Minas lidera produção de truta, mas consome pouco
Minas Gerais lidera a produção nacional de truta, peixe de água fria utilizado principalmente na alta gastronomia, desde 2015. O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2022, indica Minas na primeira posição do ranking nacional de produção do pescado, com cerca de 1,1 mil toneladas. É mais do que o dobro da de Santa Catarina, que ocupa o segundo lugar com 496 toneladas.
No Sul do estado, a produção de truta é item essencial da economia local. Abrange desde grandes indústrias até a agricultura familiar. Segundo a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), os 10 municípios com maior concentração de truticultores estão na região: Pouso Alto, Delfim Moreira, Marmelópolis, Sapucaí-Mirim, Bocaina de Minas, Passa Vinte, Aiuruoca, Baependi, Itamonte e Passa Quatro.
De acordo com Marcos Meokarem, coordenador técnico estadual de pequenos animais da Emater-MG, a truta é um peixe considerado “nobre”. “Tem um valor de mercado maior do que o da tilápia e outros peixes tropicais. Normalmente, a truta é comercializada inteira e eviscerada. É um peixe de alto valor agregado, tanto para o produtor quanto para o consumidor, sendo muito apreciado na gastronomia, similar ao salmão”, explica Meokarem.
Ele ainda destaca que a produção de trutas requer condições específicas compatíveis com o clima do Sul de Minas. “A truta exige uma quantidade determinada de oxigênio na água e uma temperatura em torno de 15 graus, sem contaminantes”, afirmou. “Existem dois principais métodos de criação de trutas: o tanque escavado, construído na terra, e o sistema de tanque circular ou retangular com fluxo contínuo de água, conhecido como raceway.
O agricultor familiar geralmente usa o tanque escavado devido ao menor custo inicial”, detalhou Meokarem. A truta tem um ciclo produtivo relativamente longo. “A piscicultura, assim como a agricultura e a suinocultura, é um processo segmentado. Um produtor cria o alevino e outro faz a engorda, que leva cerca de 210 dias. Portanto, é possível produzir aproximadamente 1,5 ciclos por ano”, explica Meokarem.
Fora do estado
Sediada em Sapucaí-Mirim, a Trutas NR possui a maior truticultura do país, com uma produção anual de 600 a 700 toneladas, e até 60 toneladas mensais. A produção mensal da empresa é maior que a anual do estado de São Paulo, que foi de 50 toneladas no último censo do IBGE.
“Existem frigoríficos que produzem tilápias mensalmente na mesma quantidade que a NR produz anualmente, mas isso se deve ao processo produtivo da truta. A empresa é verticalizada, abrangendo desde a produção de ovos e alevinos até o crescimento do peixe até o peso de abate”, ressalta João Mauro Mendes, consultor de negócios da Trutas NR.
Mendes informa também que cerca de 95% da produção da Trutas NR são vendidos para São Paulo, principalmente para a capital. “Estamos na divisa com São Paulo, então a logística é fácil, especialmente para a capital, que está a duas horas daqui. Consideramos a qualidade das estradas e a proximidade. Acredito também que o mineiro prefere sabores mais fortes e marcantes”, comentou Mendes.
“No entanto, tentamos vender truta em Belo Horizonte várias vezes sem sucesso. Em São Paulo, há mais temakerias do que pizzarias, então o público consome muita truta e está disposto a pagar um preço alto por ela”, completa Mendes. Sobre o valor de mercado do pescado, Mendes justifica o alto custo de produção e o sabor diferenciado.
“A truta está no nível de preço do salmão, e até mais cara dependendo do processamento. A truta tem menos gordura, uma marmorização mais fina e um sabor mais delicado. O salmão tem um sabor mais forte, devido à presença de iodo do mar”, explicou. Mendes exemplifica: “Em um restaurante japonês, se você receber um prato de truta e um de salmão, verá que a truta tem aquelas linhas brancas de gordura e uma marmorização mais fina que o salmão.”
Turismo de experiência
Além do consumo diário e da truta encontrada em restaurantes e supermercados, o pescado tem alta relevância econômica para o turismo nas cidades próximas à Serra da Mantiqueira, no Sul de Minas. Segundo Cecília Galvão, gestora do Circuito Terras Altas da Mantiqueira, há um movimento expressivo na truticultura voltado para festivais gastronômicos e turismo de experiência.
“Percebemos um movimento dos pequenos produtores que, além da produção de truta, começam a abrir espaços para visitação e hospedagem, proporcionando turismo de experiência”, destaca Cecília Galvão.
Ela explica que a truta intensifica o consumo de produtos locais e valoriza a identidade cultural da região. “Em outros territórios, a gastronomia é voltada para outros tipos de peixe, mas aqui na Terra de Altas da Mantiqueira, o turista encontra um peixe com um sabor diferente e uma cultura distinta”, comenta.
“Nunca tive lucro”
Maria Lúcia Garcia administra com os filhos a Fazenda Três Marias, em Aiuruoca, também no Sul de Minas, propriedade que está na família há diversas gerações. Nos anos 1980, seu marido resolveu profissionalizar a criação de trutas. Observou que as águas da fazenda eram propícias para a produção do peixe. Anos depois, a família construiu uma casa de hóspedes para oferecer também serviços de hospedagem.
Atualmente, a Fazenda Três Marias trabalha com a produção de truta defumada, truta inteira e filé de truta, além da casquinha de truta, uma massa com a carne do peixe temperada. “É uma longa história. No início, achei que para ter retorno precisaria investir mais, então investi em mais peixes, mas nunca tive esse retorno. Temos enfrentado muitas dificuldades, considerando os impostos e encargos dos empregados”, conta Maria Lúcia.
Um dos principais fatores, segundo a empresária, é o tempo de engorda da truta. “Há perdas porque é um produto vivo e há muitos predadores. Em caso de enchente, o tanque pode ficar sujo, e nessas épocas precisamos deixar um empregado monitorando o tanque por 12 horas”, explicou. “Com tudo isso, não conseguimos repassar os custos para o preço. Se aumentarmos o preço, o produto fica parado no estoque”, conclui.
Em Belo Horizonte, o restaurante Dorsé, especializado em peixe, no Bairro Floresta, Região Leste da capital, retirou a truta do cardápio após sete anos trabalhando com o pescado. “Vende pouco porque sai caro para o cliente. Trabalho com tilápia e salmão diariamente, mas se a truta voltasse a ter um preço bom, certamente voltaria a trabalhar com esse peixe”, relata Elmo Barra, sócio-proprietário.
Piscicultura em Minas
A produção geral de peixes em Minas Gerais alcançou 54,7 mil toneladas em 2022, registrando um crescimento de 11,4% em relação ao ano anterior, conforme dados da Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR). No que diz respeito à tilápia, o gênero mais cultivado no Brasil, a piscicultura mineira ocupa o terceiro lugar no ranking nacional, com uma produção de 51,7 mil toneladas. O município de Morada Nova de Minas, na Região Central do estado, é um dos maiores produtores de tilápia do país.
Minas Gerais também se destaca como polo produtor de peixes ornamentais. A região da Zona da Mata é a maior produtora nacional, com mais de 10 milhões de animais anualmente, representando 70% do total do país. Mais de 300 famílias trabalham diretamente na atividade, gerando uma renda aproximada de R$ 15 milhões.
A Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa) informou em nota que tem trabalhado no desenvolvimento de projetos e novas parcerias que busquem fomentar a piscicultura em Minas Gerais. “Com 17 bacias hidrográficas, o estado é considerado a caixa d’água do Brasil e apresenta condições climáticas favoráveis e grande potencial para a ampliação da atividade, considerada boa alternativa de emprego e renda, especialmente na agricultura familiar”, disse a pasta na nota.
* Estagiária sob supervisão da editora Vera Schmitz
“A truta tem valor de mercado maior do que o da tilápia e outros peixes tropicais. É um peixe de alto valor agregado, tanto para o produtor quanto para o consumidor, sendo muito apreciado na gastronomia, similar ao salmão”
Marcos Meokarem, Coordenador técnico estadual de pequenos animais da Emater-MG
“Tentamos vender truta em Belo Horizonte várias vezes sem sucesso. Em São Paulo, há mais temakerias do que pizzarias, então o público consome muita truta e está disposto a pagar um preço alto por ela”
João Mauro Mendes, Consultor de negócios da Trutas NR
“Vende pouco porque sai caro para o cliente. Trabalho com tilápia e salmão diariamente, mas se a truta voltasse a ter um preço bom, certamente voltaria a trabalhar com esse peixe”
Elmo Barra, Sócio-proprietário do restaurante Dorsé
Fonte: Estado de Minas