Sem estoques de grãos, Brasil não vai conseguir evitar aumentos de preços
Apontada como uma alternativa capaz de segurar aumentos de preços e também contribuir em programas de segurança alimentar, a Política de Estoques de Grãos Públicos no Brasil nunca esteve tão esvaziada como nos dias atuais. A ferramenta de gestão gestada ainda na década de 60 enfrenta uma redução acentuada nos volumes de diversos insumos historicamente colocados em reserva e que tem grande relevância na rotina dos brasileiros.
Alguns alimentos importantes, como o arroz, feijão, milho, trigo e soja estão com estoques baixíssimos e, em alguns casos, até zerados. De modo geral, o desabastecimento começou a ocorrer em 2011, mas com escalada de redução nos volumes a partir de 2017, indicam dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), responsável pela gestão da política no país.
O arroz, que chegou a dobrar de preço no início da pandemia em 2020, o volume estocado já chegou a 4 milhões de toneladas na década de 80. Mas houve queda exponencial até o patamar de 1 milhão de toneladas há dez anos atrás, até chegar às atuais 1,7 mil toneladas. O indicador é o menor da história, apontam os dados consolidados até julho pela Conab.
Já o milho, que aparece indiretamente na rotina do brasileiro, servindo de base alimentar para o gado e auxiliando na produção de carnes e produtos do laticínio, está com o menor indicador da história. Se comparado ao monitoramento feito desde 1987, a Conab registra hoje o segundo menor volume do grão da história. São 59 mil toneladas, enquanto o estoque já se aproximou de 4 milhões de toneladas.
Em um cenário ainda mais escasso, a soja, outro insumo que está presente na rotina diária dos brasileiros, está com os estoques zerados desde janeiro de 2014. O feijão, outro produto que o consumidor também nota encarecimento nas gôndolas do supermercado, também está em completo desabastecimento, sem nenhum grão desde 2017.
De acordo com o diretor executivo de Informações Agropecuárias e Políticas Agrícolas da Conab, Sergio De Zen, os baixos estoques se justificam por uma regra prevista desde o início da política de estocagem, que permitem ao Estado fazer o armazenamento apenas quando o preço de mercado do produto está abaixo do custo operacional de produção.
O diretor afirmou que a inserção na agricultura brasileira no cenário internacional, contribuiu para um processo de estabilidade nos preços. No primeiro semestre deste ano, as exportações de commodities agrícolas representaram 48,3% das vendas brasileiras ao exterior, somando US$ 79,3 bilhões, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). “Muitos produtos quando plantados, já estão vendidos. O produtor do campo já sabe por quanto vai vender sua produção”, argumenta.
De Zen ainda afirma que o processo de redução nos estoques ocorreu de maneira mais forte entre 2015 e 2016. “É quando a economia global começa a dar sinais de crescimento maior, principalmente o sudeste asiático. A gente vê que os preços de commodities começam a subir e então o governo não tem como comprar e manter estoques”, justifica.
País perdeu capacidade de armazenamento
Para André Diz, professor do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro), a preocupação é de que a baixa nos estoques se torne irreversível em curto prazo. Ele ainda afirma que o país precisaria fazer uma construção de novos silos para estocagem de grãos para permitir o armazenamento.
“Quando a gente olha para a parte da infraestrutura utilizada pela Conab para armazenamento dos grãos, a gente vê uma redução muito grande sob argumento de altos custos de manutenção”, detalha o especialista. André Diz não acredita em uma reversão do cenário com os preços atuais de mercado e produção.
“Essa estratégia de estocagem deixa de fazer sentido. Seria interessante discutir esse processo antes de acelerar a questão da redução de infraestrutura para armazenamento de grãos. Dado que esse processo já está em curso, se iniciou a bastante tempo, não me parece fazer sentido o governo retomar essa trajetória no curto prazo”, acrescenta.
O pesquisador cita que a recomposição dos estoques demandaria um investimento denso do governo. “Quando a gente pensa do efeito disso no ponto de vista de cadeia de proteínas na economia, da mesma forma: se por um lado com o estoque desse tipo de grãos, o governo conseguiria colocar esses grãos no mercado reduzindo uma pressão de custos para a cadeia de proteínas, mesmo sem essa questão do armazenamento o governo poderia usar outras estratégias de política agrícola para atingir esse mesmo fim”, sustenta André Diz.
Globalização dificulta interferência do governo
A possibilidade de uso dos estoques de grãos para evitar grandes aumentos de preços é alternativa rechaçada por Sérgio De Zen, diretor da Conab. “Não tem como um governo, nem o brasileiro, nem de países europeus, nem mesmo a China, consegue influenciar em preços que são formados diante de um mercado globalizado”, assinala De Zen que projeta uma recomposição no armazenamento de grãos apenas em um cenário de supersafra.
Para este ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a safra de cereais, leguminosas e oleaginosas deve chegar ao valor recorde de 263,4 milhões de toneladas. Para o milho, a projeção aponta para uma colheita de 87,4 milhões de toneladas. Se confirmado, o valor é o maior já apurado desde o início da série histórica, segundo a Conab. “Um dos fatores (para a redução dos estoques) é o tamanho da safra no Brasil. E uma supersafra poderia derrubar os preços”, complementa Sérgio.
O representante da Conab ainda indica que o problema hoje afeta diversos países, à exceção da China. Levantamento feito pela FAO – agência da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, aponta que os estoques de grãos mundiais podem cair para 29,6% no período 2022-2023, índice que é o mais baixo em nove anos. “No Brasil, a agricultura passou de um setor importador de alimentos, que tinha uma produção quase que de subsistência, para uma agricultura puramente exportadores e extremamente organizada. E nesse intervalo de tempo não houve investimentos”, atesta o diretor.
Desequilíbrio entre produção e consumo
Na avaliação do diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic), Celírio Inácio, o problema também tem relação com o desequilíbrio entre produção e consumo. Dados da entidade mostram que desde 2019 os volumes necessários para destinação ao mercado interno e para exportações foram inferiores ao total produzido durante a safra nas lavouras.
Em 2021, por exemplo, a produção atingiu 47,7 milhões de sacas de 60kg de café, frente a um consumo total de 62,1 toneladas. Outro problema, afirma Inácio, está ligado à alterações climáticas, como as geadas que derrubaram a produção na cafeicultura brasileira em 2021. “Enquanto o consumo mundial estiver elevado e esses problemas climáticos continuarem com esses dissabores, eu vejo dificuldades de fazer esse estoque”, atesta.
O diretor, entretanto, afirma que o armazenamento é importante. “A política de garantia de estoques é o melhor dos mundos. Imagino que precisamos de dois anos de supersafra para que a gente possa tentar fazer uma política para preservar problemas maiores futuros”, acrescenta o representante da Abic, que também coloca a melhora na remuneração dos produtores como alternativa.
“Acho que se tem uma solução é na motivação de melhor remuneração do produtor, tanto por governo e iniciativa privada, para incentivá-lo a não dividir suas terras com outros produtos”, complementa o representante da Conab que rechaça a possibilidade de uso dos estoques para programas de segurança alimentar. “A fome é um problema secular, mas existem programas sociais de distribuição de renda para isso. São coisas distintas, o estoque nunca foi usado para essa finalidade, não se trata de algo desse ou daquele governo”, ressaltou.
Fonte: O Tempo