Pessoas que recusam bebidas alcoólicas sentem o preconceito aumentar no final do ano
A atendente Isabella Raíssa, de 24 anos, admite que bebe cerveja todo final de semana. “Não tenho amigos que não bebem, mas, quando a pessoa não bebe, convenço ela a beber. Viver nesse mundo sem beber é uma loucura!”, proclama Isabella. Com a mesma idade, a servidora pública Lorena Cardoso, por outro lado, é o exemplo oposto.
“Não bebo nada alcoólico. Os amigos me questionam bastante. Respondo que não bebo e pronto, se insistir vai ficar no vácuo. Quem decide sobre a minha saúde e bem-estar sou eu, não os outros”, defende Lorena. A vendedora Maria Eduarda, de 19 anos, afirma adotar uma espécie de meio termo. “Bebo o tanto que não dá para cair, socialmente. Tenho amigos que não bebem, é um porre. Eu bebo e eles cuidam de mim. Mas eu queria que eles bebessem comigo…”, sublinha Maria Eduarda.
Influenciador digital, João Victor, de 22 anos, conta que os amigos “imploram” para ele beber. “Mas eu seguro a onda porque, quando bebo, fico chato. Para mim é tranquilo, quando decido uma coisa ninguém muda minha ideia”, garante. Também influenciador, Eduardo Junqueira, de 20 anos, bebe “socialmente, aos finais de semana”.
“Saio tranquilamente com pessoas que não bebem, eles só não duram tanto no rolé. É chato ficar insistindo em algo que a pessoa não escolheu para ela”, opina Eduardo. A estudante Bárbara Mendes, de 22 anos, preza pela “responsabilidade, consciência e cuidado com o outro” ao beber “com moderação”. “Tem gente que não bebe no nosso grupo de amigos, o primordial é respeitar e se divertir do mesmo jeito”, afiança Bárbara.
Pressão social
Nessa época de final de ano, em que festividades como Natal e Réveillon e outras confraternizações entre familiares e colegas de trabalho tomam conta do calendário, tende-se a aumentar uma conhecida pressão social para que as pessoas aproveitem os momentos de interação e se divirtam, o que, no caso da cultura brasileira, parece estar intrinsecamente ligado ao consumo de bebidas alcoólicas. O psicólogo e professor Welder Vicente afirma que “o preconceito e a pressão social para se consumir álcool podem criar um ambiente de desconforto e ansiedade para aqueles que optam por não beber”.
“Isso pode levar a sentimentos de inadequação, baixa autoestima e até mesmo depressão. A pessoa pode começar a questionar suas escolhas e se sentir isolada, resultando em problemas emocionais como tristeza, irritabilidade e estresse”, avalia o profissional, que indica algumas medidas práticas para combater o problema, vinculadas à terapia cognitivo-comportamental, que, segundo ele, trabalha na “reestruturação de pensamentos negativos, promovendo uma visão mais positiva sobre as próprias decisões e incentivando a autoconfiança”.
Antídotos
Welder enumera estratégias eficazes que começam por identificar e desafiar pensamentos distorcidos relacionados à pressão social, e sugere substituir o “todos vão me julgar” por “minhas escolhas são válidas e respeitáveis”. Na sequência, ele orienta a prática da assertividade, a partir de respostas convictas e confiantes para comentários indelicados, “reafirmando a sua decisão sem entrar em conflitos”.
Outro ponto importante seria o chamado “planejamento antecipado”, em que a pessoa deve se “preparar mentalmente para essas situações sociais, pensando em maneiras de desviar a conversa ou mudar de assunto quando necessário”. Por fim, a busca de apoio, na conexão “com amigos ou familiares que respeitam suas escolhas pode ajudar a reduzir a sensação de exclusão”, vaticina o especialista.
Senso comum
Welder também associa a “dificuldade em aceitar a decisão de não beber de outra pessoa a uma normatização do consumo de álcool como parte das interações sociais”. “Muitas vezes, isso reflete uma cultura que valoriza o consumo como forma de diversão e socialização”, presume.
Um levantamento divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) mostra que houve um aumento do consumo de álcool no Brasil de 43% em dez anos, no período entre 2006 e 2016. Neste ano, dados do Ministério da Saúde reforçam a tendência, com uma subida de 20% no consumo de bebidas alcoólicas entre 2021 e 2023. A glamourização da bebida, a associação entre lazer e diversão e a falta de punição para crimes cometidos sob o efeito do álcool seriam responsáveis por esses números.
De acordo com Welder, o preconceito com quem não bebe “pode surgir da falta de compreensão sobre os motivos pessoais ou de saúde que levam alguém a optar por não beber”. “Para promover uma cultura mais inclusiva, é essencial fomentar o respeito às escolhas individuais através da educação sobre os benefícios da moderação e da diversidade nas preferências pessoais”, analisa o professor.
Ele conta que a abordagem dos psicólogos nessa questão junto a adolescentes e jovens adultos procura “desenvolver habilidades sociais e estratégias para resistir à pressão do grupo”. “Além disso, é importante promover ambientes onde alternativas ao álcool sejam valorizadas, incentivando atividades sociais que não envolvam bebidas alcoólicas”, destaca.
Papel da família
O psicólogo e professor Welder Vicente sustenta que “a dinâmica familiar desempenha um papel crucial na formação das atitudes em relação ao álcool”. “Famílias que normalizam o consumo podem criar um ambiente onde é difícil para alguém optar por não beber sem enfrentar julgamentos ou críticas”, pontua o especialista.
O mesmo se daria com grupos de amigos e ambientes de trabalho em que a maioria dos colegas é devota do consumo de bebidas alcoólicas. No entanto, no caso da família, o peso social exercido seria ainda maior, pela própria constituição cultural.
Nesse sentido, Welder advoga em favor da terapia cognitivo-comportamental, que, segundo ele, “pode ajudar indivíduos a entenderem essas dinâmicas familiares e desenvolverem maneiras saudáveis de comunicar suas escolhas aos familiares”. “Trabalhar na construção da autoconfiança e no fortalecimento das próprias decisões é fundamental para lidar com o preconceito familiar”, arremata o psicólogo.
Fonte: O Tempo