Número crescente de casos suspeitos e confirmados da COVID-19 faz com que cuidados com higiene e infraestrutura sejam redobrados, à espera do pior cenário
A médica Tatiane Fereguetti, gerente assistencial do Hospital Eduardo de Menezes, diz que o maior desafio agora é preparar e estruturar a equipe para receber um grande número de pacientes simultaneamente (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )
Hospitais e funerárias de Belo Horizonte sentem a multiplicação dos infectados pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2). Num universo de quase 30 mil casos de mineiros suspeitos de estar com a COVID-19, há mortes que ainda poderão ser confirmadas e um fluxo ininterrupto de pacientes. Ontem, no dia em que o primeiro óbito pela doença foi confirmado em Minas, a rede Santa Casa informou já ter enterrado 16 pessoas com suspeita de terem morrido pela COVID-19. Os números levam em conta enterros realizados desde o dia 23.
Nas unidades de saúde particulares e públicas, a luta pela vida se dá em meio a estratégias para impedir o contágio e gerenciar os insumos para que não faltem máscaras, luvas, aventais, óculos e materiais. No Hospital Eduardo de Menezes, referência para o atendimento à COVID-19, há 42 pessoas internadas com a doença, poucas em estado crítico. Mais de 50 já passaram pelo atendimento e tiveram alta. Para conseguir enfrentar a demanda, a unidade dobrou os 10 leitos de UTI e pretende chegar a 30 nesta semana.
O avanço dos casos confirmados em Minas Gerais segue ampliando e mais que dobrou nos últimos sete dias, saltando de 130 no dia 24 para os 261 divulgados ontem pela SES-MG. O ritmo de pacientes infectados em Minas é semelhante ao de São Paulo e mais lento que no Rio de Janeiro, estado que dobrou seus últimos números num espaço de seis dias. A maior parte dos doentes mineiros, 163, se encontra em Belo Horizonte. Na capital, o ritmo de dobra dos últimos casos é um pouco maior que no estado, com oito dias, sendo que no dia 23 foram computados 85 doentes confirmados.
Uma centena de pacientes (61,3% dos doentes diagnosticados em BH) foi recebida no Hospital Eduardo de Menezes, mas nem todos em estado crítico. Gerente assistencial do hospital, a médica Tatiane Fereguetti afirma que a unidade vive uma expectativa de enfrentamento contínuo e racionalização de insumos, mas que está preparada para ondas mais volumosas de pacientes: “O hospital passou por diversas mudanças para viabilizar um grande volume de atendimentos simultâneos com a pandemia. Todos os recursos humanos deixaram ambulatórios e demais áreas e estão na internação, linha de frente. Foi necessário organizar as alas para dar maior segurança aos trabalhadores e doentes. Leitos tiveram reconfiguração, entradas e saídas foram redesenhadas. Uma nova rotina de equipamentos de proteção individual foi concebida, bem como um treinamento intenso”.
De acordo com a médica, o hospital ainda aguarda a remessa da cloroquina prometida pelo Ministério da Saúde para iniciar o tratamento de doentes com a droga que está em estudos, mas isso não é o principal desafio no momento. “Temos pacientes que estão sim aptos a receber a medicação quando ela chegar. Mas o maior desafio, por enquanto, é preparar para receber um número absurdo de pacientes ao mesmo tempo, tentando ampliar os leitos e rever os processos internos para preparar as equipes”, salienta.
Insumos
A situação da rede suplementar, composta pelos hospitais particulares, ainda é de oferta confortável de leitos, segundo a Central dos Hospitais de Minas Gerais. Mas a falta de insumos pode comprometer nos momentos em que as unidades enfrentarem volume maior de doentes. “Hoje, em média, todos os hospitais têm capacidade para receber os doentes. Está confortável. Mas falta uma coordenação. Um ajudando o outro. Se falta médico ou equipamentos em um, os outros poderiam ajudar, por exemplo”, disse o presidente da entidade que representa os hospitais e clínicas do estado, Reginaldo Teófanes. “No hospital que dirijo, o Santa Rita, temos 70% das vagas desocupadas e respiradores para todos os leitos de pacientes críticos. Mas estamos com falta de máscaras, porque todo mundo saiu comprando, levou para casa. O governo quer se apoderar das produções de álcool em gel e nos deixou na chuva”, afirma.
Preocupação redobrada nos funerais
A atenção com a transmissão do novo coronavírus não termina nem mesmo depois que os médicos perdem a batalha contra a infecção e o paciente sucumbe. De acordo os procedimentos definidos pelo protocolo de enfrentamento à COVID-19 do Ministério da Saúde, tanto doentes confirmados quanto casos suspeitos precisam ser desentubados completamente no hospital e seus corpos são fechados no interior de dois sacos impermeáveis, seguindo diretamente para os necrotérios das funerárias. “Todos os velórios precisam ser feitos de forma segura. Não podem durar mais do que duas horas e a lotação máxima é de 10 pessoas, podendo haver revezamento”, afirma o coordenador administrativo da Funerária Santa Casa, Anselmo Nunes.
Desde o dia 23, a funerária já realizou 16 enterros de pessoas com suspeitas de ter contraído a COVID-19. “Tanto no transporte quanto no manuseio dos corpos a equipe tem de estar completamente paramentada com gorros, óculos, máscaras, aventais e luvas. Mesmo sendo a caixão fechado, o morto não pode ser retirado de dentro do saco duplo. Com isso, a probabilidade de contaminação é muito pequena”, afirma.
O trabalho nas funerárias que orbitam o Instituto Médico-Legal (IML) da Polícia Civil de Minas Gerais, em Belo Horizonte, também teve sua rotina afetada com a chegada do novo coro- navírus. Na Funerária São Cristóvão, os atendimentos são feitos do lado de fora, para evitar aglomerações. Segundo informações da funerária, nenhum caso de COVID-19 foi tratado por lá, mas os funcionários trabalham de macacão, luvas, tocas, máscaras e há material para higienização de clientes e funcionários.
Na Funerária Emitra, todos tomam as mesmas precauções com equipamentos de proteção. Lá, a higienização de mãos e instrumentos é feita roti- neiramente. De acordo com a funerária, os procedimentos exigem manter uma distância segura entre funcionários e clientes. Logo que as famílias chegam, é fornecido álcool em gel para a limpeza das mãos. O mesmo procedimento ocorre na saída, quando até a caneta que foi usada precisa ser desinfetada.
Expectativa pelo aumento de demanda
O movimento pode ainda não ser tão grande nos hospitais, mas os desafios de tratar pacientes com a síndrome respiratória aguda grave da COVID-19 demandam grandes esforços das equipes de saúde, tanto privadas quanto públicas. E a falta de equipamentos aflige nas duas esferas. “É um quadro muito novo e vemos uma avalanche de artigos saindo sobre a doença. Por enquanto, o sistema consegue absorver os casos que temos. Por outro lado, estou com dificuldade de atender como médica no consultório, porque não consigo encontrar no mercado máscaras e luvas de procedimentos, por exemplo. Por isso pedimos que as pessoas parem de comprar os equipamentos de que não vão precisar. Senão, vai faltar para quem precisa”, disse a coordenadora médica da Diretoria Assistencial da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), Maria Aparecida Camargos Bicalho.
Emergencista no pronto-atendimento do Hospital Vera Cruz e na UTI Cardiovascular do Hospital Life Center, Lauro Henrique Carneiro também afirma que por enquanto são poucos os atendimentos de pacientes com a COVID-19 nos hospitais em que trabalha. “O movimento que se apresenta ainda é pequeno. Existe uma preparação grande, com mudança substancial na definição de espaços reservados para atendimento de pacientes com sintomas respiratórios e uma mudança funcional importante nos hospitais, por exemplo, com redução na escala de cirurgias eletivas e uma redução importante também no pronto socorro”, disse.
Segundo Carneiro, o sentimento dos pacientes e dos profissionais de saúde é de apreensão. “O que se aguarda é um tsunami de casos e o colapso do sistema de saúde, que vem trabalhando sempre sobrecarregado. Já estou com saudades da rotina dos atendimentos dos pacientes sem sintomas respiratórios. Todos os profissionais de saúde têm mostrado apreensão com o atendimento de pacientes em maior ou menor escala. Ainda que eu esteja trabalhando na saúde suplementar, como se trata do Brasil tememos a falta de insumos, no caso os equipamentos de proteção individual (EPIs) para a nossa segurança. A torcida é para que tudo isso passe o mais rápido possível”, afirma.