Nervosismo e ansiedade podem causar gagueira? Especialista esclarece dúvidas sobre o transtorno
“Quando eu tinha 8 anos de idade, em uma aula de português, a professora pediu para eu ler um texto e explicar da forma que eu estava entendendo, e qual era a minha forma? Gaguejando, com muita repetição e muito bloqueio. Essa professora, de uma forma tão lúgubre, sem entender o que era a gagueira me chamou de burra”, o relato é da professora do curso de serviços sociais da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) Viviane Granda. Ela relata que até hoje o principal desafio da gagueira é lidar com o preconceito existente em torno do tema.
A gagueira é um transtorno da fluência que se caracteriza pela repetição de sons e sílabas ou por pausas involuntárias que podem dificultar a clareza e a transmissão da mensagem durante a fala. Com o objetivo de promover a conscientização sobre o tema, em 22 de outubro de 1988 foi instituído o Dia Internacional de Atenção à Gagueira.
A fonoaudióloga e Vice-presidente da Associação Brasileira de Gagueira (Abra) Mariana Santiago, conta que a gagueira é um transtorno do neurodesenvolvimento que pode ocorrer no período de aquisição da linguagem oral ou no processo desenvolvimento da criança como um todo. “É importante conscientizar as pessoas porque é um tema tão delicado que faze tanta gente sofrere. Quanto mais pessoas falarem abertamente sobre isso, melhor”, salienta.
Segundo a Abra, aproximadamente 10 milhões de brasileiros gaguejam, sendo 2 milhões de forma crônica. Ao gaguejar, a pessoa sabe o que ela quer comunicar, mas encontra dificuldade de produzir o mesmo fluxo de fala de pessoas que não gaguejam.
Existe gagueira emocional?
Mariana Santiago reforça que a gagueira psicogênica, ou seja, a gagueira que ocorre quando a pessoa está ansiosa ou nervosa, não existe. “A pessoa tem disfluências, ou seja, a minha fala vai ter interrupções como ‘é’ e ‘né’, parece que é uma gagueira, mas é só uma correção do que eu ia falar. Nós usamos gagueira nessas situações de forma pejorativa. Disfluências todo mundo tem, então é isso que acontece na hora da fala”, explica.
Existem as disfluências que são típicas da gagueira que são as pausas, bloqueios e prolongamentos. Além disso, existem também aquelas que são comuns a todos os falantes.
O analista de sistemas e tradutor intérprete de libras Oswaldo Rocha, lembra de perceber que gaguejava aos 12 anos de idade. Aos 41 anos, ele conta que os maiores desafios do transtorno é lidar com a dificuldade em relacionamentos interpessoais e a forma de se comunicar. “A sociedade não está preparada para lidar com o diferente, ela sempre estranha aquilo que foge do padrão”, reflete.
O Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa) aponta que pesquisas atualizadas indicam que a gagueira está associada a um funcionamento inadequado de células nervosas envolvidas no controle da automatização da fala, ocasionando bloqueios e repetições característicos.
A importância de falar sobre o assunto
A CFFa ressalta ainda que o tema deve ser tratado com seriedade, para que as pessoas entendam como esse transtorno pode influenciar o desenvolvimento emocional e interpessoal quando não tratado com respeito.
Viviane Granda conta que o pai e o irmão também gaguejam e ressalta como o apoio familiar foi fundamental no processo de aceitação da gagueira. “Posso dizer que é um ato político ser uma professora que gagueja. Isso mostra aos meus alunos que é possível ocupar lugares de fala e liderança mesmo falando diferente”, pontua.
Oswaldo Rocha também reforça a importância da autoaceitação. “Na época do ensino fundamental e médio foi muito difícil, mas o importante é não deixar as pessoas te menosprezarem”, afirma.
É possível adquirir a gagueira na fase adulta?
A gagueira não tem cura e é um transtorno comum em crianças entre 2 e 5 anos de idade, fase em que costuma ocorrer o desenvolvimento da linguagem oral, com maior ocorrência em meninos. Pessoas na fase adulta podem ter gagueira, no entanto, muitas vezes, por não ter recebido o tratamento correto ou adequado durante a infância.
Segundo a Abra, na infância, 5% das crianças podem gaguejar em algum momento, mas 80% delas irão parar de gaguejar. Já os outros 20%, continuarão gaguejando até a vida adulta.
Mariana Santiago pontua que o tipo mais comum é a gagueira do desenvolvimento persistente que é a gagueira que acontece na infância, mas que persiste até a fase adulta. “É muito difícil uma pessoa adulta adquirir a gagueira, é até raro. Pode acontecer por um trauma neurológico, se por exemplo acontecer um acidente e a pessoa tiver uma lesão cerebral no ‘local’ responsável pela fala. Então é algo bem específico para ter essa gagueira tardia”, conta.
Mitos e verdades sobre a gagueira
A gagueira pode ser passada através da genética da família?
VERDADE – A gagueira tem origem no cérebro, mas ela pode ser multifatorial. A fonoaudióloga explica que não é possível identificar um fator específico. No entanto, atualmente consegue-se identificar que existem genes específicos para gagueira, então a criança não nasce com ela, mas se já tiver um gene, ela tem o maior risco de entrar no 5%.
Existem métodos para curar a gagueira em casa?
MITO – Não existem formas milagrosas para curar o transtorno, o indicado é que caso surjam sinais de gagueira na criança, os pais ou responsáveis devem procurar um fonoaudiólogo especialista no assunto.
Existem famosos que gaguejam?
VERDADE – Muitos famosos brasileiros e de outras nacionalidades gaguejam. Entre alguns exemplos de personalidades da mídia que gaguejam estão a atriz Nicole Kidman, o ator Murilo Benício, o apresentador Silvio Santos e o ex-presidente dos Estados Unidos Joe Biden.
A demora na busca por tratamento pode influenciar no resultado do tratamento?
VERDADE – O quanto antes o acompanhamento começa, mais cedo é possível conseguir fortalecer estratégias de comunicação, reduzindo possíveis impactos emocionais e favorecer a fluência natural. No entanto, Mariana Santiago reforça que é importante dizer que sempre há possibilidade de melhora, em qualquer idade, mesmo que tardio.
Quando devo iniciar o tratamento?
A Abra recomenda que os pais procurem tratamentos para o transtorno assim que perceber que a criança está com sinais de gagueira, principalmente quando apresentar bloqueios, repetições de sons e sílabas, além de prolongamentos de sons ao iniciar uma palavra.
O fonoaudiólogo é o profissional indicado para tratar do transtorno.
“A gagueira não tem uma cura definitiva, mas pode melhorar com os tratamentos. Isso não significa que a pessoa deixou de gaguejar, mas que ela conseguiu adaptar e modelar a fala a ponto de ser fluente e ninguém perceber”, completa Mariana Santiago.
Fonte: O Tempo