Em dois anos, registro de armas de fogo duplica em Minas Gerais
O número de registros de armas de fogo em Minas Gerais concedidos pela Polícia Federal (PF) dobrou nos últimos dois anos. É o que aponta um levantamento da corporação, que deu 14.221 autorizações para a posse do armamento entre janeiro e maio deste ano.
Em 2019, quando decretos começaram a flexibilizar regras da política de armas, foram 6.303 licenças no mesmo período, o que corresponde a uma alta de 125%. Os índices colocam o Estado na liderança das autorizações, atrás de São Paulo, com 11.411, e Rio Grande do Sul, que teve 10.932 registros.
O balanço revelou ainda que, cada vez mais, os armamentos circulam em Minas. Nos cinco primeiros meses deste ano, já foram 10.855 novas armas registradas, contra 6.385 no mesmo período de 2020. Segundo a PF, quase 88% das solicitações de registro vieram de pessoas comuns, seguidas por servidores públicos e empresas de segurança privada.
Mais restrito, o porte de arma, que garante o direito de circular com o objeto fora do endereço de registro, também cresceu 66%, saltando de 130 autorizações entre janeiro e maio do ano passado para 216, no mesmo período de 2021. A maior parte das pessoas que ganharam o direito de portar armas no Estado alegaram, como justificativa, o uso como defesa pessoal.
Legislação mudou
Publicado no primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), um decreto dele chegou a facilitar o porte da arma para outras profissões, como advogados, caminhoneiros e até políticos, mas foi revogado semanas depois.
No início deste ano, mais uma mudança editada pelo governo federal simplificou os procedimentos para obtenção da posse da arma, como o teste psicológico, e ainda ampliou o número de armas e munições para quem já tinha a posse e o porte.
“Vários decretos do governo federal flexibilizaram a legislação, porém a maioria está suspensa por serem considerados inconstitucionais. O Estatuto do Desarmamento prevê uma limitação e um controle da arma na mão do cidadão, e parte das publicações violava isso”, explica a advogada criminal Isabela Cardoso.
No entanto, segundo a especialista, houve muitas mudanças significativas na lei. “A principal delas, na verdade, foi o fato de alterar algumas armas que eram de uso restrito das Forças Armadas para uso permitido. Isso significa que armas mais pesadas vão estar na mão da população”, enfatizou Cardoso.
Pré-requisitos para o porte de arma
Para conseguir obter o porte de arma, é necessário demonstrar a efetiva necessidade por conta da profissão exercida ou por ameaça à integridade física, além de apresentar a documentação de propriedade de arma de fogo devidamente registrada.
E, assim como na posse, que não permite retirar a arma do imóvel residencial ou do local de trabalho, é preciso ter mais de 25 anos, comprovar capacidade técnica e psicológica para o uso, não ter antecedentes ou processos criminais, além de comprovar o local de residência e ter uma profissão lícita – os pedidos são analisados pela PF e pelo Exército.
Questionada sobre o aumento dos números, a corporação alegou que “não comenta política de armas”.
Não há flexibilização, afirma Abate
Já o presidente da Associação Brasileira de Atiradores Civis (Abate), Henrique Adasz, ressaltou que não houve uma flexibilização de acesso às armas, já que os critérios usados pela Polícia Federal e o Exército permanecem os mesmos.
“O que houve foi um aumento na procura por parte de cidadãos aptos e idôneos com o objetivo de defesa pessoal e/ou prática do esporte de tiro, este é o real motivo dos aumentos de registros”, declarou.
Para Adasz, as estatísticas mostram que uma população bem armada pode contribuir com a melhoria da segurança pública. “O direito de ter e portar armas é essencial para a liberdade individual, nenhum povo desarmado é verdadeiramente livre, pois estará sempre à mercê daqueles que detêm a força. Já no aspecto de segurança, a arma é nada mais que uma ferramenta, um meio para garantir sua integridade física contra uma injusta agressão”.
Consultor de armamento e tiro, Fabrício Oliveira concorda e acrescenta que todos tem o direito de defesa. “Hoje um cidadão pode se defender tendo sua arma de fogo ou pode optar em não ter. Infelizmente num país como o nosso, onde um cidadão mal-intencionado consegue uma arma na esquina, praça ou feira, temos uma necessidade enorme de estar em posse para defesa de nossa família, patrimônio ou comércio”, disse.
Crisp condena mudanças na lei
Ao mesmo tempo em que o país facilita o registro de armas, o professor e pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Bráulio Figueiredo, ressalta que não há uma política educacional para tentar reverter essa ideia ou senso comum de que ter arma em casa implica em maior segurança para as famílias.
Conforme o especialista, estudos apontam que o armamento traz maior risco de acidentes e ainda pode ser roubado em casa por criminosos. “Isso é um problema muito grave que no médio prazo tem um impacto nos indicadores de criminalidade no país, principalmente os homicídios. Vai ocorrer uma reversão nesses números justamente por esse excesso de armas na sociedade”, disse.
Estudo nos EUA traz dado preocupante
Um trabalho publicado em 2017 pela National Bureau of Economic Research, dos Estados Unidos, apontou que dez anos após a adoção de políticas mais permissivas, os crimes violentos aumentaram entre 13% e 15%, na comparação com Estados que não implementaram tais medidas.
Para o pesquisador do Crisp, a segurança deve ser garantida pelo Estado, e não individualmente. “O fato de uma pessoa comum portar arma de fogo tem que ser muito debatido e avaliado. Tem que ver em quais circunstâncias, informações e a forma como está se fazendo isso. Há também a questão do rastreamento das armas de fogo. Em que medida todas elas, que estão sendo adquiridas pelo cidadão comum, são monitoradas? Provavelmente, isso não esteja sendo feito”, ponderou o pesquisador do Crisp da UFMG.
Fonte: O Tempo