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Cartórios registraram 329 casamentos de meninas com até 14 anos em Minas

Redação27 de outubro de 202010min0
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Ato sexual abaixo dessa faixa etária configura crime de estupro de vulnerável; de 2006 a 2018, Estado registrou nascimento de 350 filhos de meninas casadas

Os cartórios de Minas Gerais registraram 1.238 “casamentos excepcionais” envolvendo meninas menores de 16 anos entre 2006 e 2018, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) analisados por O TEMPO. Em 329 desses casos, as adolescentes tinham 14 anos ou menos, sendo que o ato sexual ou libidinoso com crianças abaixo desta idade configura estupro de vulnerável, independentemente do matrimônio reconhecido pela lei.

Para especialistas consultados pela reportagem, os números revelam um lado cruel e pouco conhecido desse crime. Longe do debate público e com a anuência da legislação, os casamentos excepcionais envolvendo crianças e adolescentes menores de 16 anos continuaram a ser realizados no Estado pelo menos até 2018 – último ano com dados consolidados pelo IBGE –, quase sempre com homens maiores de idade. A prática foi proibida definitivamente apenas em março do ano passado, após uma alteração concreta no Código Civil.

 

A versão anterior do texto no Código Civil permitia a união mediante autorização dos pais, “para evitar imposição de pena ou em caso de gravidez”. Na esfera criminal, porém, essa exceção criada para impedir a punição ao violador já havia sido extinta há 13 anos, em 2005, com a revogação de parte do artigo 107 do Código Penal. Até aquele momento, os acusados estavam totalmente isentos de denúncia e condenação se viessem a se casar com a vítima, com o consentimento da família dela.

Os números do IBGE indicam que meninas da faixa etária mais vulnerável continuaram se casando legalmente em Minas e no Brasil entre 2005 e 2018. Na esfera penal, inclusive, a lei já havia ganhado uma nova redação em 2009 para esclarecer definitivamente que toda relação sexual ou libidinosa com menores de 14 anos configura crime de estupro de vulnerável, em qualquer situação, com pena de oito a 15 anos de reclusão.

Tanto fatores legais quanto culturais explicam a continuidade dos casamentos, na perspectiva de Viviana Santiago, gerente de gênero da Plan International, ONG especializada em pesquisas sobre casamento infantil. “Entre 2005 e 2019, havia um descompasso entre o Código Civil e o Código Penal. Mesmo assim, deveria ser aplicado o entendimento de estupro de vulnerável. Mas aí vemos que, infelizmente, somos um país em que algumas leis ‘pegam’ e outras, não. Os cartórios seguiram casando”, afirma.

A quantidade de casamentos infantis em Minas vem caindo de forma constante desde a primeira mudança na norma penal, porém voltou a subir em 2018 após ter atingido o patamar mínimo no ano anterior.

A promotora de Justiça Fabíola Sucasas pondera que houve avanços na legislação do país, mas o cenário permanece problemático. “Retirar a excludência do Código Penal e negar o casamento civil a quem tem menos de 16 anos foi uma forma de mostrar que ele é uma violência com as meninas. É uma violação dos direitos humanos, e sua eliminação está na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas”, destaca.

A ONU propõe que os países membros abandonem os casamentos prematuros até o término desta década. Os últimos informes da organização colocavam o Brasil no quarto lugar do ranking mundial em número absoluto de matrimônios infantis.

ESTADO REGISTROU 350 FILHOS DE MENINAS CASADAS DE ATÉ 14 ANOS

O TEMPO apurou dados do Ministério da Saúde sobre nascimentos e constatou que, entre 2006 e 2018, 350 bebês foram gerados no Estado por meninas casadas no Registro Civil e com entre 10 e 14 anos de idade no momento do parto. O cruzamento das informações aponta para uma possível correlação com os números do IBGE, pois a gravidez continuou valendo como exceção para permitir os casamentos abaixo dos 16 anos na esfera civil até março de 2019.

 

 

“No Brasil, a gravidez é causa ou consequência imediata do casamento. É o que acontece quando meninas de 12 anos chegam grávidas na unidade de saúde. Se ela for com um ‘marido’, é difícil que alguém notifique a violência”, afirma Viviana Santiago.

Segundo o Sindicato dos Oficiais de registro Civil de Minas Gerais (Recivil), os cartórios devem comunicar o Ministério Público sempre que registrarem o nascimento de uma criança cuja mãe for menor de 14 anos, pois a gravidez aponta o crime de estupro de vulnerável.

A promotora Fabíola Sucasas destaca que o aborto é permitido pela legislação brasileira nesses casos. “Se a menina está grávida com menos de 14 anos, a primeira coisa a ser feita é apurar o crime e oferecer a ela o direito ao aborto legal”, afirma.

Segundo Viviana Santigo, o casamento ainda é percebido por uma parcela das famílias como uma forma de preservar a dignidade de uma menina grávida, mesmo que a gestação tenha sido provocada por um ato de abuso e violência. É importante destacar que a lei não reconhece qualquer possibilidade de um suposto “consentimento” da vítima abaixo dos 14 anos como atenuante para o crime.

“O que consolida o casamento infantil é ele não ser percebido como uma violência, e sim como uma solução moral. A menina não é compreendida como vítima, mas como alguém que errou. Enquanto não se falar das causas e consequências desses casamentos e posicioná-los como violação de direito, a lei provavelmente não vai pegar”, conclui a gerente da ONG.

 

 

MAIORIA DOS CÔNJUGES TEM DE 20 A 29 ANOS

A quase totalidade dos casamentos infantis registrados em Minas envolveu parceiros maiores de idade: 94% entre as adolescentes de até 14 anos e 96% entre as de 15 anos.

Para Santiago, é preciso desconstruir o senso-comum de que as uniões ocorrem, geralmente, entre meninas e homens muitos mais velhos. “Essa noção contribui para invisibilizar que uma menina de 14 casada com um homem de 20 é também um casamento infantil”. Em Minas, os dados confirmam que a maioria dos cônjuges (67%) estava na faixa etária dos 20 aos 29 anos.

As diferenças de idade mais chocantes existem, mas são uma raridade. Considerando as meninas de até 14 anos, há registros de matrimônios com um homem de entre 60 e 64 (em 2008) e outro mais recente na casa dos 55 aos 59 (2018). Foi lavrado também um casamento entre uma adolescente de 15 anos e um idoso de 65 ou mais (2009).

Em todo o Brasil, segundo análise do site Núcleo e da revista AzMina, foram registrados 1.284 matrimônios de meninas menores de 15 anos apenas entre 2014 e 2018. Em 78% dos casos, o cônjuge era maior de idade.

 

MENINOS

Os dados do IBGE revelam que também houve casamentos de meninos adolescentes entre 2006 e 2018 em Minas Gerais, mas em uma quantidade significativamente menor: 84 ao todo durante o mesmo período.

Dos 43 matrimônios envolvendo meninos de até 14 anos, 34 (ou 79%) foram com mulheres maiores de idade. A relação sexual com meninos de menos de 14 também configura estupro de vulnerável, pois a lei não faz mais distinção entre homens e mulheres nos casos de crimes sexuais.

Fonte: O Tempo

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