro, Norte e Nordeste, principalmente trechos degradados. Para alcançar a marca, especialistas apostam no cumprimento da Lei nº 24.931/24, que institui a Política Estadual de Agricultura Irrigada Sustentável em Minas. O texto, de autoria do deputado Antônio Carlos Arantes (PL), foi sancionado em julho deste ano pelo governador Romeu Zema (Novo) e tem o apoio de órgãos ligados ao agronegócio como a Federação da Agricultura e Pecuária de Minas (Faemg).
A gerente de Sustentabilidade da Faemg, Mariana Ramos, lembra que Minas não tinha uma política específica dedicada ao tema, e projeta que a norma pode abrir caminho para um salto na produtividade do setor agropecuário mineiro, em especial para áreas que convivem com a escassez hídrica. “A irrigação é vital para o desenvolvimento das lavouras no semiárido. Ela gera um aumento na produtividade por hectare, sem necessidade de expansão territorial, o que é bom também para o meio ambiente. Além disso, a prática é fundamental para a adaptação às mudanças climáticas em curso”, explica.
Nova lei poderá agilizar projetos, diagnóstico e planejamentos
Assessor-chefe de Relações Institucionais da Seapa, Pedro D’Angelo Ribeiro/Diego Vargas/Seapa
A lei, quando for regulamentada, poderá agilizar pequenos projetos de irrigação ao reduzir condicionantes, explica o assessor-chefe de Relações Institucionais da Seapa, Pedro D’Angelo Ribeiro. “A nova política garante a possibilidade de se construir infraestruturas (barramentos ou barraginhas) para reservar água, mediante análise do órgão ambiental, em locais cuja solicitação era simplesmente proibida”, explica.
No âmbito federal, há uma Política de Agricultura Irrigada por meio de uma lei aprovada em 2013, mas o texto nunca foi regulamentado. Com a lacuna, municípios do Norte de Minas inseridos na Mata Seca – transformada em Mata Atlântica a partir de um decreto federal em 2008 – não podiam sequer solicitar a Declaração de Utilidade Pública (DUP) para projetos agropecuários, impedindo sua implantação. “Agora, temos a possibilidade de implantar projetos públicos, privados ou mistos. Poderemos fazer diagnósticos de caracterização, planejamento dos negócios e gestão territorial”, explica Ribeiro.
Ele destaca outras características do texto legal. “A Lei nº 24.931 possibilitará o diagnóstico, planejamento e implantação de barramentos e reservatórios, de acordo com a quantidade necessária para cada sub-bacia, tendo como base os estudos do Zoneamento Ambiental e Produtivo (ZAP)”, enumera.
‘R$ 1 que sai de uma fazenda se multiplica por três em toda a cadeia’
Astério Itabayana Neto, produtor rural e presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Janaúba/Instagram
Produtores rurais se animam com a possibilidade de ampliar as áreas irrigadas, hoje restritas. Astério Itabayana Neto, produtor e presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Januária, está otimista. “Somos o Estado com o maior potencial para essa expansão. O agro é responsável por 23% da economia de Minas. Isso significa que cada R$ 1 que sai de uma fazenda se multiplica por três em toda a cadeia. Se já fazemos isso, sem irrigação, imagina quando tivermos este recurso. Vamos virar uma potência”, prevê. Ele lembra que, conforme a ANA, Minas tem hoje um milhão de hectares em área irrigada, mas pode chegar a sete milhões.
Aumento da produtividade e diminuição do êxodo rural
A engenheira ambiental Ana Paula Mello: “a irrigação aumentaria a produtividade dos pequenos produtores, contribuindo para a redução do êxodo rural dos jovens para os grandes centros urbanos”./Reprodução Instagram
A engenheira ambiental Ana Paula Mello antevê um cenário animador. “A irrigação aumentaria a produtividade dos pequenos produtores, contribuindo para a redução do êxodo rural dos jovens para os grandes centros urbanos. Com motivação para dar continuidade aos negócios dos pais, eles ajudariam a resolver o grave problema da sucessão rural. Acho que o futuro do semiárido mineiro é promissor. A irrigação é a melhor possibilidade para promover o desenvolvimento de uma região inteira, com o aumento do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), qualidade de vida e educação”, reflete Ana Paula.
O modelo de outorga coletiva, previsto na nova lei, prevê regras para o uso compartilhado dos recursos hídricos por diversos usuários de um mesmo sistema. Mariana explica que a Política de Agricultura Irrigada permite intervenções em áreas de vegetação nativa, como obras de infraestrutura para produção de alimentos com uso da irrigação.
“Essa é uma tecnologia ‘amiga’ do desenvolvimento sustentável. Para termos a acumulação da água, que já cai pouco nesse território, e para que haja água nos períodos de estiagem, será possível reservá-la e fazer pequenas intervenções para a construção dessas estruturas. Essa é a grande novidade”, explica. No entanto, aponta a gerente de sustentabilidade, a disponibilidade de recursos financeiros continua como desafio para a execução dos projetos. “Agora começa outro desafio: auxiliar os nossos produtores rurais que, na maioria das vezes, não dispõem de recursos próprios para essas empreitadas”.
A irrigação, quando implementada de forma sustentável:
- Contribui para a preservação dos recursos hídricos e a redução da emissão de gases de efeito estufa
- Garante a produção de alimentos de forma mais eficiente
- Contribui para a segurança alimentar da população, num contexto de crescimento populacional e aumento da demanda por alimentos
Fonte: Itatiaia Agro