Reclamar demais pode ter consequências negativas na saúde
Imagine a situação: você está conversando com um amigo, desabafando sobre algo que deu errado no dia, mas no meio da conversa as palavras começam a fluir mais rapidamente. E, de repente, aquilo que começou com um simples comentário em um tom negativo se transforma numa lista interminável de reclamações. Esse tipo de atitude pode até ser comum e parecer inevitável em momentos de frustração, mas é preciso tomar cuidado quando esse comportamento se torna uma constante. Reclamar demais – e de forma sistemática – não só pesa o clima do ambiente, como também pode afetar a saúde mental, emocional e física do reclamão.
“De modo geral, a reclamação nunca vai ser saudável. A não ser que ela ocorra de forma pontual e que ela sirva para demonstrar uma insatisfação no sentido de buscar uma solução, de reivindicar algum direito”, afirma o psiquiatra Bruno Brandão. De acordo com o médico, queixas constantes e sem propósito de mudança são prejudiciais e podem se tornar um hábito que repetimos sem a intenção de resolver nossos problemas. “Isso afeta o humor, o bem-estar, cria um ciclo de negatividade que vai prejudicar relacionamentos e afastar pessoas. Afinal de contas, ninguém gosta de quem fica o tempo todo reclamando”.
Embora queixar-se com frequência de tudo não seja recomendável, reclamar uma vez ou outra é natural. Isso porque, como o psiquiatra explica, o ser humano tem, por natureza, uma tendência a focar mais as coisas negativas do que as positivas. “Nós, naturalmente, colocamos mais a nossa atenção naquilo que é negativo. Nós temos mais memórias dessas coisas, e elas não só prendem a nossa atenção, mas geram também emoções mais intensas. Isso é o que a neurociência chama de ‘viés da negatividade’. E algumas pessoas têm mais e outras menos, mas, de modo geral, essa tendência de focar o negativo pode ser uma das bases dessa reclamação, principalmente naqueles que têm isso de forma mais intensa”, explica Bruno Brandão.
Especialista em gestão de saúde corporativa, a psicóloga Renata Livramento reitera que reclamar ocasionalmente é algo natural e feito por todos nós, mas chama atenção para o fato de que essa atitude pode se tornar um hábito difícil de se livrar. “Muitas vezes, as pessoas reclamam porque elas estão habituadas a reclamar, ou seja, elas aprenderam. Quer seja, por exemplo, a criança que cresce ouvindo os pais reclamarem o tempo inteiro, quer seja porque em determinado momento da vida a pessoa começou a usar mais essa estratégia para aliviar a tensão e transformou isso em um hábito”, elucida. “Às vezes, a pessoa nem percebe que está reclamando e, por ser um hábito que é reforçado imediatamente, você reclama, sente um alívio na tensão, e isso já gera a necessidade de reclamar mais. E não é algo simples de ficar livre, mas é possível, assim como outros hábitos danosos também são”, diz ela, orientando que, em casos mais graves, a recomendação é buscar ajuda especializada, conversando com psicólogos e psiquiatras.
Procurar por auxílio é algo importante, principalmente para evitar as consequências causadas pela reclamação recorrente. “Quando a frequência é muito grande, essa atitude vai trazer impactos para a saúde como um todo: emocional, psíquica, nas relações. Uma pessoa que reclama muito tem mais tendência a desenvolver alguns tipos de transtornos, como, ansiedade e depressão, além de sofrer um impacto grande nos relacionamentos interpessoais. Então, uma coisa vai puxando a outra, e a vida da pessoa vai se tornando, de fato, mais difícil”, pontua.
Renata cita ainda estudos que dizem que reclamar de forma crônica pode causar transformações no cérebro, que vão dificultar a tomada de decisão. “Isso acontece porque a pessoa fica tão presa naquele looping, só pensando em tudo de ruim que está acontecendo, que pode acontecer, que vai acontecer, que ela pode ter algumas alterações na capacidade de resolver problemas e tomar decisões”, afirma.
Como sair do ciclo da reclamação?
Em casos menos graves, em que a reclamação não está em um nível crônico, mas já incomoda, a psicóloga pontua que algumas atitudes podem ser tomadas para modificar o cenário. Focar a solução, em vez de pensar apenas em aliviar momentaneamente a tensão, é uma delas. “Existem alguns mecanismos que a gente ensina para as pessoas, algumas formas de ela conscientemente ir se desafiando a partir para a ação. Porque o que resolve o que está gerando a frustração, a insatisfação, é ir na causa, e não ficar só reclamando do efeito”, diz. “Outra coisa é tentar equilibrar a situação causada pelo viés da negatividade, ou seja, se eu estou reclamando muito, estou dando mais atenção aos aspectos que considero negativos na minha vida, no meu trabalho, no que seja. Então, eu posso, conscientemente, intencionalmente, praticar a gratidão, treinando meu olhar, minha percepção, a buscar, na minha vida, motivos para me sentir grato”, aconselha.
O psiquiatra Bruno Brandão reforça o coro, acrescentando também que é importante desabafar. “Você pode contar para alguém sobre o seu problema, mas sempre com um propósito. Compartilhar sua frustração, seus medos, suas angústias com alguém da sua confiança não tem problema nenhum. Mas tem que ter um propósito, buscando uma solução efetiva para aquilo que está incomodando, ou mesmo se aquele problema não tiver solução, vale falar sobre aquilo no sentido de entender o que você está sentindo, no sentido de aceitar aquilo que você não pode mudar. Mas reclamar por reclamar, sem propósito, não tem utilidade nenhuma”, afirma.
Por fim, o médico também ressalta que é importante ter cuidado com as influências, já que estar perto de pessoas que só reclamam também pode fazer com que você passe a reclamar mais. “O ideal é que você se afaste desse grupo, evite entrar nesse meio de reclamações. Claro, se forem pessoas extremamente importantes para você, tente direcionar a conversa para algo produtivo ou mostrar a inutilidade da reclamação. Sempre lembrando que reclamar é diferente de reivindicar, já que lutar por um direito, buscar uma solução para um problema, é sempre muito útil. O problema é quando você fica naquela reclamação que te paralisa”
Fonte: O Tempo