Apagão em tempos de mudança climática: entenda quem arca com prejuízos
Eventos climáticos extremos provocados pelo aquecimento global já levantam debates sobre o direto do consumidor de pedir ressarcimento por um serviço pago mas não prestado. Na sexta-feira (3), o temporal com ventos de mais de 100 km/h em São Paulo deixou milhões de moradores da maior cidade do país sem luz por horas, e até dias. Relatos de prejuízos e transtornos se multiplicaram desde então.
Na Justiça de São Paulo, a jurisprudência é conflitante. Há decisões que eximem de responsabilidade uma concessionária de serviço público por eventos decorrentes da natureza, chamados de caso fortuito ou de força maior. Porém, o Tribunal de Justiça já estabeleceu também que uma distribuidora de energia adote ações preventivas. Entre as medidas está a atualização da rede – e, em caso de descumprimento, a empresa deve arcar com danos causados a consumidores.
Apesar da falta de consenso no Judiciário, especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que a relação entre uma concessionária de energia e o cliente é respaldada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
De acordo com o artigo 14 da lei, a empresa deve responder por danos decorrentes da falha na prestação dos serviços, independentemente da existência de culpa.
Para consumidores que tiveram prejuízo com o recente apagão em São Paulo, há direito ao ressarcimento das horas sem luz. Resolução da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) determina à distribuidora religar a energia em até 24 horas nas áreas urbanas e em até 48 horas nas rurais.
“O dever de indenizar os consumidores não se pauta na interrupção de energia, mas sim na extremada, irrazoável e injustificada demora no restabelecimento da energia”, diz Gabriel de Britto Silva, diretor jurídico do Ibraci (Instituto Brasileiro de Cidadania). “Tal demora não plausível demonstra limitações técnicas da concessionária que foram evidenciadas em situação-limite como essa [recente falta de luz], fazendo a cidade de São Paulo parar”, afirma Silva.
Vento e queda de árvores foram os principais fatores que levaram aos cortes de luz. De acordo com o advogado, cabe à concessionária informar a autoridades municipais e estaduais fatores que possam gerar danos. “Se ela [a empresa] não monitora a sua rede, se não identifica eventuais ameaças à rede, como árvores próximas à fiação, não comunica com assertividade os órgãos competentes para fazer cessar essas ameaças, ela mais uma vez é responsável”, afirma Silva.
Segundo especialistas, ocorrências como fortes chuvas têm de ser previstas, e as concessionárias precisam traçar planos de contingência. As companhias, afirmam, não têm apenas o dever de prestar o serviço, mas também o de evitar interrupções ou de restabelecê-lo sem demora, qualquer que seja o motivo do corte.
Silva diz haver decisões judiciais em São Paulo que determinam o pagamento de indenização por danos morais em casos de interrupção de energia que superem cinco horas, por se tratar de fornecimento de serviço essencial em uma “sociedade tecnológica”.
Já o advogado Alexandre Ricco afirma que o consumidor deve receber em sua conta de luz o desconto pelas horas, ou dias, em que ficou sem o serviço. Caso contrário, pode recorrer à Justiça.
Para ressarcimento de danos com valores de até 20 salários mínimos (R$ 26.400, em 2023), o consumidor pode recorrer ao juizado de pequenas causas. Acima desse valor, precisará de um advogado para mover a ação.
O prejuízo com a perda de alimentos na geladeira, a dano a eletrodomésticos e equipamentos, a ausência no home office e na atividade comercial também podem render indenização pela fornecedora de energia elétrica, desde que devidamente comprovado. “Servem notas fiscais dos aparelhos, fotos, matérias de jornal, prints de conversas em grupos de condomínio, de comerciantes ou escolares e, numa ação judicial, até testemunhas podem servir de prova para pedir o reparo e a indenização”, diz Ricco.
O primeiro passo do consumidor para ser ressarcido, afirma o advogado Stéfano Ferri, é registrar uma reclamação pelos canais de atendimento oficiais da empresa. É preciso anotar o número do protocolo e o prazo inicialmente dado pela concessionária. O diretor de assuntos jurídicos do Procon-SP, Robson Campos, afirma que o prazo para o consumidor reclamar da falta de energia é de dez dias, contados a partir do momento da queda de luz. “O protocolo pode ser aberto mesmo depois de a energia voltar”, orienta.
“Se não conseguir entrar em contato com a concessionária para formalizar a falta do serviço, já caracteriza má qualidade do serviço prestado pela empresa e o consumidor pode reclamar no Procon e no Judiciário”, diz Campos. O Procon-SP recebeu cerca de 300 reclamações contra as concessionárias de São Paulo Enel e EDP desde sexta. Campos afirma que é um número expressivo de queixas, embora o percentual pareça baixo em relação ao número de consumidores afetados pelo apagão.
A empresa tem 15 dias para se manifestar ao Procon após ser provocada. O órgão de defesa do consumidor afirma que notificou todas as concessionárias envolvidas para prestar esclarecimentos nesta terça-feira (7). Nesta segunda (6), a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, notificou a Enel para que a empresa explique as razões da interrupção de fornecimento de energia elétrica na cidade de São Paulo e outros 23 municípios da região metropolitana. A empresa terá 24 horas para responder a notificação.
O órgão federal também anunciou uma coordenação integrada com o Procon-SP para monitoramento dos efeitos e reparo de danos e a criação de um canal de denúncia para acompanhar e averiguar o atendimento aos consumidores. (ANA PAULA BRANCO/FOLHAPRESS)
ORIENTAÇÃO DA SENACON AOS CONSUMIDORES AFETADOS:
- Entrar em contato com a concessionária, relatando o problema e pedindo informações sobre o prazo para normalização do serviço, com registro de protocolo do atendimento
- Os produtos que precisam de refrigeração e foram perdidos pela ausência de energia elétrica deverão ser ressarcidos
- Sobre os eletrodomésticos e aparelhos eletroeletrônicos que deixaram de funcionar em razão da queda ou de descarga de energia elétrica, o consumidor deve registrar o fato nos canais disponibilizados pela concessionária, no prazo de até 90 dias
- Para ressarcimento, a concessionária terá dez dias para inspecionar o equipamento danificado; um dia para equipamento utilizado ao acondicionamento de alimentos perecíveis ou medicamentos; 15 dias para apresentar, por escrito, resposta ao pedido e 20 dias para providenciar o ressarcimento
- A concessionária deverá informar o consumidor data e horário aproximado da inspeção ou da disponibilidade do equipamento. Não havendo essa vistoria, o prazo para resposta será de 15 dias, a partir da solicitação do ressarcimento
- O consumidor não deve tentar consertar o equipamento danificado, salvo nos casos em que houver autorização prévia e formal da concessionária.
Fonte: O Tempo