Projeto de lei que defende Estado democrático de direito classifica 10 crimes
O Projeto de Lei (PL) que revogou a Lei de Segurança Nacional (LSN), aprovado na terça-feira pela Câmara dos Deputados, definiu no Código Penal os crimes que atentam contra o Estado democrático de direito. Parlamentares e especialistas apontam avanços, mas fazem ressalvas ao novo texto.
A proposta tipificou os crimes contra as instituições democráticas e o funcionamento das eleições. O texto incluiu como crime a comunicação enganosa em massa e o atentado ao direito de manifestação.
A matéria apresentada pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), no entanto, apresenta divergências entre parlamentares e especialistas. Para o criminalista Acácio Miranda, a revogação da Lei de Segurança Nacional se fazia necessária, no entanto ele avalia que teria sido mais positivo se houvesse uma nova legislação específica sobre o Estado democrático de direito.
“O objetivo principal do PL foi reger o Estado democrático de direito, mas foram trazidos à discussão outros aspectos que não dispõem exclusivamente sobre o Estado democrático de direito. E também, no meu entendimento, não são matérias para um Código Penal”, avalia Miranda. “A questão das Fake News, por exemplo, eles acabaram arredondando entre aspas o que estava malfeito no código eleitoral, a questão da interrupção do processo eleitoral talvez fosse matéria para um código eleitoral, e não para um código penal”, diz.
O jurista pondera, no entanto, que o PL, de certa forma, se fez necessário e representa avanços democráticos. “O Congresso é composto por deputados de diferentes diretrizes ideológicas, e foi necessário um consenso para que chegassem a esse ponto”, pontua Miranda.
Para o deputado mineiro Reginaldo Lopes (PT), que votou favorável ao texto-base, a revogação da Lei de Segurança mediante uma nova lei que tipifica criminalmente ataques ao Estado democrático direito é um passo importante para a consolidação da democracia.
“O Bolsonaro, por exemplo, tem usado o aparelho de Estado para perseguir pessoas de opinião. A lei não pode ser utilizada contra liberdade de opinião, então acho que ela, no devido processo legal do código penal, é melhor que avocar essa lei e já indiciar pessoas que são contrárias ao governo. Se o presidente achar que a dignidade dele foi ofendida, por exemplo, que vá pelo processo penal”, argumenta. Ele ressalta que devem ser considerados diferentes o direito à livre manifestação e os atos de incitação à violência.
Insatisfação
Do lado contrário à proposição, deputados do PSL tentaram obstruir a votação e estender a discussão do dispositivo por meio de uma comissão especial. Na avaliação do deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), a LSN está sendo usada para perseguir quem faz críticas ao Supremo Tribunal Federal.
“Se é para torná-la melhor, ela deveria estar sendo aprimorada. Da forma como está, ela traz consigo diversos dispositivos ruins da antiga LSN e também traz questões muito piores para a nova legislação. Permite, por exemplo, que ações de grupos armados sejam legitimadas, legalizadas, que ações como de black blocs ou do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) sejam praticadas livremente e não sejam punidas”, afirmou o deputado.
A bancada do PSOL também orientou voto contrário ao PL. A legenda argumenta que a revogação da LSN não deveria vir acompanhada de mudanças no Código Penal referente a crimes contra o Estado democrático de direito.
Longa tramitação
O texto original do PL foi criado há quase 30 anos, pelo então deputado petista Hélio Bicudo, no entanto a proposta não avançou. Em 2002, o então ministro da Justiça Miguel Reale Júnior elaborou outro texto.
Nos últimos anos, o tema voltou a entrar em pauta com a insatisfação de parlamentares sobre o uso frequente da Lei de Segurança Nacional pelo governo Bolsonaro, o Parlamento retomou o debate sobre o antigo texto.
Entre 2019 e 2020, mais de 50 inquéritos foram abertos por órgãos do governo Bolsonaro citando a LSN. O Ministério da Justiça não informa quantas vezes a lei foi usada em 2021, mas vários casos tiveram grande repercussão neste ano.