Brasil pode viver sob risco de racionamento de energia pelos próximos dez anos
Diante da pior seca dos últimos 90 anos e com algumas das principais hidrelétricas do país correndo o risco de ficarem vazias, um fantasma que parecia estar no passado voltou a rondar o Brasil. Vinte anos depois de o governo federal adotar medidas de racionamento de energia devido ao risco de apagão, especialistas temem a necessidade de um novo racionamento, semelhante ao que aconteceu naquela época, quando os consumidores tiveram que cortar 20% do consumo de eletricidade para não ter um aumento na conta.
Mesmo com o governo negando essa possibilidade, o país corre o risco de viver a próxima década com o medo constante do racionamento. “O país tem uma taxa de crescimento de energia elevada, em torno de 2% a 5% ao ano, a tendência que isso se mantenha. Se a economia se levantar no próximo ano, como já vem acontecendo, tudo indica que teremos problemas tão ou até mais sérios que em 2001 e podemos ter falta de energia elétrica em alguns pontos do sistema”, avalia Carlos Barreira Martinez, professor da Universidade Federal de Itajubá e do departamento de pós-graduação de engenharia mecânica da UFMG. “É possível que passemos os próximos dez anos sob risco de racionamentos e de sobressaltos com medo de uma falta de energia. Isso fica cada vez mais crítico a medida que o tempo passa e que o governo demora a tomar providências”, acrescenta o professor, que acredita que medidas já poderiam ter sido tomadas para atenuar a situação.
“Se o sistema tivesse despachado as centrais térmicas há 6 meses estaríamos em uma situação mais confortável pois teríamos mantido os níveis dos reservatórios, mas isso iria custar dinheiro e impactar na elevação da inflação. Optou-se e por ir empurrando com a barriga”, pontua Martinez.
Para o professor Marcos Freitas, coordenador do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (Ivig), da UFRJ, o risco maior da crise energética é o aumento constante do preço da energia. “O risco de racionamento e de um apagão tem, mas não é o problema principal, ao meu ver, porque tem estoque de outras energias, coisa que não se tinha tanto em 2001. O maior risco é o aumento do preço. Com a energia mais cara, o preço das mercadorias não fica competitivo para o mercado, a gente já tem um custo de energia alto, as produções tendem a encarecer ainda mais”, diz.
A notícia de um possível racionamento e o aumento constante na conta de luz foi o estopim que faltava para a empresária Luiza Alves, dona de um salão no bairro Caiçara, na região Noroeste de Belo Horizonte, querer vender a unidade. “Fiquei mais de seis meses fechada, os clientes diminuíram muito, a conta (de luz) nunca baixou, porque a tendência é que ela aumente se o movimento melhorar. O momento já é muito difícil, essa questão da energia é mais um problema que não tenho como lidar”, desabafa Luiza, que paga em média R$ 800 de conta de luz.
“Como um salão diminuiu seu consumo? Não usa o secador? Eu estou cortando em outras coisas, já dispensei o vigia, por exemplo”, conta a empresária, que planeja manter apenas um salão com a irmã na Savassi, na região Centro-Sul da capital mineira, e vender a unidade do Caiçara.
Energia solar fez conta passar de R$ 350 para R$ 50 por mês
A gestora comercial Ana Martins, 43, resolveu instalar placas de energia solar no telhado da casa para ajudar no orçamento. A conta de luz, que antes custava cerca de R$ 350, barateou, e agora está chegando, em média, a R$ 50. “É computador ligado das 7h às 18h, mais a impressora, fora o consumo rotineiro de geladeira, ventiladores no verão e forno elétrico”, conta ela, que não se arrepende do investimento para a instalação da tecnologia, que em muitos casos custa mais de R$ 20 mil. “Quando somamos a parcela do financiamento (da instalação) mais a conta de luz atual, ainda assim dá inferior a R$ 300, o que já representa uma economia gigante”, diz.
Para quem não pode realizar grandes investimentos, o professor João Carlos Lima, do Centro de Capacitação em Tecnologia da Loja Elétrica, dá a dica de pequenas ações que podem reduzir o consumo pela metade. Uma delas é substituir os chuveiros tradicionais por chuveiros com controle eletrônico. “Um chuveiro tradicional utilizado por quatro pessoas na posição inverno durante 15 minutos por cada um, tem um gasto de R$ 1.638 por ano. Se essa família fizer uma substituição pelo chuveiro eletrônico, esse gasto cairá para R$ 982,80”, explica o engenheiro elétrico, que ainda aconselha a sempre desligar os eletrodomésticos da tomada. “Um computador, uma televisão, um aparelho de tv a cabo no modo stand by, quando fica com a luz piscando, consumo na ordem 5%. Consumo de energia é tempo de funcionamento, você paga por um equipamento que não está usando”, pontua.
‘Estamos vindo com bandeiras novas’
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou ontem que a aplicação de novas bandeiras tarifárias, que elevam o custo da conta de energia elétrica, tem o objetivo de evitar um racionamento no país. “Estamos vindo com bandeiras novas para evitar o racionamento lá na frente, está havendo uma racionalização no uso agora, e isso é um choque. Vai haver um choque na energia e um choque de alimentos”, afirmou ele, que não detalhou se estava se referindo à eventual criação de mais uma bandeira tarifária.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deverá aprovar, na próxima semana, um reajuste das bandeiras. A tendência, segundo técnicos que participam das discussões com o governo, é a de que o conselho diretor da agência aprove um aumento que varia entre 40% e 60% das bandeiras – o que acarretará um aumento entre 15% e 20% na conta de luz. Os números ainda estão sendo fechados pelos técnicos da agência e devem vigorar a partir de julho, permanecendo até o final deste ano.
Para o economista, Paulo Casaca, o impacto será sentido, principalmente, pelas classes mais vulneráveis. “A gente tende a pensar primeiro na conta de luz, mas é um efeito cascata. Aumenta o valor dos produtos nos supermercados, gera incerteza no empresário que fica receoso com novos investimentos. Ele passa a ver o consumidor com uma renda menor, porque o cliente vai gastar mais pagando energia elétrica do que com outras coisas”, destaca o professor do IBMEC.
Entenda
Na bandeira verde não há adicional para cada quilowatt-hora (kWh) consumido. Na amarela, o extra é de R$ 1,34 a cada 100 kWh. Na vermelha, há dois patamares – R$ 4,16 (nível 1) e R$ 6,24 (nível 2). Diante da crise hídrica, a Aneel impôs a bandeira vermelha 2 em junho. Caso se confirme, o preço a mais do kWh passaria dos atuais R$ 6,24 para cerca de R$ 10. Esse movimento exercerá mais pressão sobre a inflação.
Por meio de nota, a Cemig informou que o fato de algum reservatório apresentar um armazenamento baixo não significa que os consumidores do entorno teriam o suprimento afetado e reforçou que não há indicação de racionamento pelo Operador Nacional do Sistema. A companhia destacou ainda que as Bandeiras Tarifárias são definidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e valem para todas as distribuidoras do Brasil, não existindo um impacto exclusivo para um Estado e sim para todo o território nacional.
Fonte: O Tempo