Vacinação lenta pode expor grupo de risco em Minas
Uma aceleração de sete vezes no ritmo de aplicação de vacinas em Minas Gerais seria necessária para que a população adulta diabética, cardíaca e outros doentes crônicos mais suscetíveis a quadros graves da COVID-19 fossem imunizados até o início do outono, em 20 de março. Essa é a época do ano em que, historicamente, os males respiratórios mais se agravam e o alívio seria sentido imediatamente no sistema de saúde. Pelo ritmo nacional atual, os brasileiros em mesmo estado precisariam de um compasso vacinal seis vezes maior para estar cobertos até o começo da estação de alerta. Pela eficiência atual, a totalidade dessas pessoas só será atingida em 6 de novembro em Minas Gerais e em 29 do mesmo mês no Brasil. Os dados de velocidade foram compilados pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e se referem a informações obtidas nos estados e municípios brasileiros até 31 de janeiro.
De acordo com informações da fundação, Minas Gerais tem perto de 20% da população (4,2 milhões de habitantes) composta por adultos com pelo menos uma doença crônica não transmissível, ou seja, pessoas potencialmente mais afetadas pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) e que, por isso, deveriam estar em grupos de vacinação prioritária. No Brasil, esse grupo de risco é de cerca de 19% da população, ou aproximadamente 40,2 milhões de habitantes.
No atual ritmo, a imunização ampla (de toda a população brasileira) se estenderá até 2025. Em Minas Gerais, a conclusão da cobertura vacinal se daria um ano antes, em 2024, com o atual ritmo de aplicação de vacinas representando a quarta mais lenta do Brasil.
“O Brasil entrega 0,1% de doses (de vacina) por população por dia, (um índice) tão pequeno que 40 países entregam mais diariamente”, calcula o médico Márcio Sommer Bittencourt, pesquisador do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital da Universidade de São Paulo (USP) e professor da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein. Isso quer dizer 0,1 dose por 100 mil habitantes ou 1 por mil.“Para aplicar o imunizante em 70% dos brasileiros em 2021 precisamos vacinar cinco vezes mais que o melhor dia até agora, o resto do ano, contando feriados e fins de semana. A prioridade do Brasil é vacinar mais e mais rápido”, avalia Bittencourt. Ainda assim, o especialista observa que o ideal é que toda a população seja vacinada. “O desejável é que todo mundo seja vacinado. Exceto quem não pode, por algum motivo”, disse.
Para o diretor da Sociedade Mineira de Infectologia e membro voluntário do Comitê de Combate à COVID-19 em Belo Horizonte, Carlos Starling, a velocidade da vacinação está muito lenta no Brasil e em Minas porque o quantitativo de vacinas ainda é muito baixo. “Na medida que a oferta de vacinas aumentar, vamos ver também essa velocidade aumentar. Aí, sim, vamos observar uma redução da incidência da doença, à medida que, primeiro, os mais vulneráveis, sejam vacinados”, observa Starling.
O infectologista indica que com a vacinação cobrindo os grupos prioritários, a pressão sobre o sistema de saúde diminui. “Por isso tem de haver uma priorização de pessoas vacinadas. Quando tivermos de 70% a 80% dessa população vacinada, vamos ver claramente uma redução da pressão de internações e de demanda para terapia intensiva”, estima.
A cobertura nacional à altura do levantamento chegava a 0,99% da população brasileira, com 2.081.936 pessoas já tendo recebido uma dose. A cobertura de Minas Gerais naquele momento era um pouco menor, com 0,79%, o oitavo estado com menor abrangência, sendo que 167.838 doses haviam sido aplicadas. Para especialistas, a culpa é da pequena disponibilidade de vacinas.
Pelo levantamento da Fiocruz, o único estado que conseguiria finalizar a imunização completa de seus habitantes em 2021 seria o Mato Grosso do Sul, que no atual compasso o faria até o dia 10 de dezembro. No ano que vem, terminariam a campanha outros seis estados (Acre, Sergipe, Distrito Federal, Rondônia, Paraná e Alagoas). A maior parte conseguiria a conclusão ampla da vacinação em 2023, com 11 unidades da Federação nesse estágio (Espírito Santo, Goiás, Rio Grande do Sul, Amapá, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Rio de Janeiro, Bahia, Santa Catarina, Amazonas e Piauí). Minas Gerais e outros cinco estados (Ceará, Maranhão, Tocantins, Paraíba e Pará) viriam em seguida, em 2024, sendo o Mato Grosso o penúltimo e São Paulo o último estado, ambos em 2025.
Considerando o período do levantamento, de 18 a 31 de janeiro, Minas Gerais teve seu pico de vacinação em 27 de janeiro, quando conseguiu aplicar 52.172 doses. Dos 14 dias estudados, 10 não chegaram a um índice de 10 mil doses aplicadas pelo levantamento diário no estado. No Brasil, que faz a aplicação desde 17 de janeiro, o ápice da vacinação ocorreu no dia 29, com o registro de 360.715 procedimentos realizados.
A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) informou que o Ministério da Saúde, conforme anunciado pelo governo federal na última semana, “destinou mais 54 milhões de doses e Minas Gerais já deverá ser informada sobre a quantidade que receberá nos próximos dias”.
Infectologista receita prioridades e logística
Ainda que o baixo volume de vacinas prolongue os efeitos da pandemia em Minas Gerais, o diretor da Sociedade Mineira de Infectologia e membro voluntário do Comitê de Combate à COVID-19 em Belo Horizonte, Carlos Starling, afirma que Minas Gerais não deve partir para a procura de uma vacina própria, buscando imunizantes além dos fornecidos pelo Ministério da Saúde. “Não acho adequado Minas Gerais ter a sua própria vacina. As vacinas são feitas para o país como um todo. Temos de pensar nacionalmente, não só no nosso umbigo”, afirma.
Para o médico, o mais importante é ter um esquema de prioridades e de logística eficientes. “É fundamental que tenhamos princípios de vacinação e equidade na distribuição dessas vacinas. Isso é extremamente importante. Não seria um bom exemplo se tivéssemos nossa própria vacina e o país não. Eticamente isso não é adequado. É bom que pensemos neste momento de forma coletiva e não individual”, prega.
Com relação à vacina, a SES-MG informa que “desde as primeiras tratativas sobre o desenvolvimento de imunizantes contra a COVID-19, o governo de Minas, por meio da Fundação Ezequiel Dias (Funed) e da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG), tem realizado contatos com empresas no mundo todo, objetivando projetos de fornecimento de imunizantes e transferência de tecnologias para o desenvolvimento de vacinas em Minas”.
“Atualmente, a Fundação Ezequiel Dias (Funed) possui duas fábricas para a produção de medicamentos biológicos injetáveis. Uma delas é usada para vacinas e está certificada para a área de rotulagem e embalagem desses produtos, sendo sua capacidade direcionada para a vacina contra Meningite C, que a Funed fornece para todo o país via Programa Nacional de Imunizações (PNI)”.
Para uma possível produção da vacina contra a COVID-19, serão necessárias adequações da infraestrutura fabril existente, que Anvisa aprove o imunizante que “sua tecnologia de produção deve ser transferida para a Funed”.
Fura-filas
A Ouvidoria-Geral do Estado (OGE) recebeu, desde 18 de janeiro – quando chegaram as vacinas contra a COVID-19 em Minas Gerais –, 296 denúncias de “fura-filas” no processo de imunização. As denúncias são avaliadas e, em seguida, encaminhadas aos órgãos competentes, como comissões de ética e ao Ministério Público Estadual. A entidade indicada investiga se houve crimes, como peculato, infração de medida sanitária, ou improbidade administrativa. As penas variam entre administrativa, multa ou prisão. As denúncias podem ser feitas on-line, na página da Ouvidoria, pelo Canal Coronavírus, ou no Disque 162.
Fonte: Estado de Minas