O que é autocuidado pra você?

Criadores de conteúdo sobre autoestima, especialistas em beleza, bem-estar, moda e cabelos afro contam a Gama qual é a maior ação de cuidado pessoal que fazem no dia a dia. O conceito de autocuidado, palavra de significado profundamente pessoal e diverso, foi esvaziado durante a pandemia de Covid-19 por marcas de produtos de beleza que impuseram a ideia de que se cuidar é passar creme corporal, fazer máscara facial e andar pela casa, repleta de velas perfumadas, vestindo um roupão felpudo.
Mas o autocuidado genuíno, aquilo que só nós fazemos por nós mesmos, pode ser muito mais simples e não custar nada, depende do que é importante para o bem-estar de cada um: uma caminhada, meditação, dizer mais “nãos”, se importar com o que realmente importa, se preservar daquilo que não faz bem, evitar comparações, cuidar da saúde, Até mesmo uma hidratação e um banho de banheira, mas não só isso.
Uma lista imensa de respostas cabe para a pergunta: “O que é autocuidado pra você?”. Por isso, Gama questionou criadores de conteúdo sobre autoestima, especialistas em beleza, bem-estar, moda e cabelos afro, que disseram qual é a maior ação de cuidado pessoal que fazem no dia a dia.
“Para mim, que trabalho com rede social, autocuidado é não me comparar tanto ao sucesso ou à entrega do outro”
Dandara Pagu, 35, produtora cultural, comunicadora digital, colunista da revista Glamour e da plataforma Mina Bem-Estar
“Para mim, o maior autocuidado hoje em dia é não deixar ninguém mais me fazer de trouxa [risos]. Brincadeira! Mas eu realmente acho até um pouco triste o quanto, às vezes, as palavras ficam esvaziadas. Mesmo assim, acho que o significado dessas palavras continua vivo. O autocuidado que, pelo menos para mim, é se proteger dentro desse lugar que você só vive com você, é importante. Eu sempre falo da ideia de que no avião, quando estão dando as instruções de segurança, uma delas é: ‘Coloque a máscara primeiro em você para poder ajudar a pessoa ao lado’. E, realmente, se você desmaia, acabou. Como é que você vai ajudar qualquer outra pessoa? Por mais que você esteja no movimento de se doar ao máximo, esquecer de si próprio para ajudar o outro não funciona porque se você não estiver bem, você não consegue ajudar ninguém. Então, hoje em dia, o autocuidado para mim é o cuidar de mim em várias instâncias. Uma delas, pelo menos para mim, que trabalho com rede social, é não me comparar tanto ao sucesso ou à entrega do outro e, além disso, me cobrar menos porque sempre existe um amanhã para tentar fazer novamente. E, se não tiver, é porque não era para ser feito. É complicado para mim, sendo uma mulher preta dentro de um ciclo e de uma cultura tão racista e misógina, me desprender desse lugar do ‘vou fazer o que der para fazer’, mas é um exercício que eu tenho feito e eu acho que esse é, sem dúvida, um dos maiores autocuidados que eu tenho tido comigo mesma hoje em dia.”

“Procuro não me comparar com pessoas que têm realidades muito diferentes para não me frustrar”
Jacy Carvalho, 33, é estilista de cabelos afro e dona de um canal no YouTube sobre empoderamento crespo, autocuidado e cultura negra
“Acredito que não exista um conceito de autocuidado que dê conta de todo mundo, cada pessoa tem um corpo com necessidades diferentes. E o meu corpo tem a necessidade de estar bem cuidado física e emocionalmente. Procuro não me comparar com pessoas que têm realidades muito diferentes para não me frustrar, mas é um trabalho diário. Ultimamente, também estou buscando cuidar da minha saúde física que, por muito tempo, foi negligenciada. Então, tenho ido a consultas médicas, à psicóloga e até estive procurando por um personal trainer para movimentar mais o corpo, já que eu percebi que estava ficando viciada em telas. Além disso, dentro da minha rotina corrida, tento aprender algo novo para manter minha mente ativa, como o crochê, que amo.”

“Autocuidado é olhar para a saúde justamente numa sociedade que adoece”
Joana Cannabrava, 37, do perfil Papo sobre Autoestima, é criadora de conteúdo digital há 14 anos
“A gente vê o mercado usando o autocuidado para vender creme, para criar gatilhos de consumo e se distanciando do que talvez seja a real essência da palavra, que é se ver com cuidado. Não gosto de dizer que ter um momento com você mesma, passar um creme ou um produto gostoso no banho não seja um cuidado, mas acho que esse cuidado é só uma pontinha do iceberg, não é o real cuidado, o mais importante. Acho que autocuidado pode ser muita coisa, mas na minha visão é, por exemplo, você trabalhar o não, o limite, o saber dizer não. Essa é uma super ferramenta de autocuidado que eu acredito que nós, mulheres, não somos estimuladas a fazer. A gente sempre foi estimulada a agradar, a ser condescendente, a estar sempre disponível. Então, uma estratégia de autocuidado que eu tento muito ter é essa de aprender a dar limite, de dizer não. Porque não é natural para mim, é uma luta. Eu também considero que fazer terapia, hoje, é o maior autocuidado que eu tenho, é o maior investimento de autocuidado, de compromisso, de horário, de dinheiro. O maior olhar de autocuidado que eu tenho é não ignorar a minha saúde. Na sociedade da performance, facilmente somos engolidos pelo que o algoritmo espera, pelo que o seguidor deseja, pelo que o mercado dita. Eu acho que cuidar da saúde chega a ser revolucionário enquanto autocuidado. Hoje, dispor de uma quantidade de dinheiro e de tempo para ir ao personal, para fazer o meu pilates, é um baita autocuidado. Antigamente, eu achava que autocuidado era botar máscara no cabelo e tirar uns minutinhos com um produto cheiroso em casa. Hoje eu não entendo mais assim. Para mim, o autocuidado é olhar para a saúde justamente numa sociedade que adoece. É o maior autocuidado que eu posso ter.”

“O verdadeiro significado de autoamor e autocuidado é uma autopreservação, uma emancipação”
Pedro Camargo, 30, editor de beleza da ELLE Brasil
“Eu acabei de escrever uma pensata sobre esse assunto que vai sair em novembro, na primeira edição da ELLE Beauté, a revista da ELLE Brasil 100% dedicada à beleza. No texto, eu falo um pouco sobre a saturação semântica das palavras autocuidado e autoamor, retomando um pouco do histórico dessas palavras, passando por Audre Lorde e por bell hooks, para entender o que ela virou hoje. Acho que autocuidado e autoamor são palavras que foram cooptadas pelo mercado de bem-estar, de wellness. Penso que o verdadeiro significado de autoamor e autocuidado é uma autopreservação, uma emancipação que leva em consideração todas as questões de justiça social, de sistemas de opressão e que vai propor um autoamor que se olha diferente, mas que olha o mundo de forma diferente também. E é por isso que é tão forte, quase revolucionário, por assim dizer. É uma palavra bem perigosa para o sistema.”
“Quando eu cuido da minha saúde mental, é autocuidado, quando eu cuido do meu corpo, é autocuidado”
Luca Scarpelli, 33, criador de conteúdo e apresentador
“O que eu considero autocuidado é qualquer prática ou hábito que a gente tenha visando o próprio bem-estar. Às vezes, o autocuidado nem é tão legal assim. Por exemplo, o exercício físico diário, às vezes, eu não estou afim de fazer, é um saco, mas faz parte do autocuidado. Ou, por exemplo, se eu estiver passando por um período triste, de querer me isolar, mas me esforço e saio para socializar com os meus amigos mesmo assim. Isso é um autocuidado, porque eu sei que se eu continuar me isolando posso entrar num quadro depressivo. Acho que ter uma alimentação nutritiva é um tipo de autocuidado, uma rotina como um todo, que seja minimamente saudável dentro do que é possível, também é um autocuidado. Mas tudo com um limite, sem querer buscar a perfeição para não se tornar algo ansiogênico, que aí não é autocuidado. Aquela coisa: todo dia eu preciso acordar cedo pra malhar, todo dia eu tenho que comer bem, tenho que ler diariamente.

Se isso vira uma obsessão, parou de ser autocuidado porque, nesse caso, você não está cuidando da saúde mental, você está criando mais um problema, mais uma fonte de ansiedade, mais uma fonte de estresse. Acho que autocuidado é tudo aquilo que fazemos em prol do nosso bem-estar, numa lógica de cuidar da gente, de fazer com que a gente tenha mais longevidade. Então, quando eu cuido da minha saúde mental, é autocuidado, quando eu cuido do meu corpo, é autocuidado. Quando eu cuido da minha pele e mantenho hábitos saudáveis de higiene, também é um autocuidado, assim como fazer qualquer coisa que ajude a tornar o meu dia a dia um pouco mais prazeroso.”
“Me cuidar é me ouvir e prestar atenção no que é importante naquele momento, é ter conversas comigo”
Thais Farage, 39, consultora de moda
“Tenho pensado muito sobre isso nos últimos tempos. Para mim, autocuidado tem muito a ver com o emocional, mais do que com o físico, começa por aí. Uma amiga minha, a Lua Barros, que é educadora parental, falou uma coisa que me fez pensar sobre o meu ponto de autocuidado, que é: quem eu deixo ter poder sobre a avaliação que eu faço de mim mesma. Então, quem pode falar bem de mim ou mal de mim que vai influenciar como eu me vejo e a minha autoestima. Enfim, acho que obviamente isso bateu forte pra mim porque eu estou na internet e tenho um over feedback das pessoas, mas depois eu acho que isso foi indo para as outras camadas. Será que a revista tem direito de falar como o meu corpo tem que ser? Quais as características que eu tenho que ter? Isso me ajudou muito a cuidar de mim mesma, a entender quem, de fato, tem o poder de me alterar, de mexer com o que tem de mais íntimo em mim. Óbvio que nem sempre eu consigo, mas acho que é esse o caminho que eu tenho andado. Eu sempre vou focar mais o emocional e a saúde mental porque, para mim, a parte física está muito mais resolvida. Eu faço muito exercício, eu gosto de fazer muito exercício e tenho o privilégio de poder fazer muito exercício. Pra mim, quando eu falo sobre autocuidado, nunca é no sentido de ser mais bonita, de passar mais creme. Não é isso. Me cuidar é conseguir me ouvir e prestar atenção no que é importante para mim naquele momento, é ter conversas comigo mesma, é dar valor às coisas que têm valor.”

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