Será que o consumo exagerado pode afetar nossa saúde mental e financeira?
Bolsas de todas as cores, vestidos para qualquer tipo de ocasião e um mar de dívidas no cartão de crédito. Maria Fernanda (nome fictício) conta que não pensa duas vezes antes de fazer uma compra. “Sou compulsiva na hora de gastar. Se deixar, eu queimo meu dinheiro em pares e pares de sapatos e sandálias de uma só vez”, confessa a contadora de 39 anos, uma consumidora por impulso assumida.
“Tenho um monte de aplicativos de compras instalados no meu celular. Sempre que vejo uma promoção, corro para não perdê-la e acabo adquirindo coisas que nem preciso. Já não tenho espaço na minha estante em casa para tanto calçado e roupa que jamais usei. É difícil explicar, mas não consigo resistir”, lamenta ela.
Em uma sociedade movida pelo imediatismo e o consumismo desenfreado, casos como o de Maria Fernanda são cada vez mais comuns. Segundo uma pesquisa realizada em 2015 pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) em parceria com o portal de educação financeira Meu Bolso Feliz, 53% dos brasileiros admitiram ter feito compras por impulso entre os meses de abril, maio e junho daquele ano.
A psicóloga Laís Ribeiro aponta que esse hiperconsumismo – característica de consumir além da necessidade – muitas vezes serve como um condutor de anseios e sentimentos, e se transforma em um gatilho de prazer para muita gente.
“O impulso pela compra inicialmente costuma ser emocional, mas pode também estar ligado a outros fatores, como a falta de autocontrole, a dificuldade de autorregulação, ou até mesmo ser um sintoma de bipolaridade”, argumenta ela.
Causas
Para Cinthia Demaria, psicanalista e mestranda em estudos psicanalíticos pela UFMG, esse comportamento, no geral, é o reflexo de uma busca para suprir ausências e vontades que não conseguimos administrar em muitas situações do dia a dia.
“Toda essa materialização é estimulada basicamente por dois motivadores: o primeiro é a tentação de possuir produtos e objetos na esperança de suprir uma determinada falta. Já o segundo está ligado à indústria capitalista, que hoje em dia parece sempre presente com ofertas de recursos feitos sob medida para nos ajudar a ‘lidar’ com qualquer tipo de carência. Para tudo o que nos falta parece existir um produto ou um serviço que promete tamponar esse vácuo”, observa.
Embora seja muitas vezes usado para combater emoções negativas, o consumo de produtos de forma impensada e excessiva tende a levar a um isolamento social e maior solidão, esclarece a psicóloga e terapeuta cognitivo-comportamental Bianka Carvalho Martins.
“O consumo impulsivo muitas vezes leva ao endividamento, o que causa estresse e uma redução significativa na qualidade de vida. Como resultado, muitas pessoas podem passar a evitar o contato social – seja no ambiente digital ou físico – por se sentirem envergonhadas ou constrangidas por causa de sua situação financeira”, sugere.
Bianka ainda acrescenta: “Quando nos concentramos apenas em nossas próprias necessidades e desejos, perdemos de vista o valor das relações interpessoais e do envolvimento na comunidade. Por isso é importante estarmos conscientes do hábito do hiperconsumismo e buscar um equilíbrio saudável entre o consumo e o envolvimento social e comunitário”, complementa.
Reflexo na saúde mental e no bolso
Especialistas afirmam que nem sempre o dinheiro vai conseguir amenizar todas as nossas insatisfações no mundo. Sendo assim, o consumo exagerado pode acabar tendo efeito negativo na nossa saúde mental e financeira.
“A geração atual é constantemente bombardeada por publicidades que despertam desejos muitas vezes irreais. As redes sociais são um instrumento que contribui diretamente no despertar desse tipo de interesse. O problema só fica evidente quando a realização desses anseios leva à uma situação financeira desequilibrada e a um estilo de vida incompatível com a realidade. Isso quase sempre gera muitas frustrações que terminam por prejudicar nosso bem-estar mental”, avalia a economista e co-fundadora do Harmonia Carreiras, Vaniria Ferrari.
A planejadora financeira e economista, Priscilla Mundim, alerta que, assim como qualquer ato de descomedimento, todo gasto imoderado acarreta em prejuízos.
“O consumismo gera desequilíbrio financeiro na vida de qualquer pessoa. Mas é importante lembrar que a gente consome para se comunicar, para pertencer, para gerar conexão. Nós consumimos porque vivemos em bando e em ambientes e contextos que ditam muito o que fazemos. O problema surge quando uma pessoa passa a gastar mais do que ganha e transforma sua vida financeira em caos. A consequência imediata obviamente é o endividamento”, expõe.
Diante de tudo isso, é possível criar-se uma relação equilibrada com nossas próprias demandas? Priscilla diz que sim.
“No entanto, precisamos nos lembrar que nosso autocontrole é um recurso finito. A gente não consegue estar no controle dele o tempo inteiro porque isso requer muita energia. Sabemos, por exemplo, que é errado pedir delivery várias vezes na semana, mas acabamos sendo impulsivos no fim do dia, na hora da fome e do cansaço. O mais indicado aqui é avaliar o seu contexto, seu ambiente, e planejar as decisões para não cair nas tentações na hora que o autocontrole falhar”, orienta ela.
Se o hiperconsumo não atende completamente nossa demanda por felicidade, a melhor saída pode ser investirmos nosso dinheiro e tempo em experiências ao invés de bens materiais, recomenda o psicanalista e professor da PUC Minas, Assis Mauro Avelar Viana.
“Deve-se levar em consideração que o consumismo em si já é um sintoma, e grave, de outros prováveis distúrbios emocionais. Dentro desse contexto, a experiência perfeita a se adquirir pode ser a busca por uma boa terapia. Fazer uma aplicação legítima no desenvolvimento emocional e afetivo seguramente vai levar a uma harmonia completa na vida de alguém. Esse, sem sombra de dúvidas, é o melhor uso que o dinheiro pode ter”, resume.
Fonte: O Tempo