Mais de 70% de MG deve enfrentar falta d’água e saneamento precário devido às mudanças climáticas
Em até 26 anos, rompimentos de barragens, como o ocorrido na lagoa do Nado, na região da Pampulha, em Belo Horizonte, na última quarta-feira (13 de novembro), poderão se tornar comuns em Minas Gerais. Com temperaturas até 4ºC mais altas e um clima marcado por ondas de calor seguidas de tempestades, os sistemas de drenagem, tratamento de esgoto e distribuição de água potável devem colapsar em grande parte do Estado. É o que revela uma projeção inédita do Instituto Trata Brasil para 2050, divulgada nesta terça-feira (19 de novembro): 70% a 90% dos municípios mineiros têm risco alto ou muito alto para racionamento de água potável e transbordamento de esgoto nos próximos anos.
A projeção apresenta um cenário preocupante, marcado pela escassez de água durante as ondas de calor e pela contaminação dos mananciais nas tempestades. De acordo com o estudo, até 2050, Minas Gerais enfrentará risco alto ou muito alto em diversos aspectos: concentração de resíduos nas fontes de água (72% das cidades), redução da eficiência no tratamento de água (78%), desabastecimento (79%) e deterioração do tratamento de esgoto (91%). Isso equivale a entre 614 e 776 municípios com o saneamento básico ameaçado.
“A cada ano, o planeta está esquentando mais, o que resulta em uma série de eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes. Esses fenômenos estão diretamente relacionados à capacidade de tratar e distribuir água, além de garantir um bom saneamento de esgoto. Se as tempestades destroem as tubulações e aumentam a poluição, enquanto as ondas de calor reduzem o volume dos rios e sobrecarregam a distribuição de água potável, o risco para o futuro torna-se extremamente grave”, alerta Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil.
Pretto explica que, até 2050, a má qualidade do saneamento básico afetará grande parte da população mineira, mas as pessoas em situação de vulnerabilidade social serão as mais impactadas. “Embora seja um problema que atingirá a todos, serão as comunidades sem caixa d’água, com coleta e tratamento de esgoto precários, e que vivem em áreas de deslizamento de terra e inundações, as mais afetadas por esse cenário”, analisa. Nesses casos, a presidente-executiva alerta para a proliferação de doenças causadas pelo colapso do saneamento. “O esgoto não tratado, devido à sobrecarga do sistema e à destruição das tubulações pelas tempestades, fica a céu aberto. As crianças, ao entrarem em contato, podem contrair esquistossomose, diarreia, leptospirose… e isso se torna um problema de saúde pública”, continua.
A projeção pode parecer distante, mas muitos dos alertas apresentados na pesquisa do Instituto Trata Brasil já são realidade. Além do incidente na Lagoa do Nado, no bairro Novo Lajedo, na região Norte de Belo Horizonte, os moradores foram acordados por uma “cachoeira de lama” na madrugada da última quinta-feira (14). Tratava-se da rede de distribuição de água da região — ou seja, o sistema de tubulações, conexões e equipamentos responsáveis pelo transporte de água potável — que havia se rompido, um exemplo claro de ruptura de tubulações devido às tempestades, conforme citado no estudo. Durante a série de ondas de calor em setembro, ao menos três cidades mineiras entraram em racionamento de água. Em Lavras, no Sul do Estado, os moradores passaram vários dias seguidos com torneiras secas, e o caso foi parar na Justiça.
Sobre o rompimento no Novo Lajedo, a Copasa disse que realizou manutenção na rede de distribuição de água do bairro e que avalia os danos aos imóveis.
“Faltar água aqui em casa é cada vez mais comum”, diz morador do Aglomerado da Serra
Uma queda de energia causou a interrupção do abastecimento de água na casa de Thiago Rodrigues, de 27 anos, no bairro Fazendinha, no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, neste final de semana. O problema ocorreu após o último temporal que atingiu a cidade, e, até esta segunda-feira (18), a família do comunicador social ainda estava com a caixa d’água vazia. Esta é uma situação que, segundo o estudo do Instituto Trata Brasil, pode se tornar comum em grande parte das cidades de Minas Gerais até 2050.
“Um risco associado às tempestades e ao abastecimento de água é o de danos físicos significativos nas infraestruturas das estações de tratamento, além de efeitos sobre a operação, como a redução da eficiência no tratamento de água, especialmente devido a danos nas instalações ou interrupção no fornecimento de energia elétrica”, afirma um trecho do estudo.
Thiago aprendeu a se adaptar como pode, com a colaboração dos vizinhos e o racionamento de água dentro de casa, mas lamenta que o desabastecimento já faça parte da sua rotina. “É extremamente comum, principalmente aos finais de semana. Percebo que a falta d’água aumenta durante os períodos sem chuva, como tivemos este ano, com mais de 100 dias de seca em Belo Horizonte. Já durante as chuvas, a energia cai e o abastecimento é interrompido. Tentamos achar alternativas, mas é difícil, principalmente para limpeza e para lavar roupas…”, conta.
Em nota, a Copasa informou que “a unidade de bombeamento que abastece a região está com uma pane elétrica”. Conforme a companhia, “as equipes já estão mobilizadas” a projeção era que a manutenção fosse concluída ainda na segunda-feira (18), com a normalização prevista para as horas seguintes à solução.
Aceleração das mudanças climáticas pode adiantar a projeção
Segundo Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, apesar de o estudo ter usado dados da previsão de temperatura para o planeta até 2050, os desastres previstos podem chegar a Minas Gerais e a todo o Brasil anos antes. “A projeção foi feita com base em dados nacionais que indicam, até 2050, um aquecimento de até 4ºC. Porém, a temperatura do planeta tem subido rapidamente. É possível que esses eventos extremos sobrecarreguem o sistema de água e esgoto antes do que esperamos”, avalia.
Para um cenário menos desastroso, com mais mineiros tendo acesso a saneamento básico de qualidade e água potável nas torneiras, Pretto pondera que empresas, companhias e governos precisam agir agora. ”Cada governo precisa pegar este estudo, avaliar os piores cenários a nível estadual e municipal e implementar ações que mitiguem esses riscos. Para garantir o abastecimento de água, mesmo com eventos climáticos extremos, é necessário não depender de uma única fonte de abastecimento; é preciso considerar fontes alternativas de qualidade comprovada, além de outras ações de adaptação”, aconselha.
A reportagem demandou a Copasa e aguarda retorno.
Fonte: O Tempo