Calor ameaça futuro do cultivo de alface em campo aberto no Brasil
Mapas de risco climático mostram que plantar alface ao ar livre no Brasil pode se tornar cada vez mais difícil nas próximas décadas. Elaborados por pesquisadores da Embrapa Hortaliças (DF), com base em projeções do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e em modelos utilizados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), os dados indicam que, até o fim do século, praticamente todo o território brasileiro enfrentará risco alto ou muito alto para a produção da folhosa mais consumida pelos brasileiros.
A pesquisa considerou dois cenários climáticos: um otimista, com controle parcial das emissões de gases de efeito estufa, e outro pessimista, em que as emissões continuam crescendo até 2100. Em ambos, as perspectivas não são animadoras para o cultivo tradicional da alface. O verão é a estação mais crítica, com temperaturas que podem ultrapassar os 40°C em boa parte do País, patamar bem acima do ideal para o desenvolvimento da cultura, que exige clima ameno e umidade equilibrada.
“Compreender como as mudanças climáticas podem afetar a produção de alface, em um país tropical como o Brasil, é essencial para desenhar estratégias de adaptação. Isso permite antecipar impactos e evitar prejuízos”, explicou o engenheiro-ambiental Carlos Eduardo Pacheco, pesquisador em Mudanças Climáticas Globais da Embrapa.
Diante disso, as duas principais frentes de atuação da pesquisa têm sido o desenvolvimento de cultivares de alface com maior tolerância ao calor e de sistemas de produção para garantir a sustentabilidade do cultivo diante de condições climáticas adversas. Entre os exemplos estão os sistemas regenerativos, que restauram a fertilidade do solo e a biodiversidade e os sistemas adaptados ao clima.
Projeções até 2100 alertam para cenário inóspito
Os mapas de risco climático foram construídos a partir da base de dados ‘Projeções Climáticas’, do Inpe, com resolução espacial de 20 km². O modelo dinâmico ETA, já validado para o Brasil e América Latina, foi utilizado para projetar o comportamento da temperatura (mínima, média e máxima) em diferentes estações do ano, ao longo de quatro intervalos de tempo: até 2040, de 2041 a 2070, de 2071 a 2100, e o período histórico de 1961 a 1990, como referência.
Para simular cenários futuros, os pesquisadores utilizaram os Caminhos de Concentração Representativos (RCPs, na sigla em inglês), criados pelo IPCC. O cenário otimista adotado foi o RCP 4.5, com aumento de temperatura global entre 2°C e 3°C até 2100. Já o cenário pessimista foi o RCP 8.5, com elevação de até 4,3°C e emissões de gases de efeito estufa em crescimento contínuo.
Os dados mais alarmantes aparecem nas projeções para o verão entre 2071 e 2100. No melhor cenário (RCP 4.5), 79,6% do território nacional apresenta risco climático alto para a alface em campo aberto, e 17,4% apresenta risco muito alto. Já no pior cenário (RCP 8.5), 87,7% do território entra na categoria de risco muito alto, e apenas 11,8% permanece com risco alto.
“Os mapas evidenciam a urgência de pensarmos em sistemas produtivos adaptados ao clima, especialmente para hortaliças, que são mais sensíveis do que as grandes culturas como milho ou soja”, destaca Pacheco.
Ainda no intervalo de tempo de 2071 a 2100, para a estação do verão, o cenário RCP 4.5 mostra uma faixa de temperatura que vai de 23,4°C a 41,2°C. No cenário RCP 8.5, os valores vão de 25,4°C a 45°C.
“Do ponto de vista evolutivo, a alface depende de temperatura amena e boa umidade para se desenvolver plenamente. Esses números projetados são preocupantes porque a adaptação da espécie às altas temperaturas é mínima, especialmente se considerar que as sementes de alface exigem temperaturas inferiores a 22°C para haver germinação”, explicou o engenheiro-agrônomo Fábio Suinaga, pesquisador em Melhoramento Genético da Embrapa Hortaliças.
Ao antever os cenários futuros, as pesquisas da Embrapa priorizam materiais genéticos mais tolerantes ao calor. “Temos atualmente em nosso portfólio cultivares com diferentes mecanismos para resistir melhor ao calor, como a alface BRS Mediterrânea que, por ser mais precoce, fica menos dias no campo até obter um padrão comercial, ficando menos exposta às oscilações da temperatura”, esclarece Suinaga.
Fonte: Itatiaia