Até 522 mil receberam vacina fora do município de residência em Minas
Até 522 mil pessoas podem ter viajado ou aproveitado a estadia em outra cidade para se vacinar contra a Covid-19 em Minas Gerais. Segundo dados do Ministério da Saúde analisados por O TEMPO, cerca de 13% das doses aplicadas em solo mineiro até a semana passada haviam sido destinadas a pessoas com endereço registrado em um município diferente daquele onde foi realizada a imunização, incluindo outros Estados.
Esse fenômeno pode explicar parte dos descompassos observados no avanço da campanha, uma vez que a distribuição das remessas é baseada na estimativa do público-alvo em cada localidade. Em Minas, 101 cidades já tinham 30% ou mais da população residente vacinada com a primeira dose, enquanto outras 235 ainda não haviam imunizado parcialmente nem 20% de seus habitantes. Recentemente, muitas prefeituras precisaram paralisar a aplicação por falta de estoques.
A conduta, em princípio, não é irregular. O Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 recomenda a comprovação de residência apenas para idosos asilados e pessoas com deficiência institucionalizadas. Na prática, cada Estado ou município pode adotar regras próprias.
A Prefeitura de Belo Horizonte, por exemplo, exige o comprovante de todos os grupos prioritários por critério de idade, comorbidades e necessidades especiais. Mesmo assim, haviam sido registradas nos sistemas oficiais 95.273 aplicações em pessoas desses perfis com residência declarada em outros municípios – o equivalente a 9% das doses utilizadas até então na capital.
Morador da pequena Baldim, na região Central de Minas, um aposentado de 66 anos conta que se vacinou em Belo Horizonte num momento em que a cidade dele ainda não havia iniciado a aplicação para sua faixa etária. “Tomei as duas doses em BH, porque no interior demorou mais e eu fiquei com medo. Levei um comprovante da minha nora, mas não pediram”, relata o homem, um dos 57 habitantes de Baldim imunizados na capital.
Divergências
Na avaliação do diretor-executivo do Instituto Questão de Ciência, o advogado Paulo Almeida, a falta de uma regra unificada pode prejudicar o andamento da campanha. “Essa migração é um problema, sem dúvidas. E a raiz dele é, muito provavelmente, a falta de orientações centrais, permitindo que Estados e municípios tivessem muita liberalidade na definição de critérios. Havendo cidades vizinhas com critérios diferentes, as pessoas naturalmente se encaminham para o local onde terão mais facilidade de se vacinar”, analisa.
Para Almeida, o fenômeno tende a aumentar. “Estamos chegando aos extratos da população com a maior quantidade de pessoas, dos 35 aos 55 anos. Caso as divergências de critério permaneçam, assim como a limitação da quantidade de doses, que ainda são encaminhadas a conta-gotas, é muito provável que exista um turismo vacinal interno no Brasil. É um problema com o qual teremos que lidar. A saída mais eficaz seria o acesso a mais doses, de maneira mais célere possível”, conclui.
Com experiência de quase cinco décadas em estratégias de vacinação nacional, o imunologista José Cássio de Moraes também destaca a fluidez do plano operacional. “A falta de padronização do calendário devido a conflitos políticos entre governo federal e estaduais, e destes com os municipais, tem gerado confusão. Municípios vizinhos ou de fácil acesso sofrem ‘invasão’ ou ‘evasão’ de acordo com a definição de seus grupos vacinais”, observa o professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Fonte: O Tempo