Só 31% dos produtores rurais treinam a próxima geração para assumir os negócios, diz pesquisa
A sucessão familiar é um dos maiores desafios de negócios ligados à agropecuária e tocados por membros da própria família. No entanto, apenas 31% dos grandes empreendimentos familiares rurais no Brasil têm um programa de treinamento para as novas gerações, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e pela consultoria KPMG.
O dado é importante porque, dos respondentes da pesquisa, a maior parte (80%) dos empreendimentos são familiares, o que significa que são controlados por uma ou mais famílias. O levantamento ouviu 367 representantes de empreendimentos rurais de grande porte do elo “dentro da porteira”, ou seja, de produção agrícola e pecuária, de todas as regiões do Brasil.
“Quando as próximas gerações vão assumindo o negócio, o processo decisório vai dependendo cada vez menos só do sócio principal”, diz Giovana Araújo, sócia-líder de Agronegócio da KPMG. Segundo ela, à medida que o negócio vai passando para as próximas gerações, se torna cada vez mais presente o conselho de família, estrutura importante de governança familiar que ajuda a tomar decisões em conjunto, incluindo planejar a sucessão. “E, quando há o conselho de família, observamos a implementação de programas de treinamento das próximas gerações com mais frequência.”
De acordo com a pesquisa, 29% dos empreendimentos rurais familiares possuem conselho de família formalizado, enquanto outros 11% possuem algum outro fórum de discussão familiar.
“Por muito tempo, as grandes empresas do agronegócio listadas na Bolsa foram a única fonte de informação sobre a maturidade da governança na agropecuária. Com essa pesquisa, quisemos colocar uma lupa no elo ‘dentro da porteira’, que é o coração do setor”, diz Giovana.
Governança na agropecuária
No geral, a governança corporativa é conhecida e valorizada entre empreendedores da agropecuária. De acordo com o estudo, 85% dos respondentes consideram a governança importante ou muito importante para seu negócio, mas a adoção de boas práticas ainda enfrenta desafios. Dos empreendimentos rurais pesquisados, 55% não contam com acordo de sócios formalizado, por exemplo. A maior barreira para os produtores rurais é a falta de informações e de referências de boas práticas para o agronegócio, citada por 35% dos respondentes. Logo em seguida, aparecem o receio de criar burocracia (33%), o receio de aumentar os custos (32%) e a descentralização do poder de decisão (28%).
As necessidades mais citadas foram o plano de sucessão (54%), o mapeamento de riscos corporativos e operacionais (52%), a melhoria no ambiente de controles internos e compliance (51%) e a formalização de papéis e responsabilidades (50%). “Notamos uma busca por melhorias dos controles internos. Há uma demanda pelo aprimoramento das ferramentas de gestão financeira e contábil”, aponta Giovana.
Entre as práticas de governança adotadas pelos empreendimentos, aparecem a existência de uma diretoria executiva (56%), a realização de assembleia ou reunião anual dos sócios (55%), o estabelecimento de políticas de remuneração dos sócios (58%) e a prestação de contas formal aos sócios ou conselho (53%). Em estruturas de conselho, 35% possuem conselho de administração e 15% possuem conselho consultivo. E 63% seguem a prática de ter pessoas diferentes nas funções de presidente/CEO e de presidente do conselho de administração.
Segundo Luiz Martha, gerente de Pesquisa e Conteúdo do IBGC, a pesquisa traz uma surpresa positiva em relação às práticas já adotadas pelos empreendimentos. No entanto, ele afirma que ainda há um amadurecimento a ser atingido. “Apesar de 79% afirmarem existir instâncias de tomada de decisão, em 47% dos casos a decisão é tomada apenas pelo principal sócio, consultando ou não outros sócios. Talvez o sistema esteja implementado, existam estruturas, mas ainda não estão em prática 100%”, afirma.
A pesquisa também observa que algumas estruturas de governança são mais comuns à medida que o faturamento do empreendimento aumenta. “O crescimento da empresa e, consequentemente, o seu maior faturamento, a torna mais complexa e gera mais necessidade por práticas de governança. Ao adotar mais boas práticas, a administração fica mais estruturada, mais organizada, e isso ajuda o empreendimento a crescer mais. E assim sucessivamente”, diz o gerente do IBGC.
ESG e inovação
A agenda ESG, sigla em inglês que se refere a aspectos ambientais, sociais e de governança das empresas, também está presente no setor agropecuário. Riscos e oportunidades são debatidos pela liderança periodicamente em 42% dos empreendimentos, com 26% deles tendo uma área dedicada ao assunto. No entanto, apenas 17% divulgam relatórios de práticas socioambientais ao público e ao mercado, e 16% fazem essa divulgação aos sócios.
“O ESG é um dos temas mais cobrados e mais relevantes para o agronegócio. O que falta é a comunicação adequada aos públicos externos das ações que esses empreendimentos têm adotado. Não está tudo perfeito, mas existe a preocupação e medidas estão sendo tomadas”, diz Martha.
As práticas ambientais mais adotadas são programas de preservação de áreas de preservação permanente (APPs) e práticas de conservação da terra ou recuperação de áreas degradadas, ambas citadas por 62% dos respondentes. Já as práticas sociais mais adotadas, ambas citadas por 54%, são treinamentos para colaboradores e terceiros e políticas de RH que visam reconhecimento e bem-estar dos funcionários.
Luiz Martha destaca que a questão da inovação é um tópico debatido periodicamente pela liderança em 49% deles. “As feiras setoriais apareceram como o principal meio para se manter atualizado, com 67% das respostas. Em último lugar, para apenas 23% dos respondentes, apareceram as parcerias com startups e hubs de inovação. É interessante observar que as feiras permanecem, mas que já começa a surgir essa nova fonte de atualização tecnológica, que esperamos que irá crescer bastante ao longo dos anos”, diz.