Pela primeira vez, Minas registra mais mortes do que nascimentos
Diante de uma transmissão sem controle, mais uma triste estatística mostra a gravidade do atual momento da pandemia: pela primeira vez na história dos últimos séculos, morreram mais pessoas do que nasceram em Minas Gerais em abril. É o que revelaram os dados preliminares do Portal da Transparência do Registro Civil. Até o dia 12, foram 5.975 registros de óbitos nos cartórios do estado, ante 5.502 nascimentos – um saldo populacional negativo de 473 pessoas.
A situação também se repetiu em Belo Horizonte, que teve 751 registros de mortes emitidos, contra 556 pessoas que nasceram nos primeiros dias do mês. E 65% dos óbitos foram provocados pela Covid-19, índice que ficou em 37% na média geral mineira. Toda essa letalidade excessiva fez o estado antecipar em quase duas décadas esse fenômeno demográfico, mesmo de forma temporária – por conta da redução da taxa de fecundidade, a população começaria a encolher a partir de 2039.
O gerente de Estimativas e Projeções de População do IBGE, Márcio Mitsuo, lembra que antes da pandemia, o número de nascimentos era praticamente o dobro dos óbitos registrados. “Serve como uma dimensão do impacto de excesso de óbitos em relação aos contextos anteriores. Nas projeções do IBGE, os óbitos só iriam superar os nascimentos a partir de 2047 no país. Alguns estados, como Minas, começam a ter isso um pouco antes por terem níveis de fecundidade ligeiramente mais baixos que a média nacional”, explicou.
Para o especialista, os números mostram que a situação da pandemia é grave e atingiu patamares até então inimagináveis. “Ao longo da história, no século XX, dificilmente tivemos algo desse tipo, já que foi uma época marcada por forte crescimento demográfico. É provável que tenha tido algo localizado, mas temos que considerar que no passado havia uma escassez muito grande de informações”, pontuou.
Menos nascimentos
Em março, quando a situação começou a se agravar por todo o estado, o mês terminou com quase 19.000 registros de óbito, contra pouco mais de 11.000 no mesmo período do ano passado, uma alta de quase 70%. Para além da letalidade excessiva que compromete os índices demográficos, o demógrafo do IBGE acrescentou ainda que a quantidade de bebês que nasceram também teve uma leve redução por conta da pandemia. “Uma análise preliminar dos dados do ano passado também apontou para uma ligeira retração dos nascimentos. Muitas pessoas que planejavam ter um filho resolveram adiar”, disse.
O presidente do Sindicato dos Oficiais de Registro Civil de Minas Gerais (Recivil), Genilson Gomes, concorda com o especialista e acrescentou ainda que esse movimento começou a ser percebido a partir de novembro. “Como a pandemia começou em março do ano passado, as mulheres teriam os filhos em nove meses, e foi quando decidiram desistir, o que passou a impactar muito nos registros também de dezembro a março”, alegou.
Outro fator que surpreendeu o setor foi o impacto da Covid-19 na quantidade de óbitos registrados em casa. “As pessoas passaram a ter medo de ir ao hospital e ficar contaminado, por estarem muito cheios. Com isso, tivemos mais mortes nos domicílios. E ao mesmo tempo, a pandemia ainda diminuiu o número de mortes violentas”, revelou.
Panorama provocado pela doença é assustador, diz dirigente
Segundo o presidente do Recivil, desde o fim de fevereiro começou a ser registrado um movimento anormal nos cartórios para registro de óbitos. “Foi algo assustador. Para se ter uma ideia, em todo o ano de 2020 tivemos cerca de 11.000 mortes por Covid-19, e só nos primeiros três meses de 2021 foram quase 14.000. Só em março, foram quase 6.000 em Minas, os números estão absurdos”, enfatizou.
Para Gomes, esse fenômeno demográfico provocado pela pandemia deve se concretizar até o fim do mês, já que a lei permite que os óbitos sejam registrados em cartório com prazo de 15 dias. “Apesar da preferência ser antes do sepultamento, a morte pode ser lavrada depois. Muitas pessoas não sabem também que atualmente é possível fazer o registro na cidade de residência do falecido. Se morreu na capital e mora em Caeté, por exemplo, pode ir até o cartório da sua cidade”, explicou.
Mesmo com esse panorama, o dirigente garantiu que o cenário começa a caminhar para uma normalização desde o fim da última semana. “Esse fim de semana mesmo, tivemos poucos óbitos de Covid-19, mas o mês de março foi histórico e atípico, superou a média em todo o estado de Minas”, completou.
Já o geógrafo e professor do Departamento de Ciências Humanas da UNA, Luiz Carlos da Cruz, acredita que essa situação inédita deve permanecer pelo menos até o fim do primeiro semestre. “Pelo andar dos números, ainda vamos oscilar bem e é possível que só volte a se equilibrar (número de mortes e nascimentos) a partir do meio de 2021. Mas isso também depende da vacinação, das perspectivas econômicas. Eu acredito que vai subir (o saldo populacional), só que a passos lentos”, declarou.
O especialista enfatizou também que a pandemia traz impactos para os números de outras doenças, já que a rede hospitalar praticamente entrou em colapso por conta da demanda nas alturas. “Esse número de mortes não é só Covid-19, tem que considerar a mortalidade de outras doenças que se agravaram com o vírus. Ele foi um divisor de águas para esse momento”.
Expectativa de vida menor
Professor da Pós-Graduação de Geografia da PUC Minas, Duval Fernandes pontuou mais um reflexo da doença: a expectativa de vida da população brasileira em queda. “Esse volume elevado fez regredir a esperança de vida no Brasil, que vinha aumentando de forma sistemática. Andamos para trás, e essa queda acontece por termos pessoas jovens morrendo também, o que não aconteceria em um processo de transição demográfica”.
MAIS MORTES QUE NASCIMENTOS NO MÊS
(Dados de 1º a 12 de abril)
MINAS GERAIS
Nascimentos – 5.502 registros emitidos
Óbitos – 5.975 registros emitidos
Mortes por Covid-19 – 2.186 (37% do total)
Saldo populacional: – 473
(Mortes por Covid-19 entre 1º e 12 de abril de 2020: 84)
* Nos três primeiros meses de 2021, apesar do crescimento de óbitos, o saldo populacional negativo não havia sido registrado
Fonte: O Tempo