A IGREJA (Deiró Muniz, profmuniz)
Conterrâneos têm uma admiração inata por sua igreja matriz; em Muzambinho não poderia ser diferente. Topógrafos, engenheiros e arquitetos de hoje e de ontem já fizeram medidas extremamente precisas sobre a geometria da igreja. Houve cinco encontros entres os sábios engenheiros e arquitetos, após as discussões, a conclusão:
Muzambinho tem a
IGREJA PERFEITA .
Dos bastidores vazou a notícia que um dos sábios contestou a conclusão e, para seu espanto, foi atirado pela janela.
Anúncio da descoberta foi realizado com grandes festejos na praça central, foguetórios, barracas de churrasco, pastéis, doces de leite, sanduíches e esparrame de tubaínas.
Uma placa de liga metálica foi afixada na parede lateral do pórtico da matriz, descrevendo os dados técnicos informados pelos sábios analistas. Era uma placa que prometia atravessar gerações e, quiçá, até se tornar um objeto de culto. Era admirável a placa, tinha caracteres egípcios, celtas e gregos. A população em geral nada entendia daqueles números e signos, mas como era da igreja perfeita, com certeza só poderiam estar certos, imaginavam.
A notícia correu como rastilho de pólvora por toda a redondeza e ultrapassando as divisas de São Paulo, Goiás e Bahia. Muzambinho tinha a igreja perfeita.
Alguns beatos já estavam confeccionando rosários de madeira copiando os símbolos da placa. Planejavam realizar uma feira para apresentar seus rosários, mesmo porque a venda dos artesanatos estava aquecida com vários vendedores postados nas esquinas da cidade.
Houve até uma invasão de turistas querendo ver essa tal de igreja perfeita.
Foi necessário contratar um guia turístico para explicar todas aquelas definições técnicas que se referiam à igreja perfeita.
O guia turístico foi o melhor que encontraram. Havia melhores do que ele, mas não quiseram enfrentar a missão com medo de não conseguirem convencer os turistas.
Então, o guia contratado foi Justino Onofre, carpinteiro há muitos anos, cujos telhados nunca ficavam no preciso nível, mas assim levava a vida.
Justino Onofre, como era de se esperar, não conseguiu convencer os turistas e, pressionado contra a placa metálica por alguns turistas mais nervosos, fingiu um desmaio, sendo socorrido até a Santa Casa.
No outro dia recebeu alta e, antes de sair, perguntou para uma enfermeira se havia turistas no pátio do hospital. Como não havia, saiu sorrateiramente pelo portão, dando algumas voltas desnecessárias para chegar em casa, mas, como pensava: questão de segurança.
Assim, o número de turistas foi diminuindo até cessar. Justino Onofre já pode andar tranquilamente pela cidade.
A fama de igreja perfeita continuou, pois enovelou-se num processo de metamorfose para tornar-se mito. Mito que elimina arestas, sucumbe análises para se tornar aceito pela maioria das pessoas. Neste nosso mundão há tantos mitos que, em geral, partem de um acontecimento concreto para tornar-se uma narrativa envolta em mistério autocriado.
C’ est la vie…