Alerta vermelho para as doenças inflamatórias intestinais
A cor que estampa a campanha é o roxo, representativo da solidariedade, mas poderia ser o vermelho, já que o aumento no número de doenças intestinais inflamatórias fez soar o sinal de alerta. A preocupação é compartilhada por especialistas, que aproveitam o “Maio Roxo”, dedicado a estes tipos de doenças, para chamarem a atenção para o órgão responsável por finalizar a digestão em nosso corpo.
“A incidência está aumentando, principalmente nos países em
desenvolvimento, como é o nosso caso, enquanto os industrializados estão numa fase de desaceleração. Esse aumento se deve a fatores como tabagismo e o consumo de alimentos ultraprocessados”, observa Ludmila Resende, endoscopista e gastroenterologista do ambulatório de doenças
inflamatórias intestinais do hospital Mater Dei.
O curioso é que até mesmo a melhora na qualidade de higiene está por trás desse aumento, por incrível que pareça. Ludmila explica: “Aqueles indivíduos que não são expostos a micro-organismos, especialmente na infância, têm maior predisposição a desenvolver doenças inflamatórias intestinais”. Mas o grande vilão são mesmo os alimentos industriais que passam por várias etapas de processamento.
“Esses alimentos contêm conservantes, corantes e outros aditivos que podem afetar a flora intestinal e contribuir para processos
inflamatórios no intestino, especialmente em pessoas com predisposição genética”, destaca Luís Flávio Vilela de Mesquita, médico cirurgião do aparelho digestivo do Mário Palmério Hospital Universitário (MPHU), hospital de ensino da Uniube, em Uberaba, no Triângulo Mineiro.
Mesquita ressalta que, segundo a Sociedade Brasileira de Coloproctologia, há mais de 250 mil casos no país, com um crescimento de mais de 200% na última década, especialmente nas regiões mais urbanizadas. Esse número se refere aos portadores da Doença de Crohn e a Retocolite Ulcerativa, principais doenças inflamatórias intestinais (DIIs). No mundo, são mais de 10 milhões de pessoas afetadas.
Apesar do aumento de casos, as DIIs ainda são desconhecidas de grande parte da população. Isso se deve, de acordo com Ludmila, ao fato de que, até pouco tempo, eram consideradas doenças raras. “A prevalência era menor do que 60 pacientes para cada 100 mil habitantes”, comenta. Mesquita acrescenta outro motivo: os sintomas se confundem com os de outras doenças, como a síndrome do intestino irritável ou infecções no trato digestivo.
O diferencial para essas outras é que a Doença de Crohn, que pode afetar qualquer parte do tubo digestivo, da boca ao ânus, e a Retocolite Ulcerativa, que atinge o intestino grosso, são crônicas. Ou seja, não têm cura. “No entanto, há tratamentos eficazes que permitem o controle dos sintomas, a melhora da qualidade de vida e períodos prolongados de remissão”, pondera o médico-cirurgião.
“Hoje em dia a gente conta com um arsenal terapêutico que pode nos auxiliar neste controle da doença. Mas é muito importante que isso seja feito por um médico que realmente tenha experiência no tratamento das DIIs. Temos que lembrar que são doenças imunomediadas, com grande maioria das medicações sendo imunodepressoras, aumentando o risco de doenças infecciosas, o que nos leva a avaliar com bastante cautela”, recomenda Ludmila.
Quanto mais cedo o diagnóstico, melhor. A gastroenterologista do Mater Dei sublinha que a descoberta doença da doença evita complicações, como estenoses (estreitamento do duto intestinal), fístulas (abertura anormal que pode permitir que o conteúdo do intestino vaze para a área circundante) e uma evolução para displasia (desenvolvimento celular anormal).
Prevalência de distúrbios psicológicos cria estigma
Para a descoberta precoce das doenças inflamatórias intestinais, é preciso ficar atento a alguns sintomas. Entre eles, dores abdominais persistentes diarreias com duração maior do que um mês (principalmente se conterem muco, sangue e pus), perda de peso involuntária e anemia. “Mas é bom lembrar que o diagnóstico é bastante complexo e deve ser feito por um especialista”, afirma Ludmila Resende.
As DIIs podem ocorrer em qualquer idade, mas os indivíduos mais
acometidos são os adolescentes e adultos jovens, entre 15 e 30 anos. “Alguns autores sugerem um segundo pico da doença em idosos, mas isso é, de certa forma, controverso”, registra. “Embora a causa exata das DIIs não seja bem estabelecida, é sabido que
ela envolve fatores genéticos e ambientais, de forma que, se a gente tem um parente de primeiro grau acometido pela doença, teremos maior chance de desenvolver. No caso dos fatores ambientais, não podemos deixar de citar os maus hábitos de vida, como tabagismo, dieta rica em gordura e pobre em fibra”, informa a médica.
Para o médico-cirurgião de intestino Luís Flávio Vilela de Mesquita, a alimentação influencia diretamente mo equilíbrio da flora intestinal e no funcionamento do sistema imunológico. “Uma dieta rica em fibras naturais, frutas, vegetais e alimentos minimamente processados ajuda a manter o intestino saudável”, receita. Por isso, todo cuidado é pouco para o órgão que é considerado o nosso segundo cérebro. “Hoje em dia já está bem estabelecida a relação do eixo cérebro-intestino, uma via bidirecional mediada por citocinas e neurotransmissores, em que realmente um irá interferir no outro.
Quem nunca ficou estressado e teve uma diarreia ou ficou com o
intestino preso?”, indaga Ludmila. No caso das DIIs, ela frisa que não se trata de uma doença de cunho psicológico, mas que vem com um estigma muito grande de prevalência de distúrbios como ansiedade e depressão maiores do que a população geral. Momentos mais estressantes podem servir de gatilhos para a ativação da doença inflamatória intestinal”, explica Ludmila.
Fonte: O Tempo