Março amarelo: tempo para falar sobre endometriose
Embora a doença seja benigna, compromete a qualidade de vida de mais de 7 milhões de brasileiras, seja por causa das dores muitas vezes intensas, da infertilidade e da longa e difícil jornada até o diagnóstico e tratamentos muitas vezes ineficazes e inadequados.
Infelizmente, as mulheres com endometriose podem levar de 5 a 12 anos e passar por cinco ou mais médicos até obter o diagnóstico e/ou tratamento adequado. A demora pode ser explicada pela “normalização da dor” em mulheres, falta de profissionais de saúde com expertise na abordagem da doença, preferência pela automedicação, falta de conhecimento das opções de tratamento, experiências anteriores negativas com cuidados de saúde, vergonha e constrangimento.
Afetando até 10% das mulheres em idade reprodutiva, a endometriose se manifesta principalmente por dor pélvica e dificuldade para engravidar. A doença caracteriza-se pela presença do tecido que reveste o útero (endométrio) na pelve feminina e em outras localizações incluindo intestino e pulmões. Acredita-se que a doença surja da interação de múltiplos elementos incluindo fatores genéticos, imunológicos, inflamatórios, hormonais e ambientais.
A dor pélvica é um sintoma muito comum e suas características podem variar. Cólicas menstruais são frequentes, mas outros tipos de dor pélvica não relacionada ao ciclo menstrual podem ocorrer, inclusive durante o ato sexual, ao evacuar ou urinar. A piora da dor durante o período menstrual também sugere a possibilidade de endometriose.
É importante salientar que em até 25% das mulheres, a doença pode ser silenciosa e o diagnóstico às vezes é feito durante a investigação de infertilidade. A infertilidade também é uma condição associada à endometriose, embora nem toda mulher com endometriose seja infértil. Entre as inférteis, entretanto, até 50% tem endometriose.
O alerta para a presença de endometriose pode surgir durante a consulta médica com o relato dos sintomas e realização do exame clínico ginecológico. A ultrassonografia pélvica e transvaginal (USTV) com preparo intestinal e a ressonância magnética (RM) com protocolos especializados são os principais métodos por imagem para detecção e estadiamento da doença. Tais exames, entretanto devem ser realizados por profissionais com treinamento e experiência nesse diagnóstico. A videolaparoscopia com biópsia das lesões endometrióticas fica reservada para casos específicos após avaliação especializada.
A decisão sobre a realização de tratamento clínico (medicamentoso) ou cirúrgico depende dos sintomas apresentados, assim como do desejo reprodutivo, da idade da mulher e das características das lesões (localização e gravidade da doença). Em casos onde a endometriose pode levar a obstrução intestinal ou das vias urinárias por exemplo, a cirurgia é a única opção. O objetivo da cirurgia, quando indicada, é remover todos os focos visíveis e/ou palpáveis de endometriose em uma única cirurgia com foco na melhora a dor e da qualidade de vida. Estudos revelam que os melhores resultados são obtidos quando o tratamento é realizado por equipe multidisciplinar.
Nos casos de infertilidade, é preciso avaliar a idade da mulher, a reserva ovariana (quantidade de óvulos nos ovários que pode ser feita por dosagens hormonais e ultrassonografia), a permeabilidade das trompas e o espermograma. Nesses casos o tratamento com medicamentos não deve ser usado e o uso de técnicas de reprodução assistida como a fertilização in vitro é a melhor opção.
Vale ressaltar que a doença é crônica e a cura definitiva não ocorre. Dessa forma, os tratamentos não-cirúrgicos devem ser maximizados para evitar cirurgias repetidas que não necessariamente produzem alívio da dor. Educar e falar sobre endometriose é vital pois a doença pode impactar negativamente o curso de vida das mulheres, visto que o início dos sintomas geralmente ocorre na juventude, um período da vida quando várias decisões cruciais precisam ser tomadas. O acesso ao diagnóstico e tratamento precoce com que leve em consideração características individuais e objetivos de vida de cada mulher pode aliviar os efeitos negativos da endometriose e permitir a estas mulheres uma vida plena e digna.
Márcia Mendonça Carneiro, Ginecologista do Biocor /Rede D’Or, Professora Titular- Departamento de Ginecologia e Obstetrícia – Faculdade de Medicina da UFMG