Cesta básica pode ficar 23% mais cara com reforma tributária, dizem Faemg e CNA
Representantes da agricultura e do comércio do Brasil e de Minas Gerais estão apreensivos com alguns pontos das duas propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional (PEC 45 e PEC 110), que visam a simplificação do sistema de cobrança de impostos no país, a partir da unificação de tributos sobre o consumo. Eles pedem que haja maior discussão sobre o assunto antes da votação sobre a pauta.
A aprovação da reforma é uma prioridade do governo federal para este ano, a partir de uma destas duas propostas, que são bem semelhantes. Os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lyra, e do Senado, Rodrigo Pacheco, já sinalizaram apoio à discussão proposta pelo governo. Mas alguns setores produtivos querem mais diálogo antes.
Uma das questões mais contestadas pelos empresários brasileiros e mineiros é a criação de uma alíquota única para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituiria uma série de outros tributos federais, estaduais e municipais já existentes, como o IPI, PIS, Cofins, Cide, ICMS e ISS. O governo federal faria a arrecadação e repassaria os valores que Estados e municípios teriam direito.
Sem qualquer isenção prevista, o setor do agronegócio é um dos mais revoltados com a mudança. A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) alega que esta reforma pode elevar os custos de produção de alguns itens em mais de 20% e reduzir a margem de lucro dos produtores. Para a sociedade, a consequência poderia ser o aumento do preço da cesta básica em 22,7%.
“Tributar com a mesma alíquota produtos de luxo e alimentos prejudicará a renda da classe média brasileira”, alertou o coordenador do Núcleo Econômico da CNA, Renato Conchon, durante audiência organizada pelo Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados, que reuniu representantes do agro, do governo e da indústria.
Conchon afirma que muitos países que adotam o imposto único dão tratamento diferenciado para produtos do agro e insumos agropecuários, além de não incidir cobrança do imposto para produtores rurais pessoas físicas, que no Brasil são 98% do total.
Outra preocupação do economista diz respeito às classes C, D e E de produtores rurais, cuja renda é de até R$ 130 mil/ano. Eles representam quase 90% do total. “São pequenos produtores que certamente serão penalizados com aumento expressivo de carga e burocracia”.
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg), Antônio Pitangui de Salvo, é ainda mais enfático e afirma que a segurança alimentar da população corre risco, pois muitos produtores rurais podem desistir do negócio com a nova tributação.
“A cesta básica vai subir quase 23%. Acho que não tem ganhador nenhum com isso, com certeza não seremos nós e nem tampouco a população mineira e brasileira. No caso do nosso café, serão 18% de aumento e a redução de quase 40% na margem de lucro. Imagina se nós temos esta margem para cortar. Então, o que nós precisamos e pedimos é um pouco mais de discussão”, justifica.
A CNA e a Faemg acreditam que o agro já dá contribuição expressiva para a arrecadação de tributos no país. Em 2020, por exemplo, o setor recolheu R$ 460 bilhões, o equivalente a 19% do total.
Preocupado com o possível aumento dos preços dos alimentos, o governo estuda devolver todo o imposto arrecadado com a volta da tributação sobre a cesta básica para famílias de baixa renda.
Essa possibilidade foi citada nesta terça-feira (4) pelo economista Rodrigo Orair, diretor da Secretaria de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, durante evento realizado pelo Bradesco BBI.
Um grupo de trabalho da Câmara ainda estuda qual tratamento será dado na tributação dos alimentos, um dos temas que mais preocupam o setor agropecuário.
Há duas possibilidades na mesa: a tributação desses produtos com devolução do imposto aos mais pobres ou a manutenção da regra atual, que beneficia pobres, ricos e empresas que não repassaram a redução do imposto.
Comércio e serviços
Com a aprovação da reforma tributária, a alíquota mínima do IBS, o imposto único, seria de 25% com a substituição de todos os tributos previstos, segundo cálculos preliminares do governo. Mas o setor de serviços seria o mais prejudicado, de acordo com um estudo da Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse).
A Cebrasse aponta que as mudanças não contemplam a questão dos encargos trabalhistas, que representam 40% do faturamento do segmento. Neste cenário, a fusão dos impostos provocaria um aumento real da carga tributária de 25% para 35%.
Apesar de reconhecer a necessidade de uma ampla reforma no sistema de impostos do país, a Associação Comercial de Minas Gerais (ACMinas) divulgou uma nota defendendo mais diálogo entre as autoridades e os setores produtivos antes da aprovação da reforma tributária em Brasília.
“Em relação às iniciativas reformistas trazidas a público nos últimos dias, a ACMinas deixa claro que não empresta sua adesão prévia a proposta alguma que não tenha sido amplamente debatida e aprovada pela sociedade”, diz um trecho da nota.
Indústria
Já a indústria vê a reforma tributária com mais otimismo. O conselheiro da Confederação Nacional da Indústria (CNI), ex-senador Armando Monteiro Neto, afirma que a tributação mais simplificada vai acabar com um problema grave no país, que é a cobrança de um imposto sobre outro imposto, o que gera cumulatividade.
Como não é possível fugir disso, no fim das contas, a indústria paga 7,5% a mais de impostos por conta dos resíduos tributários, que representam os impostos cobrados ao longo da cadeia de produção, que não dão direito a crédito.
“Há consenso de que o sistema tributário brasileiro é injusto, caótico, complexo e disfuncional, ao mesmo tempo que também há uma convergência de que a matriz para a reforma é o modelo de imposto único. Avançamos no debate e não há mais espaço para fórmulas exóticas”, afirma Monteiro Neto.
Na última semana, o presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Flávio Roscoe, se reuniu com parlamentares para conversar sobre a proposta de reforma tributária. Roscoe acredita que a simplificação pode contribuir para a melhoria da competitividade e o aumento do dinamismo do segmento no Estado e no país.
No entanto, ele observou que alguns gargalos de tributação que envolvem taxação da folha de pagamento, segurança jurídica sobre incentivos fiscais concedidos, teto de cobrança tributária e desoneração das exportações, entre outros, precisam ser solucionados.
“A reforma é um anseio do setor industrial e entendemos que essa é uma grande oportunidade para o Brasil dar um salto de desenvolvimento econômico e social”, disse.
Imposto seletivo
As duas propostas de reforma tributária preveem ainda a criação do imposto seletivo, complementar ao IBS. Mas este tributo extra só seria cobrado sobre produtos específicos, como cigarros e bebidas alcoólicas, com o objetivo de desestimular o consumo.
Benefícios fiscais
As duas propostas são bem diferentes em relação à concessão de benefícios fiscais. A PEC 110 autoriza a concessão nas operações com alimentos (inclusive os destinados ao consumo animal); medicamentos; transporte público coletivo de passageiros urbano e de caráter urbano; bens do ativo imobilizado; saneamento básico; e educação infantil, ensino fundamental, médio e superior e educação profissional.
Já a reforma tributária da PEC 45 não permite a concessão de nenhum benefício.
No entanto, as duas propostas apontam uma possibilidade de devolução do imposto recolhido para contribuintes de baixa renda.
Fonte: O Tempo