Entenda como a inflação afeta bolso e vida dos brasileiros
Em apenas dois anos, a vida da belo-horizontina Layane Gonçalves, 27, virou de cabeça para baixo: ela ficou viúva, amargou uma redução absurda das vendas na sua loja online e arrumou um emprego fixo, mas precisou fazer bicos para complementar a renda. Teve que se mudar para um apartamento com aluguel mais barato e cortou gastos onde deu, até na alimentação. Layane não tem nem tempo para acompanhar os indicadores de avanço da inflação, que encerrou 2021 em 9,63%, segundo o IPCA medido em Belo Horizonte pela Fundação Ipead-UFMG. Mas nem precisa, pois sente no bolso cada centavo corroído pelo aumento do custo de vida no país.
E ela não está sozinha nessa percepção, já que 73% dos brasileiros constataram que a vida no Brasil está cada dia mais cara, segundo pesquisa feita pela Ipsos em 30 países. É esse sentimento no bolso e na pele que mostra que a inflação vai muito além de um simples índice.
O levantamento “Inflação: Percepções do Consumidor” deixou o país na quarta posição, ao lado da Colômbia e da África do Sul, entre as nações com maior aumento no custo de vida no segundo semestre do ano passado. O pior cenário foi encontrado na Argentina. Os entrevistados foram questionados quanto aos gastos com transporte, habitação, alimentação, vestuário, saúde, entretenimento e serviços de utilidade pública, como água, gás e energia, por exemplo.
“Esse sentimento retratado na pesquisa expressa uma realidade. A inflação não afeta da mesma forma pessoas de diferentes contextos sociais e econômicos. Famílias de classe média, por exemplo, sentem muito a alta de planos de saúde, escolas particulares e entretenimentos. Já para quem recebe salário mínimo, que é uma camada muito grande da população, qualquer aumento em itens básicos, como o arroz e o feijão, afeta drasticamente. E essa pesquisa capta não o número, mas a percepção do dia a dia que é muito relevante”, diz o diretor de Public Affairs da Ipsos, Hélio Gastaldi.
O que os especialistas explicam como um descontrole da inflação, na prática, tem sido um descontrole de vida para muitos brasileiros. “Antes, eu sobrevivia tranquilamente como autônoma. Agora, eu continuo vendendo artigos femininos pelas redes sociais, consegui um emprego com carteira assinada como representante comercial, faço bicos como manicure, e mesmo assim o dinheiro nunca dá. Já fiz rifas para comprar comida, ganho cesta básica com frequência e ainda passo por muita dificuldade. Meu esforço é para manter a alimentação dos meus filhos, de 7 e 2 anos, mas se eu fizer três refeições no dia é muito”, conta Layane.
Previsão. Se a situação já não está fácil, as perspectivas para este ano também não são animadoras. “O que tem acontecido no Brasil desde 2015, quando a crise se instalou, é que estamos estagnados. Estamos convivendo com desemprego alto, queda da renda, aumento dos custos de vida e da inadimplência. E, em 2022, as incertezas trazidas em ano eleitoral devem piorar a situação”, avalia o economista Andrew Storfer.
É justamente esse medo de o cenário negativo se agravar que levou a professora de balé Maisa Soares Teixeira, 40, a optar pela escola pública para o filho de 8 anos neste período letivo. “No ano passado, fiquei sem trabalho porque tudo fechou. A diretora da escola onde meu filho estuda deixou que ele continuasse os estudos para a gente pagar depois. Agora, ela ofereceu para que ele continue lá enquanto pagamos as mensalidades atrasadas e empurramos as de 2022 para 2023. O problema é que não tenho garantia de que vou conseguir arcar com esse combinado e não dá para acumular uma dívida de 12 mil a cada ano”, conta. Para pagar a creche do bebê de 2 anos, ela ainda busca uma alternativa de permuta por aulas de dança. Esses não são os únicos gastos cortados por ela e o marido nessa fase. “Estamos economizando de todo jeito”, conta .
A queda é para todos, mas baixa renda sofre mais
O dinheiro está encolhendo, mas a inflação não é a única responsável. Além de os produtos e os serviços terem ficado mais caros, a perda da renda também é um fator altamente corrosivo no poder de compra. O diretor de estudos e políticas macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Ronaldo Souza Júnior, ressalta a influência da pandemia na configuração do mercado de trabalho e, consequentemente, nos rendimentos. “Muita gente perdeu o emprego, houve aumento da informalidade, e o rendimento médio caiu”, justifica.
A queda do poder aquisitivo é generalizada e atinge todas as faixas, mas o peso tem suas variações e é maior para baixa renda. Até novembro, o IPCA estava na casa dos 10%. Mas, segundo último levantamento do Ipea, enquanto o índice era de 9,7% para a renda mais elevada, para as famílias de baixa renda chegava a 11%. “Precisamos considerar que os pesos variam de acordo com o perfil de cada faixa de consumo e lembrar que, se por um lado a classe média e os mais ricos têm reservas financeiras, os mais pobres não conseguem”, analisa.
Outro fator que tem pesado no custo de vida no país é a valorização do dólar ante o real. “Primeiro, tudo o que compramos que vem de fora chega aqui mais caro por causa do câmbio. E a lista de itens é enorme, vai de lâmpadas e roupas a eletrônicos. E tem também muitos produtos feitos aqui que usam alguma peça do exterior e têm o custo de produção aumentado”, explica o economista Andrew Storfer.
Fonte: O Tempo